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Direito

Sonegação e corrupção: as diferenças essenciais

12/12/2009

Sonegação e corrupção: as diferenças essenciais

"Se uma lei é injusta, o homem não somente tem o direito de desobedecê-la, ele tem a obrigação de fazê-lo." (Thomas Jefferson)

Muitas pessoas colocam no mesmo saco a sonegação e a corrupção, como se fossem sinônimos.  Não são, e a dificuldade de enxergar isso é fruto de anos de lavagem cerebral em prol do governo.  A diferença mais básica entre ambas é a seguinte: de um lado, temos pessoas tentando preservar a sua própria riqueza das garras do governo; do outro, temos governantes tentando roubar a riqueza alheia, produzida pelos outros. Não se trata de uma diferença sutil, e sim do abismo intransponível entre legítima defesa e roubo.

Para alguns libertários, o governo é em si uma entidade ilegítima, sustentada através dos impostos, que nada seriam além de roubo.  Partindo desta premissa, fica evidente que qualquer tentativa de sonegação seria apenas um ato de legítima defesa.  Tal crença tem respaldo não apenas na lógica do princípio de não-agressão, que sustenta uma sociedade com trocas apenas voluntárias, como também na história, já que as origens do Estado sempre passaram por conquistas violentas, e não contratos sociais.  Para esses libertários, todo imposto será roubo, e qualquer indivíduo está no seu direito natural de se defender, como faria se uma gangue de marginais tentasse invadir sua casa e arrombar seu cofre.

Mas não é necessário abraçar totalmente a postura libertária para entender a diferença ética entre sonegar impostos e desviar recursos públicos.  Bastam alguns exemplos do cotidiano para deixar isso mais claro.  Alguém diria que um médico que resolve fazer uma consulta sem recibo está praticando o mesmo tipo de crime que um prefeito que constrói uma obra superfaturada para embolsar o dinheiro dos impostos?  Esse médico já é forçado a entregar quase metade do que ganha ao governo, a fundo perdido - pois acaba tendo que pagar tudo dobrado para ter escola particular decente para os filhos, plano privado de saúde e segurança particular no condomínio. Ele está apenas tentando preservar mais do seu dinheiro, enquanto o prefeito enriquece através dos impostos desviados.  Não parece evidente que são coisas bem distintas?

Existem inúmeros outros exemplos.  Podemos pensar num humilde dono de uma barraca de pipoca, que ganha a vida vendendo seu produto de forma ilegal, pois sem licença do governo, mas nem por isso ilegítima.  Os sacoleiros que vendem produtos paraguaios para driblar os impostos extorsivos também estariam nessa categoria, assim como todos os camelôs (assumindo que não são produtos roubados, claro).  Cada trabalhador que opta por não assinar sua carteira em busca de um ganho um pouco maior está fazendo a mesma escolha: ficar na "informalidade", um eufemismo para ilegalidade, porque o custo da legalidade é proibitivo.  Enfim, são vários casos existentes de pessoas que ganham a vida de forma legítima - através de trocas voluntárias - mas que acabam na ilegalidade para fugir das garras do faminto leão.

A bandeira "moralista" de gente que baba de raiva contra a sonegação e o crime do "colarinho branco" parece bem esgarçada.  Afinal, atacar os empresários com "caixa dois" e, ao mesmo tempo, defender as quadrilhas nos governos são coisas bem contraditórias.  Além disso, os trabalhadores sem carteira assinada e os empresários com "caixa dois" deveriam ser alvos do mesmo tipo de revolta, se os princípios é que são levados em conta.  Não são, o que deixa claro que tal revolta não é contra a sonegação em si, mas contra os ricos empresários, explicada por um ranço marxista.  Afinal, a diferença entre as ações é apenas na sua magnitude, e ninguém diria que uma prostituta que cobra R$ 50 é menos prostituta que outra cobrando R$ 500.

