Esse site usa cookies e dados pessoais de acordo com os nossos Termos de Uso e Política de Privacidade e, ao continuar navegando neste site, você concorda com suas condições.

< Artigos

Economia

A moeda não é neutra, e o aumento de sua quantidade é o grande gerador da desigualdade

Como o estado e sua política monetária causam as divisões sociais

21/12/2021

A moeda não é neutra, e o aumento de sua quantidade é o grande gerador da desigualdade

Como o estado e sua política monetária causam as divisões sociais

É importante ressaltar que o fenômeno da desigualdade sempre será natural e inevitável em uma sociedade livre.  

Sempre haverá indivíduos que conseguem gerar muito valor para seus empregadores e sempre haverá indivíduos que geram pouco valor para seus empregadores. E também sempre haverá aqueles que simplesmente não conseguem gerar nenhum valor.

Um executivo bem-sucedido gera muito valor para seus empregadores. Logo, sua remuneração tende a ser alta.  Jogadores de futebol e estrelas da música e do cinema também geram muito valor para seus empregadores (e o que você pensa em particular dessas profissões não interessa ao resto da população, que voluntariamente consome os produtos dessas pessoas), e por isso suas remunerações também são altas. 

Já empregadas domésticas e faxineiras não só não geram tanto valor para seus empregadores (sua função principal é poupar-lhes dos afazeres domésticos), como também atendem a um número extremamente restrito de clientes. Por isso, sua remuneração é menor. 

Não é com esse tipo de desigualdade que devemos nos preocupar, pois ela ocorre de maneira natural e ética. Ninguém está roubando ninguém.

A abordagem, portanto, tem de ser outra. Temos de investigar aquela desigualdade gerada artificialmente por alguma intervenção do estado. Uma coisa é a desigualdade gerada exclusivamente pelo mercado, que premia quem cria valor e pune quem não cria. Outra coisa, totalmente distinta, é a desigualdade gerada pelo estado.

Consequentemente, o ponto de partida para qualquer discussão séria sobre a questão das desigualdades sociais tem necessariamente de começar pela questão do poder de compra de cada indivíduo. 

Logo, e mais especificamente, tem de começar pela questão da moeda.

A não-neutralidade da moeda

Quando a quantidade de moeda na economia é aumentada, esta maior oferta de moeda — tudo o mais constante — faz com que o preço desta moeda (seu poder de compra) caia.

Mudanças na oferta e na demanda de moeda — tudo o mais constante — fazem com que todos os preços e salários subam ou caiam. O poder de compra da unidade monetária é alterado.

Ainda mais importante: as relações entre os preços de cada mercadoria também são alteradas.

Mudanças no poder de compra da moeda nunca ocorrem simultaneamente em todo o mercado. Os preços da mercadorias e dos serviços nunca são afetados igualmente.

O poder de compra da unidade monetária, ao ser alterado, faz com que as relações entre os preços de cada mercadoria não permaneçam constantes entre si.  

E isso faz toda a diferença.

A desigualdade criada pelo estado e pela não-neutralidade da moeda

No atual sistema monetário e bancário, o dinheiro é criado monopolisticamente pelo Banco Central e é em seguida entregue ao sistema bancário. O sistema bancário, por sua vez, por meio da prática das reservas fracionárias, se encarrega de multiplicar este dinheiro (eletronicamente) por meio da expansão do crédito

Falando mais diretamente, o dinheiro criado pelo Banco Central é multiplicado pelo sistema bancário e entra na economia sempre que uma pessoa, uma empresa ou o próprio governo recorre ao sistema bancário para pedir empréstimos.  

Ou seja, o dinheiro entra na economia por meio do endividamento de pessoas, empresas e governos.

Isso gera um aumento da quantidade de dinheiro na economia

Só que, obviamente, este aumento da oferta monetária não acontece de forma uniforme e homogênea. A quantidade de dinheiro não aumenta para todos, na mesma proporção. 

O mecanismo de distribuição

O dinheiro sempre entra, primeiramente, na conta bancária de alguém. Esta pessoa agora possui mais dinheiro. E, dado que os preços dos bens e serviços ainda não se alteraram, ela agora possui um poder de compra mais alto.

Vale repetir: a quantia adicional de dinheiro que entra na economia não vai parar diretamente nos bolsos de todos os indivíduos: sempre haverá aqueles que estão recebendo esse dinheiro antes de todo o resto da população. 

As pessoas que primeiro receberem esse novo dinheiro estão agora em posição privilegiada: elas podem gastar esse dinheiro comprando bens e serviços a preços ainda inalterados. 

Se a quantidade de dinheiro em seu poder aumentou e os preços ainda não se alteraram, então obviamente sua renda aumentou. Essas são as pessoas que ganham com a inflação monetária.

No entanto, à medida que esse dinheiro é gasto e vai perpassando todo o sistema econômico, os preços vão aumentando (afinal, há mais dinheiro na economia). E é aí que começa a haver uma discrepância: os preços vão subindo, mas este novo dinheiro ainda não chegou às mãos de todas as pessoas que compõem a economia. 

