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Como o estado pune exatamente aqueles que querem ajudar

A manutenção desta política é indefensável

08/06/2020

Como o estado pune exatamente aqueles que querem ajudar

A manutenção desta política é indefensável

Nota do editor: o artigo a seguir foi adaptado para a realidade brasileira

 

Ao sair do supermercado, vi uma mãe e suas duas crianças pequenas acampadas no estacionamento. Ela segurava um cartaz pedindo ajuda para alimentar as crianças. Decidi, então, comprar algumas laranjas e bananas para eles.

Agora, apenas imagine se algum burocrata do governo surgisse ali e explicasse que minha sacola de frutas não era o bastante para alimentar aquela família em dificuldades. 

Ou imagine que o governo aprovasse uma lei dizendo que, se alguém decidir doar alimentos (ou dinheiro) para pessoas mendigando nas ruas ou em estacionamentos de supermercados, a contribuição teria de ter um valor mínimo estipulado. Se alguém fosse flagrado doando, digamos, apenas $5 ou uma pequena sacola de frutas, ele seria impiedosamente multado. 

Tal legislação, por acaso, parece ser caridosa? Poderia ela ser considerada "pró-mendigo"?

A lista cresce

Tentemos um exemplo diferente: existem grupos civis e religiosos que, voluntariamente, escolhem um fim de semana para ir às residências de pessoas pobres para ajudá-las a arrumar a casa, a reabastecer a despensa, a reparar objetos estragados etc. Estes atos caritativos e isolados obviamente não podem preencher o vazio e suprir todas as contínuas necessidades de pessoas em situação de penúria. 

Não deveria então o governo aprovar uma legislação impondo que, se você for doar seu tempo e seus bens materiais para pessoas pobres, você tem de fazê-lo de uma maneira que as permita viver confortavelmente? Não seria este um grande método "pró-pobre" de elevar o padrão de vida desse grupo demográfico?

Ou então considere aquelas famílias mais abastadas que adotam crianças órfãs que vivem em regiões devastadas por guerras ou por catástrofes climáticas. Tais ações, embora muito nobres, são claramente uma gota d'água no oceano, uma vez que centenas de milhares de órfãos continuam deixados para trás. E se o governo aprovasse uma lei estipulando que tais famílias só poderão adotar órfãos pobres se adotarem pelo menos 15 crianças de uma só vez? 

Os ativistas discordariam que tal medida "pró-adoção" elevaria o número de adoções e representaria uma completa benção para esses órfãos?

Atualmente, há centenas de pessoas que se voluntariam para ensinar adultos a ler. Mas o analfabetismo entre adultos ainda é um problema premente em certas localidades, de modo que esses esforços voluntários claramente têm sido inadequados para superar os desafios. A maneira óbvia de corrigir essa situação é criar uma lei estipulando que os voluntários têm de dedicar ao menos 15 horas de ensino por semana. Se eles forem flagrados lecionando adultos analfabetos por apenas 14 horas, então esses voluntários devem ser pesadamente multados.

Um último exemplo. Existem milhões de indivíduos que não possuem habilidades físicas ou mentais de grande valia para o mercado de trabalho. No entanto, há milhares de pessoas dispostas a oferecer empregos para esses indivíduos sem grandes habilidades. Não seria um grande benefício para esses indivíduos inábeis se o governo aprovasse uma lei estipulando que, se você quiser contratar um deles, você não apenas terá de pagar a eles $ 1.000 por mês, como também terá de pagar todos os encargos sociais e trabalhistas estipulados pelo governo? 

(E se você for flagrado pagando, digamos, $ 800 por mês, será pesadamente multado, podendo até ser preso). 

É difícil imaginar que possa haver um lado negativo nessa legislação pró-trabalhador, certo?

É chiste, mas também não é

Sim, o leitor certamente já percebeu que estou sendo chistoso. Estou enfatizando o absurdo que é rotular a atual legislação trabalhista como sendo "a favor do trabalhador". 

No Brasil, há os encargos sociais e trabalhistas, como INSS, FGTS, PIS/PASEP, salário-educação, Sistema S, 13º salário, adicional de remuneração, adicional de férias, ausência remunerada, férias, licenças, repouso remunerado, rescisão contratual, vale-transporte, indenização por tempo de serviço e outros benefícios. Tais encargos fazem com que, além do salário, o empregador tenha de pagar o equivalente a outro salário só com estes custos. 

Por exemplo, se você contratar um trabalhador por R$ 1.100 (valor marginalmente acima do atual salário mínimo), e não pagar nada de vale-transporte, vale-refeição, plano de saúde, e outros benefícios, você gastará ao todo praticamente R$ 1.700 por mês (INSS, FGTS, provisão do 13º, férias etc.) — ou seja, seu gasto será mais de 50% maior que o salário. 

