quinta-feira, 14 jan 2010
N. do
T: o artigo a seguir apresenta aquela que talvez seja a melhor e mais clara explicação
sobre o que é realmente o livre mercado - esse arranjo econômico tão
vilipendiado e deturpado pelo establishment acadêmico e midiático, não obstante
ambos não tenham a mínima ideia do que ele seja.
Todos nós já nos deparamos, ao navegar pela
internet, com algumas postagens de blog completamente ignaras. Na maioria das vezes, você simplesmente
ignora o ignorante. Afinal, você poderia
passar o resto da sua vida corrigindo esses robôs automatizados que são
incapazes de apresentar algum pensamento original ou inconvencional não
importa o quanto você os estume. Todas
as bobagens que o professor da sétima série os ensinou continuam absolutamente
intactas em suas mentes.
Entretanto, ocasionalmente, para o bem da sua
própria consciência e para o bem daqueles leitores que suspeitam que toda a
ladainha está errada, mas que não sabem exatamente onde está o erro, você vai à
forra e solta uma resposta completa. E é
isso que estou fazendo aqui em resposta a um tópico chamado "Peter Schiff: Os Usuários do
Medicare [espécie de seguro-saúde
financiado pelo governo dos EUA] São Preguiçosos que se Recusam a Pagar
Pela Própria Saúde"
Este artigo é um pouco mais longo do que os
meus artigos tradicionais, mas espero não testar demasiadamente a paciência do
leitor. Em negrito estão as palavras do
autor da postagem, que se identifica a si próprio, curiosamente, simplesmente
como "Che".
Aqui vamos nós.
Adoro
quando economistas de direita falam sobre "forças de mercado" e "deixar o livre
mercado gerir a economia." Eles fazem
parecer como se o livre mercado fosse algum ser altruísta que sempre sabe exatamente
o que fazer e quando fazer.
Eu não conheço ninguém que endosse essa
caricatura típica de ginasial. Em
primeiro lugar, nenhum economista pró-livre mercado é idiota o suficiente para
usar uma frase como "deixar o livre mercado gerir a economia." O livre mercado é simplesmente uma matriz
onde os indivíduos praticam trocas livres e voluntárias. Como pode uma matriz onde há essa liberdade
de trocas "gerir" alguma coisa?
Segundo, nenhum economista pró-livre mercado
crê que o mercado "sempre sabe exatamente o que fazer e quando fazer". Se esse fosse o caso,
como esses economistas iriam explicar o fenômeno das falências empresariais?
O verdadeiro argumento defendido pelos
economistas pró-livre mercado é que, no livre mercado, as decisões relativas a (1) o que produzir, (2) em quais quantidades, (3)
utilizando quais métodos e (4) em quais locais, são tomadas visando satisfazer
às mais urgentes demandas dos consumidores.
As empresas, desde que operando em ambiente concorrencial, descobrem
rapidamente o que os consumidores querem e o que eles não querem - e elas
ajustam suas decisões de produção em conformidade com esses desejos
manifestados pelos consumidores.
Quando uma determinada indústria aufere
lucros, isso significa que ela está utilizando seus fatores de produção de uma
maneira que agrada aos consumidores.
Como resultado, a produção naquela indústria tende a expandir. Da mesma forma, quando uma indústria está
tendo prejuízos, isso significa que seus fatores de produção estão sendo
empregados em linhas de produção que não estão satisfazendo os consumidores
adequadamente. Logo, essa indústria está
destruindo riqueza. A única solução que
lhe resta é deslocar seus fatores de produção para outras linhas de produção
que possam produzir algo mais em sintonia com o real desejo dos consumidores.
Há ilimitadas maneiras de as empresas
combinarem seus fatores de produção de modo a produzir um igualmente ilimitado
arranjo de bens. Felizmente, o mercado
faz com que as empresas não tenham de tatear no escuro, sem saber quais dessas
trilhões de decisões devem ser tomadas.
