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Economia

Nossos juros reais estão menores que os da Suíça. E o Banco Central virou "trader"

Adivinhe quem sai perdendo com essa captura regulatória

26/06/2020

Nossos juros reais estão menores que os da Suíça. E o Banco Central virou "trader"

Adivinhe quem sai perdendo com essa captura regulatória


"Independência do Banco Central funciona em raríssimos casos ao sul do Equador. Talvez Austrália e Nova Zelândia." – Alexandre Schwartsman.


No dia 17/06, oito pessoas se aglomeraram em uma sala no Banco Central de Brasília, anunciaram seus votos e inauguraram uma nova era: nunca antes na história deste país a taxa básica de juros esteve tão baixa

O Copom determinou que a taxa Selic agora é de 2,25% ao ano. Isso significa que os juros reais estimados para os próximos 12 meses não apenas estão negativos, como também estão menores que os da Suíça

Vale repetir: em termos exclusivamente de política monetária, já ultrapassamos a Suíça.

Apesar do marco histórico, esse corte da Selic era esperado pelo mercado. Até por isso, Paulo Guedes, Ministro da Economia, decidiu iniciar em maio uma turnê pelas principais instituições do sistema financeiro brasileiro. E, em uma live organizada pelo Itaú/Unibanco, comentou que o Banco Central iria chuveirar liquidez na economia inteira caso o país começasse a demonstrar indícios de depressão econômica.

Parece óbvio, mas, nestes curiosos tempos, vale a pena sublinhar o normal: o Banco Central está sofrendo captura regulatória do Ministério da Economia. O ministro da economia está abertamente estipulando o que uma autarquia controlada por outro ministro — o presidente do Banco Central tem status de ministro — irá fazer. 

Na prática, o Banco Central, que já não tinha independência, perdeu também a autonomia. 

Talvez a declaração soe um pouco injusta e dura demais. Afinal, para o Banco Central sofrer captura regulatória primeiro teríamos de ter uma autoridade monetária verdadeiramente independente do governo. E, nesse ponto, vale ressaltar que o próprio Paulo Guedes advogava pela independência do BCB em 2018 e 2019.

No entanto, ainda no fim de 2019, o Ministro da Economia esqueceu que o Real é uma moeda fiduciária de um país emergente e declarou que a cotação boa do dólar era acima de R$ 4,20. Depois, disse que não estava preocupado com a alta do dólar. E então, já em 2020, e aparentemente um tanto assustado com a rápida escalada da moeda americana, ele disse que o dólar apenas chegaria em R$ 5,00 se o governo fizesse muita besteira. Uma vez ultrapassada essa barreira, ele disse que o dólar acima de R$ 5 era bom para abater dívida pública.

Ora, se o Ministro da Economia declara que há possibilidade de sua moeda sofrer forte desvalorização, ele indiretamente está forçando o mercado a reavaliar sua moeda e realizar uma nova precificação.

Dito e feito. Em meados de maio, o dólar comercial alcançava sua máxima histórica: R$ 5,97. Teria o governo feito muita besteira? Ou teria o mercado financeiro percebido que o Banco Central não tinha mais autonomia, e que o Ministro da Economia, que sempre defendeu moeda fraca, era quem de fato comandava o Banco Central?

A independência do Banco Central

Pauta historicamente liberal, a independência do Banco Central é uma ferramenta que busca blindar a moeda fiduciária, espinha dorsal de qualquer economia, da política, essencialmente conjuntural e efêmera. 

A ideia, nascida na Alemanha, país que experimentou os riscos políticos e econômicos de uma hiperinflação em seu passado, surgiu em 1951 inicialmente com o Deutsche Bundesbank.

Após o sucesso do modelo alemão, as décadas de 1960, 70 e 80 observaram, no mundo desenvolvido, diferentes níveis de adoção ao sistema de Banco Central independente. A ótica de uma autoridade monetária à parte do sistema político apenas seria desafiada com o surgimento do New Public Management neo-zelandês.

