segunda-feira, 17 ago 2009
Nota do IMB: o artigo a seguir faz parte do concurso de artigos promovidos pelo Instituto Mises Brasil (leia mais aqui).
As opiniões contidas nele não necessariamente representam as visões do
Instituto e são de inteira responsabilidade de seu autor.
Através da perspectiva econômica,
em quais conclusões se pode chegar a respeito do impacto da criminalização do
consumo e comércio de drogas sobre o usuário e a sociedade como um todo? Esta
proibição é permissível do ponto de vista ético-normativo? Este artigo tentará
dar uma resposta breve a estas perguntas.
Este
é um assunto de especial interesse para boa parte das pessoas neste país, um
assunto que recentemente tem sido debatido nas esferas política e social,
principalmente em relação aos problemas diretamente ligados às organizações
criminosas dedicadas à produção e comércio de substâncias ilegais. Além do
crime organizado estar frequentemente associado aos distúrbios à ordem social,
o combate a estas organizações é um dos grandes destinatários da verba pública
destinada à segurança e execução da justiça. Por este motivo, é a partir deste
aspecto que a questão será inicialmente abordada. Será oferecida uma análise
praxeológica e, portanto, livre de juízo de valor, do mercado de drogas.
Antes, se faz
necessária uma pequena exposição a respeito de um conceito extremamente simples
e, no entanto, essencial à análise econômica: a idéia de incentivos econômicos,
fortemente fundamentada no axioma da ação. Segundo as leis da ação humana,
indivíduos agem a partir de incentivos econômicos. Mas o que são tais
incentivos? Toda ação humana compreende necessariamente um juízo de valor, o
agente tem como fim alcançar um estado de coisas que lhe pareça mais valioso
que o anterior, segundo o seu próprio julgamento. Por isto toda ação humana
pode ser analisada através da ótica da cataláxia, toda ação envolve uma troca.
Ainda que o indivíduo não esteja trocando bens e serviços com outros agentes, a
partir do momento em que ele age, ele troca um estado de coisas por outro que
considere melhor, de acordo com seu julgamento ex ante.
Dado que
exista uma demanda reconhecida por um determinado bem, existirá o incentivo
econômico para que este bem seja ofertado. E a demanda por substâncias que alterem
ou induzam estados de consciência, por exemplo, para fins recreativos, é
largamente reconhecida. Se existe um mercado para drogas, é porque aqueles que
se engajam nesta atividade enxergam incentivos nos lucros que podem ser obtidos
a partir deste negócio. Quer dizer que o valor dado pelos produtores e
comerciantes de drogas a sua própria atividade lhes é maior que o custo
subjetivo envolvido na mesma. Será explicado como este custo é alterado através
da criminalização desta atividade, e sobre como isto, necessariamente
influencia para quais tipos de agentes este negócio é economicamente vantajoso.
Ora,
a criminalização obviamente aumenta de forma considerável os custos envolvidos
no negócio da droga, a partir do momento em que os produtores e comerciantes
precisam driblar os empecilhos criados pelo aparato governamental de repressão.
O próprio ato de empreender neste campo significa ir contra as leis vigentes, o
que significa que, aqueles indivíduos para os quais o custo de ser repreendido
pela justiça é impagável por quaisquer que sejam os lucros, são naturalmente
colocados de fora deste mercado. De outra forma, com a criminalização da
produção e comércio de drogas é mais provável que os agentes que enxerguem
incentivos para este negócio sejam aqueles dispostos a quebrar leis, incluindo aquelas
que proíbem cometer crimes violentos. Além disto, por estar fora da lei, o
mercado de drogas precisa se armar para garantir o cumprimento de seus
contratos e acordos comerciais, além do provimento da sua própria defesa. Aí
estão as causas por trás da gênese da máfia, da quadrilha organizada
militarmente. Conclui-se com isto que a criminalização gera incentivos para que
o mercado de drogas se organize violentamente, sendo este crime organizado um
dos grandes males atuais em nosso país. Obviamente que esta não é uma resposta
definitiva para o defensor da criminalização. Ele poderia naturalmente
concordar que o crime organizado é um resultado da própria criminalização de um
negócio rentável, mas que o combate a este crime é necessário. Em outras
palavras, para o defensor da criminalização o custo de descriminalizar as
drogas é maior do que aquele envolvido em combater a máfia. Nossa análise pode
prosseguir por esta diferente perspectiva do problema.
Já
foi visto que um dos resultados esperados seria uma diminuição das quadrilhas
violentas, do crime organizado. A partir da mudança na legislação; i) a
produção e comércio de drogas seria um negócio mais atrativo para agente para
os quais o respeito à lei é valioso, ii) a possibilidade de recorrer à justiça
e ao aparato de execução de lei (polícias, sistema presidiário etc.) faria com
que houvesse menos incentivo para a organização violenta e armada do tráfico. A
luz destas conclusões, quais seriam os problemas relacionados a uma possível
descriminalização do mercado de drogas que a tornariam indesejável?