Se o processo de produção implantado por elas
utiliza um determinado insumo que está sendo mais urgentemente demandado em
outra linha de produção, esse insumo lhes custará mais caro, o que as obrigará
a encontrar um substituto. Se elas
produzirem algo em excesso, os prejuízos resultantes irão induzi-las a produzir
menos, o que irá liberar recursos para a produção de algum outro bem que os
consumidores estejam desejando mais urgentemente. A todo o momento, os recursos estão sendo
direcionados - de acordo com os desejos dos consumidores - para aqueles
processos de produção em que eles são mais urgentemente demandados.
Portanto, não, os mercados não sabem
"exatamente o que fazer e quando fazer" - uma caricatura infantil. Porém, as respostas fornecidas pelos
consumidores, que com suas decisões escolhem o que consumir e o que não
consumir, estão constantemente levando os mercados a uma utilização mais eficiente
dos recursos limitados.
O governo, por outro lado, não tem uma base
racional para determinar o que produzir, em quais quantidades, com quais
métodos, e daí por diante. Ele não
adquire seu dinheiro fornecendo algum bem que as pessoas voluntariamente
escolhem comprar; ele adquire seu dinheiro simplesmente confiscando os fundos
de sua população vassala.
Dado que o governo não precisa seguir as
respostas fornecidas pelo mecanismo de lucros e prejuízos, cada decisão que ele
toma sobre algum processo de produção é inteiramente arbitrária, e
necessariamente implica o desperdício de recursos. Ele opera completamente no escuro. Ele não pode se ajustar às demandas do
consumidor, uma vez que não há como o governo calcular qual a melhor e menos esbanjadora maneira de produzir. Mais do
que isso, ele nem mesmo pode saber o que
produzir.
O
livre mercado não é uma entidade sem emoção e que sabe de tudo. Ele é controlado por humanos suscetíveis à
ganância, à corrupção e à exploração. O
livre mercado é tão puro quanto os falíveis seres humanos que o controlam.
Como vimos, o livre mercado é apenas uma
matriz de trocas. Portanto, ninguém em
seu perfeito juízo o descreveria como algum tipo de "entidade", seja ela "sem
emoção", "que sabe de tudo" ou "amarela com pontinhos roxos".
Vamos lidar com a questão da "corrupção" e da
"exploração" mais abaixo. Mas no que
tange a encantadora devoção de Che ao governo, ele parece não considerar que
seus próprios funcionários podem estar suscetíveis à ganância, à corrupção e à
exploração. Mais adiante ele sugere que
os políticos corruptos podem simplesmente ser retirados de seus cargos por meio
do voto (Ei, Che, na sua opinião, como essa ideia vem funcionando até agora?). Ele não considera a possibilidade de que as
empresas que não produzem aquilo que os consumidores querem podem, da mesma
forma, ser democraticamente
retiradas da economia - bastando para tal que os
consumidores se abstenham de comprar seus produtos.
Se
os princípios de livre mercado pudessem atuar desimpedidamente, como Schiff
preconiza, o que ocorreria é que tudo seria baseado na maximização do lucro.
Nesse ponto todos nós supostamente deveríamos
arregalar os olhos, aterrorizados com tal panorama. Afinal, tanto Michael Moore quanto nosso
professor da sétima série já nos alertaram para a perversidade dos
"lucros". De fato, o que mais há para
ser dito?
Porém, como vimos acima, o lucro é
simplesmente a maneira de a sociedade aprovar as decisões de produção adotadas
por uma empresa. O lucro indica aquilo
que os consumidores querem, bem como - por meio do processo de imputação [teoria que diz que os preços dos fatores são
determinados pelos preços dos produtos] - o melhor processo para se
produzir tal bem ou serviço.
Os lucros atraem mais investimentos para uma
dada linha de produção. Isso vai levar a
um aumento dos bens produzidos. Tal
processo vai continuar ocorrendo até que esse aumento da oferta de bens naquela
indústria acabe por trazer a taxa de retorno de volta ao nível existente em
outros setores da economia. É assim que
garantimos que nossos limitados recursos não serão desperdiçados, e que os bens
mais urgentemente desejados serão produzidos.