Em algumas ocasiões, um empregado pode custar muito mais do que o dobro do salário. O corriqueiro é que ele custe, no mínimo, o dobro do salário.

Eis a primeira consequência óbvia: ao elevar as dificuldades para se fornecer um emprego para trabalhadores pouco qualificados, a legislação trabalhista tende a perversamente reduzir o emprego exatamente para aquele grupo de pessoas que o governo supostamente quer ajudar.

Será que os defensores dos mendigos, dos pobres, dos adultos analfabetos e de outros grupos em situação de penúria seriam tão afoitos em defender as legislações hipotéticas descritas acima?

Os exemplos hipotéticos no início deste texto foram criados para enfatizar outra perversidade da legislação trabalhista -- e, de maneira mais geral, a perversidade de todos os decretos que incidem sobre os empregadores: eles atacam exatamente os benfeitores dos poucos qualificados.

Considere isso: há milhões de pessoas que têm dificuldades em ganhar seu próprio sustento. Não seria algo perverso querer onerar exatamente aquelas que pessoas que estão fazendo o possível para aliviar esse problema

Isso é o equivalente a escolher precisamente aqueles voluntários que estão fazendo algo para reduzir o analfabetismo entre os adultos e impor a eles uma tarifa punitiva pelos seus esforços nessa área, ao mesmo tempo em que o resto da sociedade continua não fazendo nada para mitigar esse problema.

Se o governo quer "fazer algo" para ajudar os pobres de maneira definitiva, então ele realmente deveria desonerar aquelas pessoas que estão dando algum dinheiro para os pobres. 

É particularmente perverso que o governo queira jogar o fardo exatamente sobre aquelas pessoas que estão fornecendo oportunidades (e dinheiro) para os trabalhadores pouco capacitados. 

A qualidade disponível

Mas tudo piora. A situação não é ruim apenas para os mais necessitados. Mesmo aqueles que tiveram oportunidade de estudar sofrem com os obstáculos artificiais.

Dados do Ministério da Educação demonstram que 7 de cada 10 alunos do ensino médio têm nível insuficiente em português e matemática

Ou seja, estão chegando ao mercado de trabalho milhões de jovens com sérias dificuldades de interpretar e escrever textos, bem como de fazer uma simples regra de três. 

E aí tem-se uma combinação explosiva: jovens chegam mal preparados ao mercado de trabalho (ou seja, com baixa produtividade), e ainda têm de superar o obstáculo criado pelas regras engessadas e burocráticas para que possam ofertar sua mão-de-obra. Quem irá contratar legalmente — isto é, a um alto custo — jovens inexperientes e com baixa produtividade? 

Isso é teoria econômica básica. Só é possível pagar altos salários a quem produz muito com pouco, isto é, quem gera muita receita (e lucros) para seu empregador. Voltando ao exemplo numérico da seção anterior, se um jovem sem instrução e sem habilidades possui uma produtividade capaz de gerar apenas R$ 1.100 por mês a um eventual empregador, não tem como esse empregador lhe contratar formalmente a um custo total de R$ 1.700 (contando os encargos).

Nada é mais responsável pela "degradação do mercado de trabalho" do que um ordenamento jurídico que condiciona o status de "formal" ao cumprimento de regras onerosas tanto ao trabalhador quanto ao empregador. 

Indefensável

A legislação trabalhista é uma ferramenta perversa que foi criada para (supostamente) ajudar os trabalhadores menos capacitados (que são exatamente aqueles que recebem os menores salários). 

Na melhor das hipóteses, ela ajuda alguns trabalhadores pouco qualificados ao mesmo tempo em que penaliza drasticamente todos os outros -- ao tornar impossível que eles encontrem um emprego legal. 

No mais, a legislação trabalhista perversamente joga todo o fardo exatamente sobre aquele grupo de pessoas que optou por ajudar esses trabalhadores, que são os empregadores -- o único (e pequeno) grupo de pessoas que realmente está se esforçando para resolver o problema.

O resto da sociedade -- que não fez nada para ajudar os trabalhadores pouco capacitados a alcançar um padrão de vida mais alto -- pode assim se autocongratular por ter votado em políticos que defendem essa legislação ao mesmo tempo em que continua a não fazer nada para ajudar aqueles que querem trabalhar.

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Sobre o autor

Robert P. Murphy

É Ph.D em economia pela New York University, economista do Institute for Energy Research, um scholar adjunto do Mises Institute.

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