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Três fantásticas surpresas das vantagens comparativas

Por que a mesma faxineira e o mesmo engenheiro ganham bem mais nos EUA do que na América Latina

29/12/2021

Três fantásticas surpresas das vantagens comparativas

Por que a mesma faxineira e o mesmo engenheiro ganham bem mais nos EUA do que na América Latina

A vantagem comparativa é uma força crucial em qualquer economia. Com efeito, a sociedade humana está permeada de vantagens comparativas.

Quando cada indivíduo se especializa em efetuar aquela tarefa (ou aquele conjunto de tarefas) na qual ele possui uma vantagem comparativa em relação aos outros indivíduos -- e então transaciona os frutos do seu trabalho pelos bens e serviços produzidos por outros --, todos os que participam deste sistema de especialização e trocas saem mais ricos.

E, no entanto, a teoria das vantagens comparativas permanece amplamente desconhecida e, quando muito, mal interpretada e até mesmo adulterada.

É impossível ter um correto entendimento da economia sem se compreender a vantagem comparativa. Felizmente, obter essa compreensão não é muito difícil. E essa compreensão é repleta de surpresas interessantes.

Eis uma pequena cartilha.

O que interessa é o custo

Falando de maneira abstrata, a principal constatação trazida por uma correta compreensão do princípio das vantagens comparativas é esta: a capacidade técnica de um indivíduo em produzir um determinado produto é, por si só, irrelevante para determinar se ele deve produzir o produto por conta própria. É perfeitamente possível que seja mais vantajoso ele adquirir este produto produzindo outra coisa e então transacionar esta outra coisa pelo produto.

Suponha que você queira adquirir um deque para o seu quintal. E suponha também que você é um excelente marceneiro. Se você construir o deque por conta própria trabalhando em tempo integral neste serviço, você terminará o serviço em um mês.

Já o seu vizinho João, no entanto, se oferece para construir para você um deque de qualidade idêntica. No entanto, ele levará dois meses para completar o serviço. João não é um marceneiro tão bom quanto você.

Se habilidade técnica fosse o único determinante, então você deveria construir seu próprio deque em vez de pedir para João. Afinal, você é um melhor marceneiro.

Porém, a correta compreensão do princípio da vantagem comparativa revele que esta realidade é insuficiente para justificar economicamente você construir seu próprio deque. Construir seu próprio deque seria justificável apenas se o seu custo de fazê-lo fosse menor do que o custo de ter outra pessoa, como João, fazendo o serviço para você.

Como, no entanto, seria possível que João construísse o deque para você a um custo menor do que você próprio fazer o serviço? Afinal, de novo, você é um marceneiro mais capacitado do que ele.

Eis aqui uma surpresa revelada pela compreensão do princípio da vantagem comparativa: você ser um marceneiro mais habilidoso que João não nos diz nada sobre se você é, em termos econômicos, um construtor mais eficiente do seu deque do João.

O que interessa, economicamente, é o custo de você construir o seu deque em comparação ao custo de você pedir para João construir o deque para você.

Suponha que você é um médico no hospital local e ganhe um salário anual de $ 240.000. Ou seja, $ 20.000 por mês. Se você tirar um mês de folga para construir seu deque, você estará abrindo mão de um ganho de $ 20.000. O custo de você gastar seu tempo construindo seu deque será, portanto, de $ 20.000.

João, por outro lado, trabalha como contador para um varejista local. Seu salário anual é de $ 84.000. Ou seja, $ 7.000 por mês. Se ele tirar uma folga de dois meses do trabalho, que é o tempo necessário para ele construir o deque para você, ele estará abrindo mão de um ganho de $ 14.000.

Claramente, João pode construir o deque para você a um custo que é $ 6.000 menor do que o custo que você teria caso construísse por conta própria. Você está disposto a pagar até $ 19.999 para ele construir seu deque. E ele está disposto a aceitar qualquer quantia acima de $ 14.001 para efetuar o serviço.

Suponha que vocês dividam a diferença e você concorde em pagar $ 17.000 para João construir o deque. Ao fazer isso, você ganha – neste caso, $ 3.000 – ao pedir para João construir seu deque em vez de você próprio construí-lo.

Se você próprio fosse construir o deque, você estaria negando a terceiros a oferta de serviços médicos que eles valorizam em pelo menos $ 20.000 (pois esta é a quantia que eles voluntariamente pagam a você, mensalmente, para trabalhar no hospital). E, obviamente, você estaria negando a si próprio $ 20.000 de renda.

Em contraste, ao empregar João por dois meses para construir o seu deque, terceiros estarão deixando de receber serviços contábeis no valor de $ 14.000.

Embora você seja tecnicamente melhor na construção de deques, João é economicamente um melhor construtor do que você, no valor total de $ 6.000 por mês. João possui uma vantagem comparativa em relação a você na construção do deque.

A lição aqui é que, se o objetivo é ter o máximo possível de ganho econômico, a escolha de qual entidade econômica fará a produção não dever ser feita exclusivamente de acordo com a habilidade técnica ou com a proficiência daquela entidade. O que interessa economicamente é o custo total, para a entidade, de alcançar a produção desejada: especificamente, é necessário analisar se produzir o produto diretamente é mais vantajoso do que produzir outra coisa e então comprar o produto desejado produzido por outro produtor.