Um
dos receios geralmente demonstrados é o de que, com a descriminalização, os
efeitos nocivos relacionados ao uso destas substâncias proibidas saíssem do
controle. Esta é uma visão que não se sustenta a partir de argumentos
econômicos. Como foi visto, a criminalização aumenta os custos envolvidos em
todas as etapas do mercado de narcóticos. Estes custos adicionais são
refletidos nos preços das drogas, aumentando os mesmos em relação aos preços
que se observariam num cenário livre de restrições (assumindo-se que a demanda
não fosse drasticamente diferente nos dois cenários). Qual o efeito de preços
mais altos sobre o usuário? Para começar, é possível argumentar que isto gera
incentivos para o uso de drogas mais baratas e com propriedades mais fortes (e
geralmente mais nocivas), já que do ponto de vista do usuário dependente
químico, é mais vantajoso procurar o maior "benefício" pelo menor preço. Somando-se
a isto, a diminuição de preços alcançada com a descriminalização diminuiria os
crimes cometidos por dependentes químicos sem condições de sustentar seu vício.
Ou seja, o fim da proibição tenderia a diminuir não apenas o crime organizado
como crime isolado cometido para financiar o consumo de narcóticos, bem como
diminuiria os incentivos econômicos que tornam atrativas as drogas mais "sujas"
(mais pesadas e baratas, como o crack).
Ou seja, a criminalização acaba sendo a criadora de incentivos
contraproducentes com os seus próprios objetivos.
Outro
argumento que se tenta levantar contra o mercado de drogas é que o que se
deseja evitar é a imoralidade representada pela produção, comércio e consumo de
drogas. O argumento central que desafia esta noção, e neste ponto a discussão
já se distancia da análise econômica até então empregada, é que a
criminalização não torna as pessoas mais morais. Para que uma ação possa ser
considerada como moralmente defensável, é necessário que o agente moral intente
agir daquela forma. Colocando de uma forma mais explícita, é necessário que ele
enxergue a virtude em agir da maneira correta. Se o ato de consumir, produzir
ou comercializar drogas é considerado imoral, por quaisquer que sejam os
motivos, a proibição não melhora a situação, a partir do ponto em quem nenhuma
lição moral é passada. Delegar escolhas morais para outras pessoas é uma
maneira de contornar o problema sem apresentar realmente uma solução para ele.
Alguém
poderia afirmar que este é um argumento que poderia ser usado em favor da
descriminalização de todos os crimes. Acredita-se que não, já que alguns crimes
representam desobediência de imperativos morais categóricos. Segundo a tradição
de direitos naturais, ações humanas não permissíveis são aquelas que
representem violência contra pessoa e propriedade alheia. Ora, considerando que
a mera produção, comércio e consumo de narcóticos não é agressão a pessoa ou
propriedade, conclui-se que estas sejam atividades deontologicamente
permissíveis. Em outras palavras, esta é uma escolha que deve ser tomada na
esfera individual, não sendo permitido o uso da força para impor uma decisão
sobre um indivíduo livre.
Aceitando
a idéia de direitos naturais, é possível colocar a questão sobre bases éticas
ainda mais fortes. Criminalizar a produção ou comércio de drogas é injusto.
Seres humanos enquanto agentes
racionais devem ser livres para escolher o que fazer com seus próprios corpos,
desde que não agridam outras pessoas. Fazer uso recreativo de narcóticos não é
em si agressão a ninguém; legislar sobre isto é escolher o que o indivíduo deve
fazer com o próprio corpo, uma violação da sua liberdade natural. O uso da
força para proibir e punir o consumo/comércio é ilegítimo do ponto de vista
ético.
Até
agora foram colocados argumentos tanto econômicos quanto éticos contra a
proibição legal do mercado de drogas. Ainda se poderia fazer uma análise
social, cujo esboço será indicado aqui, para indicar outros efeitos negativos
desta proibição. Para começar poderiam ser levados em conta os efeitos
colaterais desta proibição que recaem sobre uma grande parte da população, tal
como a violência em que são mergulhados os moradores em regiões em poder do
tráfico (predominantemente comunidades pobres). Tais regiões costumam ser
colocadas no epicentro da guerra entre a polícia (que costuma notadamente
apresentar um comportamento abusivo e agressivo, incentivado por políticas
públicas que se contentam em conter a qualquer custo as quadrilhas nos limites
destas regiões) e o crime organizado. Além disto, poderia ser questionada a arbitrariedade
da proibição de algumas substâncias, em detrimento do status legal de
outras. Todos os argumentos que se
poderiam levantar pela criminalização das drogas que são proibidas (seja da
produção, do comércio, do consumo ou da posse) poderiam ser colocados contra o
álcool e tabaco, por exemplo. São substâncias tão ou mais perigosas que outras
drogas proibidas.
Em resumo,
este artigo tenta dar uma resposta para o problema da proibição das drogas. As
conclusões a que ele chega são que a proibição não representa uma solução para
os problemas que motivam a sua existência e que ela é uma injustiça em si. Umas das críticas que
poderiam ser levantadas contra um dos argumentos centrais do artigo é uma
refutação da suposição de que a demanda por drogas num cenário de
descriminalização não seria significativamente maior. Entre as contribuições
que poderiam ser dadas estão sugestões sobre quais seriam as melhores formas de
colocar em prática a transição de um cenário de proibição para um de
descriminalização.
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Leia também o artigo de Lew Rockwell sobre o mesmo tema:
Drogas, adultério e a guerra
sem fim