Na ausência do lucro como força motriz, como
exatamente Che gostaria de ver os recursos sendo alocados? Podemos ou permitir que as preferências dos
consumidores guiem a produção, ou deixar que as preferências pessoais de um
monopolista (ou seja, o governo) determinem o que deve ser produzido e
como. Quando a questão é colocada dessa
forma, a escolha torna-se muito clara - e é exatamente por isso que a questão
nunca é formulada dessa maneira.
Só de curiosidade, será que Che preferiria
basear as decisões econômicas na maximização dos prejuízos? Será que tal
arranjo seria melhor?
Surgem
dois grandes subprodutos quando o único interesse de uma economia é o lucro.
1.
A qualidade diminui porque as arestas precisam ser aparadas a fim de se poupar
dinheiro e poder competir (veja a China)
Che, pense nisso por um minuto. Suponha que você tenha uma economia na qual o
lucro não desempenhasse absolutamente
nenhuma função. A qualidade aumentaria nesse caso? Será que desfrutaríamos de produtos de
qualidade crescente caso as empresas não tivessem de satisfazer o público
consumidor (que é o que 'obter lucros' significa) para poderem continuar operando
no mercado?
Você não acha que se as empresas fossem
liberadas da necessidade de obter lucros elas se tornariam preguiçosas ou
indiferentes às demandas do consumidor?
Você acha que elas trabalhariam horas extras para fazer produtos de alta
qualidade apenas pelo bem da humanidade, ou da pátria-mãe ou de qualquer outra
abstração que o regime viesse a inventar?
Se os consumidores querem mercadorias de alta
qualidade, os produtores irão competir entre si para atendê-los. Se todas as empresas estiverem produzindo
porcarias de baixa qualidade, haverá aí uma enorme oportunidade de lucro à
espera daquele que entrar no mercado e simplesmente melhorar a qualidade do
produto. Você não crê que essas diabólicas
corporações iriam agarrar essa chance de lucro?
Por que, em seu imaginativo cenário, esses personagens perversos,
maliciosos e gananciosos repentinamente perdem sua motivação de obter lucros?
Você dirá que os consumidores não pagariam
preços mais altos por mercadorias de qualidade.
Mas de onde vem tão arbitrária declaração? Se eles não vão pagar os preços mais altos,
então isso significa que eles estão satisfeitos com o atual nível de qualidade,
e que o dinheiro que eles poderiam gastar com esses produtos aperfeiçoados
será, na visão deles, melhor utilizado caso seja gasto em outras coisas - em
produtos básicos e sem luxo, por exemplo.
Você, Che, não está em posição de julgar a
decisão deles. Se os consumidores estão
dispostos a pagar preços mais altos, então empresas mais sofisticadas irão
atender aos anseios deles - e caso você faça um mínimo de esforço e consiga olhar
ao seu redor, verá que é exatamente assim que a economia de um país minimamente
livre funciona.
Afinal, não há um limite para a potencial
qualidade das mercadorias. Por exemplo,
uma pessoa pode comprar uma casa toda feita de ouro. Mas isso não significa que todas as outras
pessoas que não querem viver em uma choça de palha só irão se contentar com
moradias banhadas a ouro. Há inúmeras
possibilidades para um meio termo. Não
há uma maneira - que não seja totalitária - de decidir qual deve ser a proporção entre
qualidade e acessibilidade que as pessoas podem escolher. Apenas os gastos voluntários praticados pelos
consumidores, bem como as decisões de produção baseadas nesses gastos, podem
fazer essa decisão.