Estas últimas são as pessoas que perdem com a inflação.

Somente após esse novo dinheiro ter perpassado toda a economia — fazendo com que os preços em geral tenham subido — é que ele vai chegar àqueles que estão em último na hierarquia social. 

Assim, quando a renda nominal desse grupo subir, os preços há muito já terão subido. 

Logo, houve uma redistribuição de renda: aqueles que receberam primeiro esse novo dinheiro obtiveram ganhos reais. Com uma renda nominal maior, eles puderam comprar bens e serviços a preços ainda inalterados.  

Já aqueles que receberam esse novo dinheiro por último tiveram perdas reais. Adquiriram bens e serviços a preços maiores antes de sua renda ter aumentado. 

Houve uma redistribuição de renda do mais pobre para o mais rico.

Ganhadores e perdedores

Essa expansão da oferta monetária orquestrada pelo Banco Central e pelo sistema bancário de reservas fracionárias (que opera sob proteção e regulação do Banco Central) é o que realmente pressiona a inflação de preços e, por conseguinte, gera um declínio na renda das pessoas em termos reais.

Quando os preços aumentam em decorrência de uma expansão da oferta monetária, os preços dos vários bens e serviços não aumentam com a mesma intensidade, e também não aumentam ao mesmo tempo.

Como consequência, a expansão do crédito cria ganhadores e perdedores. 

Os ganhadores são aqueles que podem utilizar em primeira mão o dinheiro recém-criado, pois, neste momento, os preços de todos os bens e serviços ainda estão inalterados. 

Em decorrência desses gastos possibilitados por esse dinheiro recém-criado, os preços e a renda nominal das pessoas vão gradualmente aumentando à medida que esse dinheiro vai perpassando toda a economia. 

Um grupo bastante beneficiado por uma expansão monetária é aquele que atua no mercado financeiro e imobiliário. O dinheiro recém-criado, se direcionado para a compra de ativos, como ações e imóveis, irá beneficiar enormemente os participantes deste mercado.

Grandes investidores e especuladores em posse deste novo dinheiro adquirem a capacidade de investir mais em ativos tangíveis como ações, imóveis e metais preciosos.  

Quando os preços desses ativos aumentam em decorrência desta expansão da oferta monetária, os detentores destes ativos se beneficiam, uma vez que seus ativos ganham valor.  Logo, os detentores destes ativos se tornam mais ricos ao passo que as pessoas que detêm poucos ativos ou nenhum ativo irão, respectivamente, ganhar menos ou absolutamente nada com estes aumentos de preços. 

Outros grupos beneficiado são os fornecedores de bens e serviços para o governo: empreiteiras que fazem obras públicas, grandes farmacêuticas que vendem remédios para hospitais públicos, e todas as empresas que fornecem materiais para qualquer repartição do governo são os maiores beneficiados quando o governo se endivida para pagar por seus bens e serviços.

O mesmo vale para todos os empresários agraciados por subsídios estatais.

Finalmente, incorporadas beneficiadas por programas de crédito imobiliário também estão entre os mais explícitos ganhadores.

Já os perdedores desse processo serão aqueles que somente receberão esse dinheiro muito tempo depois de ele ter sido criado e já ter sido gasto pelos seus primeiros usuários.  E

ssas pessoas que recebem esse dinheiro por último, embora tenham agora uma renda monetária maior em termos nominais, tiveram de arcar com preços maiores antes de receberem esse novo dinheiro. Todos os preços da economia já haviam subido antes de esse novo dinheiro chegar a elas.

Assalariados da iniciativa privada que atuam no setor de serviços (os que não são beneficiados por compras governamentais ou por repasses estais), aposentados, pensionistas e quaisquer outros assalariados que não têm reajuste — estes são os grandes perdedores.

E, obviamente, há aquele grupo de pessoas a quem esse novo dinheiro nem sequer chega, como os desempregados e os sem-renda.

Objeções

No entanto, alguns economistas não concordam com isso. 

O argumento deles é o seguinte: em nosso atual sistema monetário, o dinheiro é, como dito anteriormente, produzido na forma de crédito. O Banco Central e os bancos comerciais criam dinheiro ao criarem crédito, ou seja, ao fazerem empréstimos para pessoas, empresas e governos. 

Até aí, tudo certo.

Sendo assim, prosseguem eles, não faz diferença quem recebe esse novo dinheiro primeiro, pois esse beneficiário não estará mais rico do que antes. Afinal, esse novo dinheiro foi emprestado, e não dado. A riqueza bruta do beneficiário aumenta, é verdade, mas sua dívida também aumenta na mesma quantidade.  

Por exemplo, se João pega um empréstimo de $ 1 milhão para comprar um imóvel, sua riqueza líquida não aumentou nenhum centavo. Sua riqueza bruta de fato está maior — aumentou em $ 1 milhão —, mas suas dívidas também aumentaram exatamente no mesmo tanto.