A ideia do Reserve Bank of New Zealand era simples: um regime de metas de inflação de preços seria estabelecido trienalmente por um comitê formado pelo Presidente do Banco Central e pelo Ministro das Finanças (Economia ou Fazenda, chame do que quiser). 

Eram os anos 1990: o grunge estava morto, éramos tetra campeões mundiais e utilizávamos a nossa mais nova nova nova moeda, o Real.

Livre da inflação, o Brasil de Fernando Henrique Cardoso decidiu entrar no consenso social-democrata de Tony Blair (Labour Party) e Bill Clinton (Democrats). Em um intervalo de oito anos, criaríamos dez agências reguladoras em um programa de "Reforma do Estado" capitaneado pelo ultra-keynesiano Luiz Carlos Bresser-Pereira.

No apagar das luzes da gestão de Gustavo Franco no Banco Central, Armínio Fraga decidiu apostar na estratégia de "ancorar as expectativas" e alterar completamente o regime cambial. Sua solução? O modelo de metas inflacionárias neo-zelandês

A ideia era bem-intencionada e pareada com os diversos bancos centrais que adotavam medidas parecidas na época, inclusive o próprio Deutsche Bundesbank.

No entanto, na América Latina e, especialmente no Brasil, políticas monetárias influenciam diretamente na taxa de câmbio e, consequentemente, não costumam ter um perfil de estabilização. Na verdade, o costume local indica: na primeira chance política, qualquer "presidente" populista pode e deve assumir os rumos da moeda

A captura do Banco Central

Foi ainda em outubro de 2019 que Paulo Guedes levantou a tese de que uma alta no preço do dólar teria uma consequência positiva na economia: bastava o Banco Central vender suas reservas da moeda norte-americana, repassar os lucros para o tesouro e, voilà!, todos os nossos problemas fiscais estariam resolvidos. (Algo bizarro, como explicado aqui).

Ato contínuo, tornou-se explícito para o mercado financeiro que o Banco Central queria um dólar caro exatamente para efetuar essa mágica. Quanto mais caro o dólar, maior o valor das reservas internacionais, maior seria o repasse do Banco Central para o Tesouro. 

E então, o mercado financeiro entregou o dólar que o BC queria.

No entanto, como é costume ao abrirmos caixas de pandora, nem sempre o que se quer é o que se tem. Novamente, a primeira incongruência a ser levantada é o fato de o Ministro da Economia, o mesmo que advogava em 2019 por um Banco Central independente, ser favorável a uma intervenção governamental na autoridade monetária.

O conceito basilar do New Public Management, que inaugurou a redemocratização no Brasil, é que ministérios do governo não podem intervir em autarquias regulatórias. Por isso se discute tanto sobre mandatos dessincronizados, modelos de governança pública e independência de atuação para as agências reguladoras. Tudo em vão na mão do capturador.

E não é necessário ir tão longe para entender como interesses escusos capturaram nossa autoridade monetária. 

Gustavo Franco, em seu livro A Moeda e a Lei, fala que o Banco Central Brasileiro apenas nasce como ente regulador na década de 1990. E, de lá pra cá, conseguimos contar ao menos três vezes em que o congresso nacional, em parceria com o executivo, interveio diretamente no funcionamento do Banco Central.

A primeira captura ocorre com a Lei Nº 10.179/2001, que, pela primeira vez, regulamenta a permuta de títulos entre o Tesouro Nacional e o Banco Central. 

A segunda captura se dá em meio à crise financeira de 2008, com a esdrúxula Lei Nº 11.803/2008, que confundia ativos do Banco Central com passivos da União e vice-e-versa. 

Já a terceira captura ocorreu no ano passado, com a Lei Nº 13.820/2019 (discutida aqui).