De qualquer forma, mais uma vez tudo o que
precisamos fazer é olhar ao redor para encontrarmos a refutação para essa
estranha afirmação de Che. Os automóveis
de hoje são de pior qualidade do que eram em, digamos, 1977? Será que alguém hoje se disporia a trocar seu
Blu-ray por um videocassete de 1981? Eu
poderia acrescentar que o Blu-ray também custa um pouquinho menos, em termos
reais, do que o videocassete custava em 1981.
Acredito em você quando diz que há algo de perverso em tudo isso, Che,
mas eu simplesmente não consigo ver.
2.
Os salários diminuem, pois a ânsia de lucro da parte dos empregadores coloca os
trabalhadores em luta entre si. Por
exemplo, se não houver regulamentações trabalhistas, eu posso pagar
significativamente menos a uma mulher para ela fazer o mesmo trabalho de um
homem. Isso força os salários para baixo,
pois agora um homem terá de aceitar um salário menor caso ele queira um
emprego.
É por isso que aqueles que não entendem de
química não escrevem sobre química, e os não botânicos ficam longe da
botânica. Nesse ponto, nosso autor está
simplesmente criando coisas.
Uma enormidade poderia ser dita aqui,
inclusive o fato óbvio de que, embora os trabalhadores realmente compitam entre
si (assim como o fazem todos os fatores de produção), os empregadores têm de competir pelos trabalhadores, assim como eles têm de competir pelo aço ou por
qualquer outro insumo. Porém, para uma
simples réplica à alegação de que sob condições concorrenciais os salários vão
cair, façamos a seguinte pergunta: isso de fato ocorreu?
Nos EUA, por exemplo, durante o século XIX,
sem que houvesse nenhuma das instituições que Che acredita serem indispensáveis
para fazer os salários subirem, os salários reais quadruplicaram. Isso não poderia ter acontecido, de acordo
com ele - a concorrência entre os trabalhadores deveria ter derrubado os
salários. Mas em quem você vai
acreditar, em Che ou em seus próprios olhos?
Mas agora prossigamos para a segunda
afirmação: em um livre mercado, Che poderia pagar a uma mulher menos do que a
um homem, o que significa que consequentemente os homens teriam de aceitar
salários mais baixos.
Não me surpreende que Che creia que os
salários são determinados pelos caprichos arbitrários dos empregadores - este
é, afinal, o pensamento convencional que perpassa o público em geral, e seria
inimaginável se afastar dele.
Evidentemente, devemos nos apegar incontestavelmente a tudo aquilo que
nosso professor de ciências sociais nos ensinou.
Mas, se em um genuíno livre mercado as
empresas podem arbitrariamente diminuir os salários das mulheres, política essa
que logo depois inevitavelmente se estenderia aos homens, por que então elas
não diminuem os salários de ambos hoje
mesmo? A legislação que impõe
igualdade de pagamento para ambos os sexos não diz nada sobre a diminuição dos
salários; portanto, por que os
empregadores não vão adiante e utilizam seus poderes mágicos para reduzir os
salários agora mesmo? Por que eles
deveriam esperar que a legislação de igualdade de pagamento seja repelida para
só então seguir o convoluto caminho de Che (primeiro diminuir os salários da
mulheres e então obrigar os homens a também aceitar os salários mais baixos?)
A resposta óbvia é que os salários não são
arbitrários. Se as empresas tentassem
fazer aquilo que Che propõe, o resultado não seria a redução dos salários dos
homens. A disputa pela mão-de-obra iria
inevitavelmente voltar a elevar os salários das mulheres.[1]
Não há razão em fingir que o nível de
pagamento que os trabalhadores usufruem atualmente tem alguma coisa a ver com o
salário mínimo ou com os sindicatos; a vasta maioria dos americanos, por
exemplo, ganha bem acima do salário mínimo, e os sindicatos sempre foram um
fator negligenciável nos EUA. Por toda a
história, os salários dos trabalhadores americanos sempre superaram os salários
dos países europeus, muito mais fortemente sindicalizados. Che não consegue explicar nada disso; segundo
sua lógica, todos deveriam estar ganhando salário mínimo.
