Economia
Afinal, o que houve com Paulo Guedes?
Ele passou a defender uma 'CPMF de máscara', maior carga tributária e já virou o (im)posto Ipiranga
Afinal, o que houve com Paulo Guedes?
Ele passou a defender uma 'CPMF de máscara', maior carga tributária e já virou o (im)posto Ipiranga
Nota do Editor
Artigo originalmente publicado no dia 12/08/2020
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Phineas Gage era competente detonador de explosivos para as Estradas de Ferro Rutland & Burlington em Vermont. Porém, em 1848, teve sua cabeça atravessada por uma barra metálica de um metro de comprimento e seis quilos depois de acionar prematuramente o detonador.
Para a surpresa de todos, Gage sobreviveu ao rombo no cérebro.
Depois de alguns dias caminhava normalmente, utilizava as mãos com firmeza e não demonstrava dificuldades em comunicar-se.
Mas sofreu alterações em sua personalidade, e passou a falar coisas que surpreendiam àqueles que o conheciam. Morreu pouco mais de uma década depois, com poucos amigos.
Estará Paulo Guedes se tornando um Phineas Gage do planalto central? Serão o 'centrão' e o sistema a sua barra de ferro?
O homem que sustentou o discurso liberal da campanha de Jair Bolsonaro e angariou apoio popular às suas promessas de reformas, privatizações e enxugamento do estado deu lugar a outro Paulo Guedes com falas anormais: cúmplice de aumento de gastos, do centralismo fiscal e do aumento da arrecadação.
A reforma tributária em discussão é mais uma reforma perdulária, como as últimas duas, que aumentaram a carga em mais de 5% do PIB cada. A ideia é unificar vários impostos, inclusive estaduais e municipais, em uma só alíquota. A premissa é garantir arrecadação em proporção do PIB pelo menos igual à atual, e arrecadar o que for possível a mais para aumentar os gastos do governo.
Todos os operadores engajados na reforma atual — os secretários estaduais e municipais responsáveis pela arrecadação, a Receita, o Congresso, os representantes de setores que acreditam que podem se beneficiar e até mesmo os formuladores no Ministério da Economia e o próprio Paulo Guedes— são unânimes: "É preciso garantir que a arrecadação não caia".
Ao bom entendedor sobre a realpolitik, um aumento de arrecadação está sendo cozinhado.
Desconsola a atitude dos formuladores de políticas públicas que se recusam a endereçar primeiro as causas fundamentais dos problemas brasileiros: o tamanho do estado e a gestão irresponsável das contas públicas.
O gráfico a seguir mostra, na linha azul, a evolução das receitas tributárias líquidas do governo (deduzida das restituições e incentivos fiscais) e, na linha vermelha, a evolução das despesas. Detalhe: as despesas não incluem o pagamento do serviço da dívida (juros e amortizações).
Atenção: como se trata de uma média móvel de 12 meses, o valor na coluna da esquerda se refere a valores mensais. Na prática, um valor de R$ 100 bilhões significa que, em um período de 12 meses, este foi o valor médio arrecadado (ou despendido) pelo governo a cada mês. Para se ter uma ideia do valor anual, basta multiplicar o valor por 12 (meses).
Gráfico 1: na linha azul, a evolução das receitas tributárias líquidas do governo; na linha vermelha, a evolução das despesas primárias (que exclui gastos com a dívida). Média móvel 12 meses. (Fonte e gráfico: Banco Central)
O gráfico foi estranhamente descontinuado pelo Banco Central, de modo que o último dado disponível é de agosto de 2019. Portanto, e obviamente, ele ainda não capta os efeitos da pandemia de Covid-19. Ainda assim, ele mostra bem a nossa doença: os gastos sobem de acordo com as receitas.
Trata-se da famosa Lei de Parkinson, que diz que, sempre que o governo eleva impostos, ele eleva seus gastos correntes. Os gastos do governo sempre sobem junto com o aumento das receitas. Isso é uma empiria observada no Brasil e no mundo.
Apenas a folha de salários de funcionários públicos, suas aposentadorias e o INSS representam 85% da arrecadação total de impostos. Essas rubricas engolirão todo o resto —educação, saúde, saneamento— se não forem imediatamente reformadas.