Três surpresas

Essa correta compreensão da vantagem comparativa nos faz descobrir três surpresas.

Surpresa #1

Sua superioridade técnica em relação a João na produção de um determinado bem ou serviço não implica que você seja economicamente mais eficiente do que João na produção daquele bem ou serviço. Sua vantagem comparativa pode perfeitamente estar na produção de outro bem ou serviço.

Você pode ser capaz de construir um deque mais rapidamente do que João. Mas se você for um médico ainda melhor do que João, então sua vantagem comparativa estará em trabalhar na oferta de serviços médicos, e não na construção de deques. Você irá ganhar caso se especialize na oferta de serviços médicos e compre serviços de construção de deques de João.

Surpresa #2

Caso você aprimore ainda mais sua habilidade de efetuar a tarefa na qual você possui uma vantagem comparativa, você estará se tornando economicamente pior na realização de outras tarefas. Ou seja, quanto mais especializado você se torna em algo, pior você será, em termos econômicos, na realização de outras tarefas.

No exemplo acima, o custo de você construir um deque por conta própria é $ 6.000 mais caro do que contratar João, não obstante o fato de que você poderia construir o deque em apenas um mês, enquanto João precisa de dois -- afinal, para construir em um mês, você abriria mão de $ 20.000; já João, para construir em dois, abriria mão de $ 14.000.

Logo, para você, compensa contratar João por qualquer valor abaixo de $ 20.000.

Mas suponha que suas habilidades como médico aumentaram tanto, que sua renda mensal passou de $ 20.000 para $ 21.000 por mês. Ou seja, foi de $ 240.000 por ano para $ 252.000 por ano. Neste caso, se você tirasse um mês de folga para construir o deque, você estaria abrindo mão de $ 21.000. Ou seja, o custo para você construir o deque por conta própria aumentou $ 1.000.

Isso significa que o aprimoramento da sua habilidade como médico tornou ainda mais ineficiente -- mais custoso -- você construir seu deque por conta própria.

Ainda que suas habilidades como marceneiro não tenham mudado em nada, ao se tornar um melhor médico, você se tornou -- economicamente -- um marceneiro pior.

Surpresa #3

A surpresa acima nos revela outra surpresa ainda mais espantosa: você se tornar um médico melhor faz com que João, em relação a você, se torne economicamente um marceneiro ainda melhor, mesmo que as habilidades dele não tenham se aprimorado.

Antes de você ter se tornado um médico melhor, o custo de João construir um deque era $ 6.000 menor do que você construir por conta própria. Porém, após você se tornar um médico melhor, o custo de João construir o deque -- embora ainda em $ 14.000 -- se tornou $ 7.000 menor do que o seu custo de fazer por conta própria.

Colocando de outra forma, o aumento da sua vantagem comparativa em fornecer serviços médicos aumentou a vantagem comparativa de João em construir deques. João potencialmente se beneficiou de você ter se tornado um médico melhor.

Por que apenas "potencialmente"? Ao se tornar um médico melhor, você não irá aumentar automaticamente a quantia paga a João para construir seu deque. Porém, se a sua demanda e a de outros indivíduos pelos serviços de João for suficiente intensa, você irá oferecer para pagar para ele uma quantia mais próxima daquela que custaria a você para construir o deque por conta própria. Antes de você passar a ganhar mais, você pagaria a João não mais do que $ 20.000. Após passar a ganhar mais (em decorrência de sua maior especialização), você estará disposto a pagar até $ 21.000 para João, pois esta quantia seria seu custo de oportunidade ao tirar um mês de folga e construir o deque por conta própria.

Você se tornar um médico melhor não apenas eleva a sua renda, como também potencialmente aumenta a renda de seus parceiros comerciais.

Essa consequência da vantagem comparativa ajuda a explicar por que, nos países ricos, não são apenas os trabalhadores mais capacitados e preparados -- como engenheiros e advogados -- mas também os trabalhadores de menor qualificação -- como zeladores, faxineiras e arrumadeiras de hotel -- que ganham salários reais maiores do que seus semelhantes em países mais pobres.

Independe de fronteiras

A análise acima em absolutamente nada se altera quando se estabelecem linhas imaginárias separando dois indivíduos. Não importa se você e João moram na mesma rua ou se em países antípodas. Os benefícios econômicos supracitados se mantêm rigorosamente os mesmos.

Mesmo aqueles indivíduos que porventura acabem perdendo suas fatias de mercado em decorrência de uma mudança no padrão dos gastos dos consumidores -- seja por causa de mais importações de países com maior vantagem comparativa ou por causa do surgimento de novos ofertantes nacionais com maiores vantagens comparativa -- permanecerão vastamente mais ricos do que seriam caso não participassem deste arranjo especializado de produção e comércio.

Por tudo isso, é de nosso total interesse como indivíduos louvar um aumento nas habilidades e na produtividade de todos os outros seres humanos que povoam este planeta, ainda que nossas próprias habilidades e produtividade não tenham se alterado em nada. Entender a vantagem comparativa é entender por que devemos celebrar, e não temer, o crescimento econômico de outros países.

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Sobre o autor

Donald Boudreaux

foi presidente da Foudation for Economic Education, leciona economia na George Mason University

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