Também, completamente negligenciada na
análise de Che está a tendência de os salários reais aumentarem no livre
mercado.
Como ocorre esse processo? Quando as empresas aumentam e melhoram os
equipamentos e maquinários à disposição dos trabalhadores, sua mão-de-obra
torna-se mais produtiva. Imagine uma
pessoa utilizando suas próprias mãos para empilhar paletas ao invés de uma
empilhadeira; ou produzindo livros com uma impressora do século XVI ao invés de
equipamentos mais modernos. A quantidade
de produção da qual a economia é capaz é dessa forma aumentada, de maneira
quase sempre acentuada, e esse aumento na produção pressiona para baixo os
preços dos bens de consumo (em relação aos salários).
Contudo, não há nada de natural ou de
inevitável quanto à disponibilidade desses bens de capital capazes de
intensificar a produção. Eles não caem
do céu. Eles advêm da decisão dos
perversos capitalistas de se absterem do consumo. Ao se absterem do consumo (pouparem), eles
estão liberando capital para outras atividades.
E é essa realocação dos recursos não consumidos que será transformada em
investimentos em bens de capital.
Esse processo é a única maneira de
possibilitar um aumento geral do padrão de vida. Apenas dessa maneira pode o trabalhador comum
aumentar sua produtividade. Como
conseqüência, apenas dessa maneira pode ele ser capaz de consumir mais daquilo
que ele está acostumado a consumir. Pois
o aumento da produtividade da mão-de-obra, possibilitada pelo capital
adicional, reduz os preços dos produtos em relação aos salários. Como? Ao se aumentar a quantidade de bens
produzidos, passa a haver uma maior quantidade de bens de consumo em relação à
oferta de mão-de-obra. Colocando de
maneira mais simples, melhorias no processo de produção que levem a um aumento
da oferta de produtos tornam esses produtos mais baratos e mais fáceis de serem
adquiridos pelas pessoas.
É por isso que, para se ganhar o dinheiro
necessário para a aquisição de uma grande variedade de bens, são necessárias
hoje menos horas de trabalho do que eram no passado. Graças aos investimentos em bens de capital,
que é o que as empresas fazem quando seus lucros não lhes são confiscados (para
delírio de pessoas como nosso amigo Che), as economias de hoje são muito mais
fisicamente produtivas do que costumavam ser, e, como consequência, os bens de
consumo existem hoje em uma abundância muito maior e são correspondentemente menos
caros do que antes.
Em 1950, por exemplo, um americano tinha de
trabalhar seis minutos para ganhar o dinheiro suficiente para uma unidade de
pão; em 1999, esse tempo havia caído para três minutos e meio. Para poder comprar uma dúzia de laranjas em
1950, eram necessários 21 minutos de trabalho.
Em 1999, esse tempo já havia caído para 9 minutos. Pagar por 100 quilowatts de eletricidade
requeria duas horas de trabalho em 1950, mas apenas 14 minutos em 1999. Uma pessoa, no ano de 1900, teria de
trabalhar nove horas para comprar uma calça jeans. Em 1950, esse tempo havia caído para quatro
horas; e em 1999, para três horas. Para
um frango de 1,4 kg, eram 160 minutos em 1900, 71 em 1950 e 24 em 1999.[2]
Quando Che quer tributar as empresas, como
você pode ter certeza de que ele quer, ele está defendendo a sabotagem aberta do
processo que permite aumentar o poder de compra de todos os indivíduos de uma
sociedade. As sociedades mais
industrializadas de hoje seriam muito mais ricas caso as alíquotas mais altas
de seus respectivos impostos de renda tivessem sido menores ao longo de todo o
século XX.
Caso os governos não tivessem confiscado
tantos recursos para em seguida desperdiçá-los em gastos de consumo, esses
recursos estariam livres para investimentos que teriam tornado as economias
permanentemente capazes de produzir mais riquezas do que as atuais. Como resultado, o padrão de vida de todos
seria hoje muito maior.
