segunda-feira, 26 out 2009
Poucos historiadores ou economistas sabem que
o mais influente presidente americano no século XX e o mais influente
economista do século XX se encontraram em junho de 1934. Isso está registrado em um livro escrito por
Frances Perkins, que atuou como Ministra do Trabalho de Franklin Roosevelt: The
Roosevelt I Knew (1946).
O relato aparece no capítulo "Labor and the
Codes". O programa National Recovery
Administration (NRA) [Administração da Recuperação Nacional], criado em
1934 e comandado pelo general Hugh Johnson, estava obrigando as empresas a
adotarem uma política de preços e salários, na qual ambos não poderiam estar
abaixo de um piso determinado. Mais do
que qualquer outra instituição dos primórdios do New Deal, a NRA prolongou a
depressão. Ao proibir empresas e
trabalhadores de oferecerem seus bens e serviços a preços de mercado, a NRA
ampliou o desemprego não apenas para os trabalhadores, mas também para todos os
ativos econômicos. A senhorita Perkins
era uma ardorosa fã da NRA.
Por todo o mundo industrial, governos e suas
políticas de preços semelhantes às da NRA estavam aprofundando a
depressão. Políticos, executivos e
representações sindicais haviam juntado forças para impedir que o mercado
voltasse ao equilíbrio por meio da competição de preços. Os anos compreendidos entre 1930 e 1934
apresentaram o primeiro grande afastamento daqueles mesmos princípios do
liberalismo clássico que haviam trazido paz e crescente prosperidade ao
Ocidente, começando por volta de 1800 e expandindo-se em uma escala sem
precedentes após a derrota de Napoleão em 1815.
A avaliação que Perkins faz da NRA é típica
dos burocratas da era do New Deal. Ela é
também a explicação padrão contida nos livros-texto básicos.
Sem um mercado interno apoiado pelos
salários de milhões de trabalhadores, teria havido um declínio mais intenso da
economia americana e uma depressão mais profunda. Essa era a teoria. A determinação de valores mínimos para os
salários, algumas vezes valores acima do salário mínimo, teve um efeito
revitalizador. Ela colocou um pouco mais
de dinheiro nos bolsos dos trabalhadores para que eles pudessem gastar num
sábado à noite, e os resultados afetaram toda a indústria (p. 225).
Ela não mencionou que essa política salarial levou
a um desemprego ainda maior. Ela não
mencionou a falta de dinheiro nos bolsos das pessoas que não tinham emprego. Ela não
mencionou como isso afetou todas as indústrias.
Mas, em sua defesa, os livros-texto também não o fazem.
Somada aos programas de alívio e às
obras públicas, tal política salarial constituiu uma demonstração efetiva das
teorias que John Maynard Keynes vinha pregando e recomendando com insistência
ao governo inglês.
Nesse ponto a memória de Perkins
aparentemente a iludiu. A obra magna de
Keynes, A Teoria Geral do Emprego, do
Juro e da Moeda, havia sido publicada uma década antes, em 1936. Em 1934, Keynes era uma figura influente
entre os economistas britânicos, mas era desconhecido entre economistas e
intelectuais americanos, exceto pela sua crítica ao Tratado de Versalhes, As
Consequências Econômicas da Paz,
escrita em 1919. Ele era conhecido entre
os economistas britânicos principalmente pela contínua instabilidade de suas
opiniões em termos de economia política, tanto em questões de política
tarifária como de política monetária.
Perkins escreve como se o encontro tivesse ocorrido em 1938.
O próprio
Roosevelt não estava familiarizado com a economia de Keynes. Outros membros do governo haviam lido suas
obras, mas ele ainda não havia obtido a aceitação popular. Sua fórmula era a de que os gastos públicos
deveriam ser aumentados quando os gastos privados caíssem.
Esse é um resumo
acurado da Teoria Geral. Mas não seria
um resumo acurado de sua então obra magna, A
Treatise on Money (1930). Em todo caso, o principal rival de Keynes, o
imigrante austríaco F. A. Hayek, de 32
anos, havia demolido Treatise on Money de forma tão completa no jornal
acadêmico Economica que o próprio Keynes respondeu a Hayek em privado
dizendo: "Ah, esquece isso. Nem eu mesmo
acredito mais em tudo aquilo".
Perkins recorda
que Keynes foi aos EUA em 1934 e conversou com os membros da administração
Roosevelt. Sobre isso ela escreve o
seguinte:
Ele disse que
a combinação de programas de alívio, obras públicas, aumentos salariais
impostos pela NRA e a distribuição de dinheiro para fazendeiros como forma de
ajuste agrícola estavam fazendo exatamente o que sua teoria indicaria como o
procedimento correto. Ele estava
extremamente confiante de que nós nos EUA iríamos provar para o mundo que essa era
a resposta.
