segunda-feira, 15 fev 2010
Quando em
público é dada a palavra a alguém cuja cabeça-oca esteja contaminada por
conceitos socialistas, a primeira coisa que lhe vem à mente é acusar "o
capitalismo e suas contradições". Quem já não ouviu este bordão antes? Nas
linhas seguintes, eu vou apresentar algumas críticas à nossa Constituição e à
legislação fundiária e ambiental, à luz da lógica, para demonstrar o quanto de
contradição existe no socialismo.
Comecemos
pelo argumento primeiro do MST, qual seja, o de combater o latifúndio
improdutivo. Isto pode parecer a algumas pessoas uma questão de justiça. Digo
mais: isto pode até mesmo seduzir pessoas que, em princípio, não são
simpatizantes de partidos de esquerda. Porém, não é uma contradição que um
agricultor seja punido por manter espontaneamente áreas sem produzir quando
tenha que manter, por força de lei, uma reserva legal de 80%(!) na Amazônia e
de 50% no restante do país?
Permita-se-me
ainda aproveitar a deixa para explicar que há uma função econômica benfazeja na
manutenção de um latifúndio. Ele evita que recursos sejam investidos uma área
que ainda não possui uma razoável infra-estrutura, e que venham a produzir
excedentes que não venham a ser demandados pelo mercado. Quando nos lembramos
dos anos 80 e 90, percebemos como o desespero em produzir para não ser invadido
causou de prejuízo ao nosso país: eram muitas as notícias de plantações
inteiras deixadas a apodrecer, porque era simplesmente mais barato deixá-las na
terra do que colhê-las e tentar comercializá-las. Alguns agricultores, mais
sensibilizados, distribuíam os alimentos para a população, mas como esta
própria operação representava um gasto a mais e eles estavam já bastante
endividados, aos poucos resignaram-se quase todos. Peço para o leitor imaginar
quantos bilhões de reais poderiam ter sido investidos em atividades que fossem
mais urgentes e rentáveis, com criação de empregos para centenas ou milhares de
pessoas.
Assim se
compreende que os chamados "latifúndios improdutivos" tinham a função
de manter preservadas as áreas que ainda não estavam demandadas pelo mercado.
Em outras palavras, os latifúndios eram ecologicamente corretos.
Mas vamos
adiante: nós temos um "Estatuto da Terra", pelo qual a propriedade privada
rural deixou de existir para se tornar uma concessão do estado. Hoje, qualquer
fazenda que ainda esteja operando pode agradecer tão somente à generosidade do
MST, cujos representantes estão todos ocupando cargos de confiança no Incra.
Quando uma
propriedade rural é julgada improdutiva pelos técnicos do Incra, o seu dono não
pode contestar o resultado do laudo, restando-lhe tão somente discutir o valor
da indenização. Somente aí já se encontra um flagrante de abuso de poder, pois
a técnica, como muito bem ensinado pelo bom Direito Constitucional e
Administrativo, não admite sujeição ao poder discricionário e nem a qualquer
hierarquia de preferência pelas partes. A técnica somente aceita objeções ou
comprovações também técnicas, e é por isto, como em várias outras instâncias da
vida, que se permite que contraprovas sejam apresentadas pelos cidadãos, ou que
comissões mistas sejam constituídas. Aliás, em tempo, desta forma, o julgamento
de produtividade do Incra desobedece também os preceitos constitucionais de
garantia ao contraditório e à ampla defesa.
Destarte,
todo julgamento idôneo se inicia por diligenciar se as testemunhas são amigas
íntimas ou inimigas notórias das partes. Ora, somente por isto, se o Incra tem
em seus quadros de chefia egressos do MST, ou se simplesmente se puder
comprovar que seus funcionários alinham-se ideologicamente a este movimento,
então pode-se argüir que o laudo de produtividade é nulo por má-fé presumida.
Consideremos
agora a terra desapropriada. Ora, não temos uma Constituição que diz que somos
todos iguais perante a lei? Desta forma, e considerando que, antes de ser
transferida a um novo dono, esta propriedade agora pertence ao estado, então
ele (o estado) sujeita-se ao princípio constitucional da impessoalidade. Ou
não?
Ainda, há uma
consagrada lição da doutrina do Direito Administrativo chamada de "Teoria
dos Motivos Determinantes". Esta teoria diz que todo ato do estado que
contenha um motivo torna-se defensável por ele. Um exemplo clássico é o do
servidor público ocupante de um cargo demissível ad nutum, tal como são
os cargos de confiança. Ele pode ser demitido tão somente pela vontade do seu
chefe, mas se este alegar que o fez devido ao funcionário chegar comumente
atrasado, então este funcionário demissionário, com base neste "motivo
determinante", poderá se defender apresentando a sua folha de ponto em que
conste que não chegava atrasado, ou pelo menos não com frequência.
Transposta a
Teoria dos Motivos Determinantes para o problema fundiário, então é de uma
lógica irretorquível que os novos donos da terra deverão demonstrar que
produzem com uma produtividade superior ao do agricultor desapropriado.
Desta forma,
dois requisitos cumulativos são imprescindíveis para a alienação aos novos
particulares: a) esta terra haveria de ser leiloada e, b) somente poderiam
participar do leilão particulares que comprovassem produzir com um índice de
produtividade superior ao do indivíduo desapropriado.
Uma
transferência gratuita, pois, haveria de ocorrer somente após o fracasso de
três leilões consecutivos, como ocorre com leilões de bens apreendidos pela
Receita Federal, e haveria de ser entregue a pessoas que não estivessem
sofrendo o vício de interesse no processo, como são os invasores, em
consonância com as normas mais básicas de moralidade pública. (Em um leilão da
Receita Federal, estão impedidos de participar os próprios contrabandistas ou
pessoas que estejam em situação de irregularidade fiscal).
Desobedecendo
a todos estes princípios vitais da Constituição, uma montanha de subterfúgios
legais, fórmulas de ocasião e a leniência de um Poder Judiciário mentalmente
simpático ao MST permitem que a terra seja transferida graciosamente a pessoas
que não possuem os necessários recursos para manter um empreendimento de
magnitude e de quem nem sequer se pode esperar alguma produtividade.
Aqui talvez
caiba uma indagação sobre como tais coisas podem vir a acontecer. Não é tão
difícil explicar: Se o sistema jurídico fosse um programa de computador,
qualquer comando contraditório iria resultar no emperramento do software ou em
pelo menos algumas de suas funções. No sistema jurídico, dada a sua
prodigalidade positivista, um tal entrelaçamento lógico de todos os comandos
legais é humanamente impossível, e o que os juízes fazem é aterem-se às normas
específicas e mandar o resto às favas.
Concluindo,
toda a legislação fundiária e ambiental é mal-disfarçadamente eivada de
contradições, cujas consequências não podem ser outras do que a desintegração
do sistema jurídico. Aponto-as aqui tão somente para demonstrar que o ânimo que
levou a lume tal legislação nunca passou pela defesa da terra, pela preservação
ambiental ou do bom uso dos recursos naturais e econômicos.
Por isto
recomendo à CNA que produza debates com estes argumentos, já que agora conta com
a feliz criação de um instituto voltado a registrar a insegurança jurídica no
campo. Eu ainda sugiro algo mais: que se façam registrar estes argumentos nos
autos, por mais que sejam desprezados pelos juízes, que se publiquem nos
jornais, abertamente, para serem expostos à população. Talvez assim possamos
criar um estado de opinião pública que reverta este problema.