Se
não há regulação das "forças de mercado" pelo governo, você essencialmente
coloca o poder nas mãos de executivos que não têm de prestar contas a ninguém,
exceto a seus acionistas. E para manter
os acionistas satisfeitos, o lucro deve ser maximizado por qualquer método
possível. Se isso significar exploração
e corrupção, então que assim seja.
Como "exploração" e "corrupção" não foram
definidos, não há como saber do que Che está falando. Por "exploração" ele presumivelmente está se
referindo à teoria marxista de que uma concorrência intensificada leva a
menores salários, uma besteira que já abordamos.
Por "corrupção" ele pode ter querido dizer
uma de duas coisas. Ele pode estar se
referindo ao uso da fraude, do roubo ou de alguma outra violação da lei. Se esse é o caso, então ele não mais está
falando do mercado livre e desimpedido, que pune comportamentos criminosos e
antimercados como esses. Portanto, seu
comentário seria irrelevante. Se alguém
viola a lei, ele deve ser punido. Se
esse alguém é culpado, mas não é punido, isso dificilmente seria culpa do
mercado - afinal, quem monopoliza a oferta de tribunais e de serviços
policiais? (Vou lhe dar uma dica: não é o livre mercado).
Ele pode também estar se referindo ao uso de
lobistas para se conseguir privilégios especiais do governo, ou para prejudicar
os concorrentes. Mais uma vez, ele não
está realmente criticando o livre mercado, ainda que pense estar. Nesse caso sua crítica não cabe ao livre
mercado, mas sim ao próprio governo.
O livre mercado não possui nenhum mecanismo
de coerção capaz de conceder privilégios especiais a algum grupo. Apenas o governo tem o poder de iniciar
coerção. Você quer que haja uma única e
monopolística instituição dotada de plenos poderes para organizar a sociedade
da maneira que mais a apeteça, e depois fica surpreso quando ela passa a ser
dominada por forças antissociais e
anticoncorrenciais?
Se permitissem que as
regulamentações governamentais controlassem uma economia, aqueles que
instalarem as regulamentações podem ser responsabilizados caso as
regulamentações sejam muito intrusivas.
Peguemos novamente o exemplo dos
EUA. Existe um calhamaço chamado Code of Federal Regulations, que lista
todas as regras e regulamentações vigentes no país. A cada ano, esse registro federal acrescenta
mais de 70.000 páginas de detalhadas regulamentações federais. Pela lógica, se apenas uma dessas páginas
fosse eliminada, todos os americanos morreriam instantaneamente. Afinal, as regulamentações foram criadas para
mantê-los a salvo! De acordo com Che,
nenhuma dessas regulamentações pode ser considerada "muito intrusiva" - pois se
fosse, certamente ela já teria sido revogada!
Isso me lembra de uma aluna que tive
certa vez e que, ao descobrir que o Job
Corps [programa de treinamento
vocacional e educacional administrado pelo governo americano] era um
completo e absoluto fracasso sob todos os parâmetros imagináveis, inocentemente
perguntou por que ele não havia sido revogado.
Eu não culpo a aluna - com essa pergunta ela estava começando a
descobrir as coisas pela primeira vez.
Já Che gerencia um blog sem jamais fazer uma única pergunta atípica.
No mundo de Che, toda a literatura
sobre a "captura" de agências reguladoras, que descreve como as indústrias e as
grandes empresas influenciam as regulamentações para benefício próprio, não
existe. A regulação está ali unicamente
para o bem público.
Na caricatura típica, se você defende o
livre mercado, então você defende a poluição e várias outras formas de invasão
de propriedade. Mas a realidade,
obviamente, é oposta. Alguém que
acredita no livre mercado se opõe a essas coisas porque elas danificam a
propriedade alheia sem o consentimento de seus donos. Isso não significa que a única solução é a
"regulamentação". Eis um
aqui uma maneira genuinamente pró-livre mercado de se pensar nessas questões.
