Economia
Um tiro no nosso pé: agora, o STF também faz política industrial
O empresariado nacional passou a ser economicamente protegido pela Suprema Corte
Um tiro no nosso pé: agora, o STF também faz política industrial
O empresariado nacional passou a ser economicamente protegido pela Suprema Corte
A decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal Luiz Edson Fachin de suspender a redução das tarifas de importação para revólveres e pistolas, redução esta que havia sido anunciada dias antes pelo governo federal, é simbólica de como o protecionismo — o favoritismo a empresários específicos— segue forte no Brasil.
Neste caso específico, o próprio Fachin fez questão de deixar cristalino que a suspensão da redução da tarifa de importação foi realmente para proteger a indústria nacional. Disse ele:
É inegável que, ao permitir a redução do custo de importação de pistolas e revólveres, o incentivo fiscal contribui para a composição dos preços das armas importadas e, por conseguinte, perda automática de competitividade da indústria nacional; o que afronta o mercado interno, considerado patrimônio nacional.
Ele foi tão explícito em seu corporativismo, que quase chega a ser respeitável em sua franqueza.
Mas, é claro, não parou por aí. Era inevitável que ele também ponderasse sobre a questão da segurança. Disse ele:
Incumbe ao Estado diminuir a necessidade de ter armas de fogo por meio de políticas de segurança pública que sejam promovidas por policiais comprometidos e treinados para proteger a vida e o Estado de Direito.
Está fora do escopo do presente artigo falar sobre a questão do armamento, mas vale ressaltar que o governo proibir o porte de armas é imoral, pois se trata de uma medida que clara e diretamente viola o direito do indivíduo à auto-defesa. O governo claramente não cumpre — e nem tem como cumprir, pois é fisicamente impossível — sua auto-declarada obrigação de garantir a segurança de todo e qualquer indivíduo em todo e qualquer canto do país.
Sendo assim, por definição, nós, na condição de indivíduos detentores do direito de defender nosso corpo e nossas posses contra agressores (estejam eles armados com armas de fogo, facas ou mesmo punhos cerrados), não podemos ter suprimido o nosso direito de portar armas (veja mais sobre isso aqui).
Dito isso, e voltando ao ponto, o argumento de Fachin também não se sustenta porque a redução da tarifa de importação de armas não afetaria em nada a legislação de armas no Brasil — o Estatuto do Desarmamento—, que coíbe o porte e limita em demasia a posse em residência.
Poucos cidadãos se qualificam, e menos ainda estão dispostos a enfrentar a imensa burocracia para completar o processo.
Portanto, não haveria mais cidadãos com armas em razão da redução da tarifa — pois isto depende de redução de burocracia.
Mas haveria o efeito da queda de preço e da melhoria de qualidade.
Pior ainda: o equívoco do ministro desgraçadamente encarece o aparelhamento das forças de segurança pública e militares, que permanecem obrigadas a pagar mais que o necessário por armas de baixa qualidade.
Ou seja, Fachin cai em contradição ao dizer que incumbe ao estado manter a segurança pública por meio de "policiais comprometidos e treinados para proteger a vida e o Estado de Direito", sendo que ele próprio apoia uma medida que encarece artificialmente o armamento a ser utilizado por esses policiais que exercerão a segurança pública e a proteção da vida e do estado de direito.
Ironicamente, até mesmo o STF é prejudicado pela decisão. Em setembro, adquiriu, por R$ 170 mil, pistolas da marca Glock, fabricadas na Áustria, para os agentes que protegem os ministros. Caso a redução da tarifa estivesse em vigor à época, a compra teria economizado preciosos recursos aos cofres públicos.
É de se imaginar que Fachin se preocupe com o bom direcionamento dos impostos dos cidadãos, certo?
Os amigos do rei
Este caso das tarifas de importação de armas é apenas mais um exemplo pontual de um problema antigo e premente no Brasil: somos uma economia extremamente fechada (empatamos com Argentina, Venezuela e Cuba), a qual proíbe o cidadão de importar produtos de qualidade e baratos, com o intuito de proteger o empresariado nacional.
Ludwig von Mises já havia entendido que, ao contrário do que se supõe, o protecionismo não acrescenta nada ao capital empregado na produção nacional, precondição para o crescimento de emprego e renda.
"As tarifas são meios de impedir a importação de capital e a industrialização do país. A única maneira de fomentar a industrialização é dispor de mais capital", escreveu ele em "As Seis Lições".
Na prática, o protecionismo serve apenas para garantir uma clientela cativa ao empresariado nacional. O encarecimento artificial dos produtos importados significa que os produtores nacionais estão agora livres e despreocupados para elevar seus preços e reduzir a qualidade de seus produtos. Como não há mais concorrência estrangeira a quem os consumidores nacionais possam recorrer, estes agora são obrigados a pagar mais caro por bens nacionais de qualidade mais baixa.
O empresariado nacional, por sua vez, alega que aceita discutir a redução de tarifas, mas apenas após o Congresso aprovar as medidas que reduzam o "custo Brasil", como a infraestrutura e logística deficientes, a burocracia tributária, e os custos excessivos que oneram a mão-de-obra.
A reclamação deles quanto a estes itens é compreensível, pois eles de fato oneram a produção e encarecem os bens finais, mas a solução apresentada — manter tarifas de importação altas — não faz nenhum sentido.
Na prática, eles estão dizendo que a maneira de corrigir custos artificialmente elevados pelo estado é impondo custos artificialmente elevados aos consumidores.
Se as indústrias nacionais estão sendo prejudicadas por políticas estatais, isso é algo que tem de ser resolvido junto ao governo, e não tolhendo os consumidores. Se os custos de produção no Brasil são altos e estão inviabilizando as indústrias, então isso é problema do Ministério da Economia, do Ministério da Infraestrutura, da Receita Federal e do Ministério do Trabalho. São eles os responsáveis por tributos, infraestrutura, regulamentações e burocracias.
Não faz sentido combater ineficiências criando novas ineficiências. Não faz sentido tolher os consumidores impondo tarifas de importação para compensar a existência de impostos, de burocracia, de infraestrutura ruim e de regulamentações. Este é o proverbial querer apagar o fogo com gasolina.
Aqui e lá fora
Com efeito, essa estratégia de obstaculização da abertura ao comércio exterior nos acompanha há décadas e se solidificou na reformulada Camex (Câmara de Comércio Exterior), que, na prática, funciona como uma câmara setorial do comércio exterior, mediando diversos interesses do empresariado nacional.
Os chilenos, desde 2003, tabelaram sua tarifa de importação em 6% para todos os produtos (veja o item 10). Esse valor é o teto: a tarifa média aplicada de fato está ao redor de 2% em razão dos tratados internacionais de comércio.
O Brasil, ao contrário, tem uma das maiores tarifas efetivas do mundo e é o segundo mais fechado entre 143 países, medido pelo comércio como proporção do PIB.
País aberto é país próspero. O Brasil tem no futuro próximo a oportunidade de reduzir a TEC do Mercosul e celebrar o acordo comercial com a União Europeia. Não pode sucumbir aos interesses setoriais.
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