Até aí, de novo, tudo certo.

No entanto, mesmo levando-se em conta a diferença entre riqueza líquida e riqueza bruta, a verdade é que faz sim uma grande diferença o fato de que João comprou o imóvel por meio da criação de dinheiro. E a diferença é que agora ele vive em um imóvel bom e elegante, o qual teria sido vendido para outra pessoa, a um preço menor, caso não tivesse havido essa criação de dinheiro. 

Mais ainda: caso a expansão de crédito continue, João poderá revender seu imóvel a um preço ainda maior, conseguindo assim um belo lucro.

João foi privilegiado pela criação de dinheiro.

Se analisarmos a questão em termos de financiamento de empresas, o impacto é ainda maior. 

Aqui, novamente, é verdade que a criação de dinheiro não necessariamente gera mudanças na riqueza líquida da empresa.  No entanto, a criação de dinheiro influencia o tipo de produto que agora entra no mercado. 

Um empréstimo para uma empresa que fabrica sapatos masculinos de couro permite que ela realize seus projetos.  Por causa desse empréstimo, a empresa agora obtém uma vantagem em relação àquela outra empresa que fabrica, digamos, bolsas femininas de couro. A empresa que fabrica sapatos masculinos de couro poderá agora, por causa do empréstimo, pagar salários mais altos para seus funcionários e preços maiores para seus fornecedores. Consequentemente, ela estará absorvendo mais mão-de-obra e recursos escassos, podendo assim inviabilizar as operações da empresa que fabrica bolsas femininas de couro. Esta terá de pagar preços maiores pelo couro e pela mão-de-obra, mas sem ter o dinheiro adicional para isso.

Consequentemente, a empresa que fabrica sapatos masculinos de couro irá se expandir. Já a empresa que fabrica bolsas femininas de couro irá se estagnar ou até mesmo encolher.

A oferta de sapatos masculinos de couro é melhorada. A oferta de bolsas femininas de couro é degradada.

Portanto, a conclusão anterior se mantém: a criação de dinheiro sempre afeta a distribuição de riqueza e de renda reais. O primeiro usuário do dinheiro recém-criado é o ganhador; o último, o perdedor.

Para concluir

A quantia adicional de dinheiro que entra na economia — via operação conjunta de Banco Central, sistema bancário e governo — não vai parar diretamente nos bolsos de todos os indivíduos. E dentre os beneficiados que recebem primeiramente essa nova quantia, nem todos recebem a mesma quantia e nem todos reagem da mesma forma à mesma quantia que recebem.  

Aqueles primeiros beneficiados têm agora um efetivo em caixa maior do que antes, o que os permite ofertar mais dinheiro no mercado em troca dos bens e serviços que desejam adquirir.

Essa quantia adicional de dinheiro que eles ofertam no mercado pressiona os preços e salários para cima. Mas não são todos os preços e salários que sobem; apenas os desses setores que primeiro receberam o novo dinheiro em troca de seus bens e serviços. E mesmo esses preços e salários que subiram, não sobem no mesmo grau. Se o dinheiro adicional for gasto com obras públicas, apenas os preços de algumas mercadorias e apenas os salários de alguns tipos de trabalho irão subir.

Leva-se tempo até que essa quantia adicional de dinheiro perpasse toda a economia. E, mesmo ao final do processo, os vários bens e serviços da economia não são afetados no mesmo grau. Esse processo de progressiva depreciação monetária alterou a renda e a riqueza dos diferentes grupos sociais.

Aqueles que estão vendendo mercadorias ou serviços cujos preços são os primeiros a subir poderão utilizar seus maiores proventos para adquirir o que quiserem a preços que ainda não se alteraram. Esses são os indivíduos que tiveram um ganho de riqueza. 

Já aqueles que são os últimos a receber esse novo dinheiro estarão vendendo mercadorias ou serviços a preços ainda inalterados. Esses indivíduos não obtiveram nenhum ganho de renda e agora terão de comprar as outras mercadorias e serviços a preços mais altos. Esses são os indivíduos que perderam riqueza.

Enquanto o processo de inflação se mantiver, estará havendo uma alteração contínua na renda e na riqueza dos indivíduos. Quando todas as alterações de preços em decorrência da inflação estiverem consumadas, pode-se dizer que ocorreu uma transferência de riqueza entre os grupos sociais. 

Há agora no sistema econômico uma nova dispersão de riqueza e renda.

Exatamente por tudo isso, a melhor política de redução da desigualdade social é ter uma moeda sólida.

________________________________

Leia também:

A tragédia da inflação brasileira - e se tivéssemos ouvido Mises?

Sobre o autor

Jörg Guido Hülsmann

É membro sênior do Mises Institute e autor de Mises: The Last Knight of Liberalism.

Comentários (57)

Deixe seu comentário

Há campos obrigatórios a serem preenchidos!