Apesar da legislação mais recente suprimir absurdos propostos em 2008, a nova lei inaugura, com mais clareza, a utilização de ativos do Banco Central para o abatimento da dívida pública da União

Isso fica claro quando o ex-secretário do Tesouro Nacional, Mansueto Almeida, falava em remessas de R$ 500 bilhões, advindas das Reservas Internacionais do Banco Central, para reduzir o peso do déficit orçamentário do governo, que deve chegar a R$ 600 bilhões em 2020.

Para completar a sopa de letrinhas de intervenções no Banco Central, Paulo Guedes, na fatídica reunião ministerial divulgada pela imprensa, explicava aos seus colegas que a expansão da carteira do BNDESPar, com aquisições de papéis das companhias aéreas brasileiras, se tornaria, no longo prazo, em uma operação lucrativa para a União.

E o que isso tem a ver com o Banco Central? Tudo. Não é o caso de agora, mas a inauguração do canal entre Tesouro Nacional e Banco Central pode se tornar em mais um instrumento de expansão monetária. Basta uma breve guinada heterodoxa — neste ou em qualquer futuro governo — para abrirmos novamente vislumbrados a caixa de pandora.

E isso sem mencionar também o fato de que qualquer operação do BNDES gera intervenções nos juros do mercado de crédito, o que obriga o Banco Central a reavaliar sua política monetária

Mas quem se importa? Até agora, o governo já gastou R$ 6 bilhões e, consequentemente, até os brasileiros que nunca entraram em um avião são sócios da Azul, Gol e Latam

Que fique a lição: na terra onde gasto é vida, é mais fácil acreditar no ET de Varginha do que em independência do Banco Central.

Como se proteger da política

Percorremos um longo caminho para entender a diferença entre deixar a política monetária nas mãos de um burocrata (Banco Central Independente) ou deixá-la nas mãos de um político (Banco Central Brasileiro). 

Enquanto um bom burocrata desvaloriza o seu patrimônio paulatinamente ao longo de sua vida, um bom político, típico de nossas republiquetas latino-americanas, costuma abrir a caixa de pandora, emitir moeda e fazer evaporar, magicamente, toda a poupança de sua família.

Como evitar isso? Se expor a outras moedas e a outros ativos reais. Se o Banco Central do seu país não tem atuação independente do governo eleito, o seu patrimônio também será dependente de mandos e desmandos políticos. Renda fixa? Ibovespa? Tudo exposto ao real. Educação financeira é o primeiro passo pra liberdade e, na era da informação, fazemos comparações justas.

Até o fechamento desta análise, e considerando os resultados a partir de 1º de janeiro, o real havia se desvalorizado em 26,5% frente ao dólar; 37,4% frente ao ouro; e 41,8% frente ao bitcoin em 2020.

Ou, colocando de outra forma, o dólar encareceu 36% em relação ao real. O ouro, 60%. E o bitcoin, 72%. 

Confira o gráfico. 

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Gráfico 1: encarecimento do ouro (linha amarela), do dólar (linha verde) e do bitcoin (linha preta) em 2020

Aos moradores da republiqueta tropical avessos às inovações tecnológicas, apresento o vosso futuro: em 2011, o CQC Argentina veio a São Paulo e fez uma simples pergunta aos transeuntes na Avenida Paulista: Qual é o preço da sua casa em dólar? Na época, custando R$1,75, não havia sentido pensar em seu patrimônio em outra moeda.

Quando a mesma pergunta foi realizada em Buenos Aires, não havia um argentino que não soubesse valorar sua casa na moeda norte-americana.

Hoje, após aquelas oito pessoas em Brasília decidirem sobre a taxa Selic e colocarem o Brasil com juros reais negativos e em um nível menor até mesmo que o da Suíça, o dólar fechou a R$ 5,46.

E aí eu pergunto: qual é o preço da sua casa em dólar?


Este artigo foi originalmente publicado no site blocktrends.com.br

Sobre o autor

Marcelo Campos

É colunista do site Blocktrends, pertencente à fintech QR Capital.

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