O que Perkins
deixa de mencionar é que essas políticas iniciais do New Deal eram produto
intelectual de dois livros escritos por dois não economistas: William Foster e
Waddill Catchings. Foster era o reitor
do Reed College, uma
faculdade esquerdista na cidade de Portland, Oregon. Foster tinha Ph.D. em inglês, com
especialização em retórica. Catchings
era um empresário. Seus livros, Profits (1925) e Money (1928), defendiam a ideia de que uma insuficiente demanda do consumidor é o
que causa declínios econômicos. O
trabalho de ambos é normalmente tido como pré-keynesiano. Seria mais acurado dizer que o trabalho de
Keynes era fosteriano/catchingsiano (imaginem a sonoridade).
O relato de
Perkins mostra a realidade da revolução intelectual keynesiana. Essa revolução se baseou inteiramente naquilo
que os governos europeus vinham fazendo há pelo menos seis anos antes do
surgimento da Teoria Geral. A
visita de Keynes aos EUA lhe deu - se formos acreditar no relato feito pela
senhorita Perkins sobre seu entusiasmo - o estímulo de que ele precisava para
escrever outra obra magna para substituir aquela que Hayek havia destruído tão
completamente.
O
ENCONTRO
Eis a descrição feita por Perkins do
encontro.
Keynes visitou Roosevelt brevemente em
1934, e falou de uma sublime teoria econômica.
Rosevelt me disse após o encontro: "Encontrei-me
com seu amigo Keynes. Ele me despejou
uma verdadeira lengalenga numérica. Ele
deve ser um matemático, e não um economista político". (p. 225)
Roosevelt tinha a capacidade política de
julgar rapidamente um homem. E como ele
estava certo sobre Keynes! Keynes era
bacharel em matemática, formado em 1905.
Seu livro, Um
Tratado Sobre Probabilidade (1920), foi muito respeitado à época. Ele não se formou em economia. Seu pai, o economista de Cambridge John
Neville Keynes, havia providenciado metade do dinheiro necessário para que a
Universidade o contratasse. Keynes Jr.
não ganhou título algum além do bacharelado. Chamá-lo de intelectual herdado seria algo
pretensioso, porém correto.
Perkins acrescenta isso.
Vindo a meu escritório após sua entrevista com
Roosevelt, Keynes repetiu sua admiração pelas ações que Roosevelt havia tomado,
mas cautelosamente me confessou que ele havia "imaginado que o presidente fosse
mais instruído, economicamente falando" (p. 226).
Ele havia julgado Roosevelt tão acuradamente
quanto Roosevelt o havia julgado.
Perkins então acrescentou esse relato sobre
as palavras que Keynes lhe havia dirigido.
Nunca vi melhor resumo da economia keynesiana.
Ele afirmou mais uma vez que um dólar
gasto pelo governo em programas de alívio era um dólar que iria para o dono da
mercearia, e deste para o atacadista, e deste para o agricultor, como pagamento
pelos suprimentos. Com um dólar pago em
programas de auxílio ou em obras públicas ou em qualquer outra coisa, você
acabou criando quatro dólares para a renda nacional.
Perkins não fez a seguinte pergunta: "De onde
o governou tirou esse dólar?" Essa
pergunta também não é feita por nenhum livro-texto de economia utilizado nos
cursos de graduação, e nunca foi. Ela
merece pelo menos uma subseção.
A ausência dessa pergunta óbvia ao longo das
últimas sete décadas fornece aquilo que considero o exemplo supremo da cegueira
acadêmica nos tempos atuais. Há várias
outras, mas nenhuma é páreo para essa em termos de sua simultânea simplicidade
e centralidade. Ludwig von Mises estava
certo. A economia keynesiana é a economia das pedras que
viram pães. Na versão Paul
Samuelson, trata-se do papel-moeda que vira pão.
CONCLUSÃO
Ainda está pra ser escrita uma revisão
histórica em larga escala do New Deal, uma que cubra sua política doméstica, sua
política externa, sua política militar e seus planos do pós-guerra. Até que esse estudo multivolume apareça, o
legado de Roosevelt continuará intacto.
O triunfo da esquerda é visto aqui em toda a sua força: tal estudo
inexiste. Os historiadores em sua vasta
maioria servem apenas como hagiógrafos de Roosevelt.
Similarmente, não há uma crítica acadêmica
abrangente da economia keynesiana, uma que desafie cada aspecto keynesiano,
mostrando que tal teoria é apenas um requinte do livro Social
Credit, de C. H. Douglas - Keynes expressou respeito por Douglas em A Teoria Geral - e das teorias de
subconsumo de Foster e Catchings, todas elas adornadas com matemática.
Até o dia em que Frankie e Johnny receberem
sua merecida e completa punição acadêmica, o movimento libertário não terá feito
seu trabalho. Já estamos há sete décadas
na espera.
Enquanto a real história não debutar nos
livros-texto do ensino médio, continuaremos como estranhos que apenas observam
tudo de fora.
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Mais sobre o assunto:
A Grande Depressão - uma
análise das causas e consequências
O New Deal ridicularizado
(novamente)
Como Franklin Roosevelt
piorou a Depressão