Contadores garantem que a proposta de reforma irá afetar a atual força motriz da economia: o setor de serviços, o micro e pequeno empreendedor responsável por mais de 50% do emprego em empresas.
Inicialmente, falou-se eliminar as vantagens do Simples. Agora, houve um recuo e o governo garante que o Simples não será alterado.
Adicionalmente, com o ICMS (estadual) e o ISS (municipal) sendo unificados em um tributo federal (e isso é exigência dos governadores), não mais haverá como estados e municípios competirem entre si pela atração de investimentos por meio de incentivos tributários. Trata-se da tão sonhada e nefasta "harmonização tributária".
Ambas prejudicam o pequeno: o empreendedor, o município. Quando há regra única determinada de cima para baixo, ganha o influente, o próximo ao poder, o que tem tamanho e estrutura.
O economista treinado sabe que há enorme diferença entre a incidência legal e a econômica: quem paga o Darf não é quem sofre a perda. A análise econômica da contribuição patronal sobre a folha é reveladora: o empresário paga o Darf, mas o empregado é quem recebe menor salário em igual montante. O IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) de Bernard Appy e o CBS (Contribuição de Bens e Serviços) de Guedes são economicamente equivalentes ao Imposto de Renda, pois são impostos sobre as rendas do assalariado e do empreendedor.
Se for para prejudicar o pequeno empreendedor e município, para aumentar a carga tributária, e para criar novos impostos sem entender quem sofre economicamente, ou seja, fazer uma reforma no chute, seria melhor se concentrar na reforma administrativa.
Frustrações em série
É frustrante que Paulo Guedes, que participou comigo da fundação do Instituto Millenium, no longínquo ano de 2005, esteja confortável com premissas nada liberais. Ele sabe, sempre soube, que a causa fundamental do desajuste fiscal é a mesma da pobreza do país: um estado grande e gastador.
Mas em vez de sugerir uma micro-reforma desburocratizante, defende a CBS, que nada mais é do que uma 'CPMF de máscara' e lidera esse enorme aumento de impostos sobre o setor de serviços e da carga tributária em mais de R$ 50 bilhões com sua CBS de 12%. Já virou meme: é o (im)posto Ipiranga.
Guedes não conseguiu emplacar a reforma da Previdência de que gostaria. A matemática atuarial demonstra que a sobrevida da pirâmide da Previdência se estendeu por mais alguns poucos anos, seguindo com contas cada vez piores, até o inevitável colapso.
Até agora, não houve nada sobre a prometida abertura comercial, talvez a mais importante reforma micro-econômica. O país continua fechado.
Ademais, ele tem sido bloqueado pelo nosso "deep state" na reforma administrativa, a mais urgente. Continuamos a gastar vergonhosos (e crescentes) 85% da arrecadação federal com salários de funcionários públicos e aposentadorias, em detrimento de educação, saúde, segurança, saneamento, ambiente.
Reconheço os avanços da Lei de Liberdade Econômica — de longe, a melhor coisa feita pelo governo — e entendo as dificuldades de Guedes na árdua missão de diminuir o estado brasileiro. Mesmo dentro de seu ministério, ele enfrenta a máquina egressa de administrações anteriores (o famoso "estamento burocrático"), que sabota importantes mudanças. Mas não entendo a postura resignada.
Ao encarar as enormes dificuldades em construir politicamente a reforma do estado, optou por capitular e aceitar o velho Brasil: aumento de arrecadação e de gastos.
Agindo assim, Paulo Guedes tem se comportado como um "liberal em desconstrução". Para voltar às origens, deveria simplificar o sistema com uma mini-reforma sem aumento de arrecadação, submeter a reforma administrativa, privatizar, e fazer a abertura comercial. Para esta plataforma, terá o apoio dos liberais.
Qualquer coisa além disso significa justificar a gastança que assola o Brasil há tantas décadas. Não é para isso que este governo foi eleito.
No século XVII, uma época de políticos mais francos, Jean-Baptiste Colbert, o ministro da economia do rei Luís XIV, afirmava que "a arte da tributação é a arte de depenar o ganso, obtendo o máximo de penas com o mínimo de grasnidos". Os artistas já estão trabalhando. É hora de o brasileiro grasnar.
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