Quando as raízes do problema são analisadas, fica claro que as causas de tanta sonegação estão no próprio tamanho do governo.  A informalidade é o ar rarefeito que todos tentam respirar por conta da asfixia causada pelo excesso de governo e burocracia.  Ser legal num país como o Brasil, verdadeiro manicômio tributário, parece tarefa hercúlea.  Se as empresas tivessem que pagar todos os impostos e taxas e seguir todas as regras burocráticas, poucas sobreviveriam.  O governo cria dificuldades legais para vender facilidades ilegais depois.  O mesmo para trabalhadores: se todos tivessem que assinar carteira, o desemprego seria muito maior.  A informalidade é a salvação dessa gente, contra as "conquistas trabalhistas" impostas pelo governo.  Logo, muitos condenam a sonegação apenas dos ricos, e não atacam suas verdadeiras causas.

Como alguém pode culpar um empresário por mandar ilegalmente dinheiro para fora do país na tentativa de fugir dos planos mirabolantes dos governos?  Alguém acha que o empresário que fugiu do confisco de Collor é o verdadeiro criminoso, e não o próprio governo Collor?  Mas a lei está do lado do governo, pois é ele quem a escreve.  Por isso alguns libertários defendem a "desobediência civil", como Henry David Thoureau fez ao ir preso por não pagar seus impostos.  Ele sabia que esse dinheiro seria usado para uma guerra imperialista totalmente injusta, e preferiu ser livre na cadeia, com a consciência limpa, em vez de ser cúmplice na guerra injusta.

Quando somos obrigados a pagar os impostos, estamos financiando todos os "mensalões" por aí, o dinheiro na cueca e na meia dos políticos safados, os bandoleiros do MST, as obras superfaturadas que enriquecem governantes corruptos, e muitas outras atrocidades realizadas pelo governo.  Para piorar, temos em troca estradas caindo aos pedaços, hospitais públicos decadentes onde faltam os remédios mais básicos, uma "educação" patética que não passa de doutrinação ideológica, e a ameaça constante às nossas vidas por causa de uma violência fora de controle.  Não que serviços razoáveis justificassem tantos impostos, o que não é o caso, pois cada um deve ter o direito de decidir como gastar o seu próprio dinheiro.  Mas é um agravante, sem dúvida, pagar impostos escandinavos e receber serviços africanos.  E por uma ironia de muito mau gosto, ainda somos chamados de "contribuintes" pelos defensores do governo!  A situação está tão dominada que até mesmo levantar essas questões todas pode ser visto como um ato ilegal, como "apologia ao crime de sonegação".  Seria eu agora um criminoso por mostrar os fatos?

Ora, eu gostaria de não precisar viver dessa forma, tendo que me defender de um governo mafioso e corrupto o tempo todo.  Mas não adianta você não se importar com o governo: ele se importa com você!  Seria maravilhoso viver num país livre, com trocas voluntárias, e com um governo que, no máximo, ficasse restrito às funções básicas de garantir esta liberdade.  Mas o parasita tem fome.  O Leviatã é um monstro frio e faminto, com apetite insaciável por nossos recursos e liberdades.  O respaldo da lei não é garantia alguma de legitimidade.  O policial nazista que executava judeus estava "apenas seguindo as leis" do seu governo, e ninguém diria que ele estava certo por isso.  O governo é o verdadeiro inimigo!

Em suma, espero ter deixado mais claro que sonegar impostos e desviar recursos públicos para o próprio bolso são coisas bem diferentes.  A lavagem cerebral feita ao longo de tantos anos dificulta a compreensão disso, mas um pouco de reflexão honesta pode ajudar.  O verdadeiro crime é uma quadrilha no poder tomar metade do que ganhamos.  O fato de tal roubo ser legal apenas piora a coisa.  Um bandido comum ao menos não tenta mascarar seu ato, tampouco pretende nos fazer crer que nos rouba para nosso próprio bem!

Sobre o autor

Rodrigo Constantino

Rodrigo Constantino é formado em Economia pela PUC-RJ e tem MBA em Finanças pelo IBMEC. Trabalha desde 1997 no mercado financeiro, primeiro como analista de empresas, depois como gestor de recursos. é autor de cinco livros: Prisioneiros da Liberdade.

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