Che também pode estar se referindo às
regulamentações dos mercados financeiro e bancário, as quais são bastante
rígidas, não obstante toda aquela conversa sobre "desregulamentação". A desregulamentação é quase sempre falsa,
como quando as instituições financeiras são autorizadas a fazer apostas
arriscadas ao mesmo tempo em que o governo segue garantindo seus depósitos.
Reclamações sobre falta de
regulamentação também são irrelevantes.
Se você tem um castelo de cartas desmoronando, você não precisa de cola
ou fita adesiva - o equivalente a "mais regulação". Você precisa é de uma casa nova, construída
sobre fundações solidas. Em outras
palavras, você precisa de um sistema monetário rígido que não possa ser
manipulado por governos ou por seus bancos centrais. Essa opção não existe no mundo de Che, já que
em seu mundo o sistema existente já é um de livre mercado.
Ademais, os atuais reguladores não
viram nada de errado com a maneira como o modelo de securitização estava
funcionando. E, com efeito, várias
instituições financeiras estavam de acordo com as várias exigências de capital
propostas pelos padrões regulatórios internacionais. O próprio sistema regulatório deu aos bancos
incentivos para praticar a securitização de empréstimos, elevando os riscos
inerentes a essa prática. Seria a
solução acrescentar mais reguladores? Ou
será que há algo de errado com o próprio sistema - um sistema em guerra com o
livre mercado, um sistema que gera a extrema alavancagem e a enorme
instabilidade que periodicamente observamos?
Outra questão óbvia e rotineiramente
negligenciada nesse contexto é: por que um regulador sem nenhuma participação
financeira em uma empresa saberia melhor como satisfazer a demanda dos
consumidores do que um legítimo proprietário empreendedor cuja riqueza depende
de seus acertos? Quão supersticioso você
precisa ser para acreditar nisso?
Entretanto, comentaristas ignorantes
que clamam por mais regulação atribuem poderes mágicos a pessoas que, no mundo
real, são indignas desses encarecimentos.
Como Robert Higgs explicou,
"Tivessem eles sido agraciados com maiores poderes, orçamentos e equipes, qual
feitiçaria iria transformar os reguladores em defensores obstinados e sagazes
do interesse público, ao invés dos parasitas servis e protetores das empresas
reguladas que eles sempre foram?"
Quantos formandos de faculdades de
administração ou de outras áreas ambicionam se tornar reguladores? Vamos colocar as coisas de forma generosa e
apenas observar que são os mais lentos que acabam indo para as agências
reguladoras, e são os mais brilhantes que acabam se tornando empreendedores de
sucesso. É de se esperar que um sujeito
que se formou na posição #505 de uma turma com 508 pessoas tenha seus cadarços
amarrados por um sujeito que se formou em #12?
Por último, o livre mercado não injeta
dinheiro e derruba as taxas de juros a níveis que promovem bolhas
insustentáveis. Sem um Fed, não teria
havido uma bolha imobiliária. E sem essa
bolha, não haveria o atual colapso. O
livre mercado pune os tomadores de risco imprudentes, ao passo que o governo os
socorre (algo que, por sua vez, os encoraja a assumir riscos maiores no
futuro). Foi do Fed, e não do livre
mercado, que emergiu a "Doutrina Greenspan" - a promessa implícita de sempre
socorrer os grandes players de Wall Street.
O Financial Times alertou que
essas garantias estavam estimulando investimentos perigosamente arriscados.
O livre mercado não proporciona tais
garantias, o que consequentemente cultiva uma classe mais
cuidadosa e sensata
de empreendedores. Será que há alguma
lição aqui?
Responsabilizar o governo por suas ações chama-se Democracia.
Responsabilizar um presidente de empresa por suas ações chama-se
impossível.
Difícil algum outro raciocínio superar
esse em termos de comicidade involuntária.
Che absorveu toda a propaganda que lhe foi infundida na escola sem um
pingo de pensamento independente. Nossos
sábios servidores públicos estão genuinamente preocupados com o bem comum, e
qualquer coisa que eles porventura venham a fazer contra os interesses do povo
são aberrações desafortunadas - uma mera "corrupção" que pode ser punida na
próxima eleição. Afinal, o nosso sistema
político democrático mantém o governo subordinado ao povo!
O Banco Central, que desfruta de um
monopólio dado pelo governo sobre a criação de papel-moeda de curso forçado, criou
as condições que geraram a atual crise econômica. (Apresentei alguns dos contornos teóricos aqui). Alguém
foi "responsabilizado" por isso? Aliás,
quem no governo americano foi responsabilizado por qualquer coisa relacionada à crise financeira?
Você está nos dizendo que os pacotes de
socorro do governo foram um exemplo de virtuoso espírito público ao invés de um
explícito "presentinho" dado para os amigos e aliados do regime? Os socorros, na realidade, foram um exemplo
de intervenção estatal com o intuito de impedir que o livre mercado
responsabilizasse e punisse os executivos incautos.
Quer manter um executivo ou presidente
de empresa subordinado a você? Pare de
comprar seus produtos. Agora me diga:
como eu paro de comprar os "produtos" do governo? Ah, sim, eu havia me esquecido, eu não os compro - o dinheiro para
financiá-los é confiscado de mim.
Existe um mercado para o controle das corporações,
diga-se de passagem. Porém, as mesmas
pessoas que reclamam ruidosamente sobre executivos subordinados a nada e a
ninguém, tendem a ser as que mais se opõem e mais criam barreiras contra as aquisições
corporativas. Aqui, mais uma vez, temos
o governo impedindo o mercado de fazer suas tentativas de corrigir as más
alocações de recursos.
Agora, você pode dizer que estou sendo
muito duro com Che. O pobre garoto está
apenas repetindo o que aprendeu no ensino fundamental. Como posso culpá-lo? É esse tipo de propaganda que ensinam às
crianças, e não podemos criticar Che por estar simplesmente repetindo tudo
aquilo que seu professor falou.
Eu o culpo apenas por ser tão
incorrigivelmente apático e desinteressado.
Os garotos mais perspicazes são capazes de perceber que estão sendo
alimentados pelo tipo mais grosseiro e óbvio de propaganda, a qual é
esquematizada para torná-los pequenos servos obedientes a seus senhores
supremos, que alegam estar protegendo-os daqueles maléficos exploradores sobre
os quais eles lêem em seus livros-texto.
Os garotos perspicazes vão em busca da verdade e descobrem que os reais
exploradores são os próprios senhores supremos, parasitas da economia
produtiva, e que vivem dos frutos do trabalho alheio ao mesmo tempo em que dizem
que os resultantes malefícios sociais são culpa dos vários espantalhos que as
crianças foram ensinadas a odiar.
Os garotos mais lentos, em contraste,
apenas se limitam a memorizar toda a logorréia vomitada por seus professores, a
transcrever roboticamente tudo em suas provas e a repetir monotonamente todas
essas parvoíces pelo resto de suas vidas.
_________________________________________________
[1] A precificação dos
fatores no mercado, inclusive de fatores originais como mão-de-obra, ocorre por
meio de imputação reversa: da valoração que os consumidores fazem do produto
final. A teoria da produção é coberta
por Murray Rothbard em Man,
Economy, and State: A Treatise on Economic Principles (Auburn, Ala.:
Ludwig von Mises Institute, 1993 [1962]), caps. 5-9. Os vários mitos sobre a desigualdade do poder
de barganha da mão-de-obra e sobre a importância dos sindicatos para o
bem-estar material dos trabalhadores são discutidos em meu livro The
Church and the Market (Lanham, Md.: Lexington, 2005), pp. 73-78.
[2] Michael Cox and
Richard Alm, Myths of Rich and Poor (New York: Basic Books, 1999), p.
43.