Economia
O resultado de nossa prematura social-democracia: recessão prolongada e contas públicas calamitosas
Foi um experimento nati-morto e não tinha como ser diferente
O resultado de nossa prematura social-democracia: recessão prolongada e contas públicas calamitosas
Foi um experimento nati-morto e não tinha como ser diferente
As notícias estão por todos os lados: o governo está sendo obrigado a fazer um "contingenciamento" em seus gastos. Na prática, ele deixará de gastar um montante que havia sido inicialmente projetado.
No momento, o bloqueio chega a R$ 30 bilhões, mas ainda irá aumentar.
O Ministério da Educação está literalmente sem dinheiro e, como consequência, os repasses para a educação estão sob "contingenciamento". R$ 5,8 bilhões foram bloqueados. Mais de 13 mil cargos em universidades e institutos federais foram cortados. Programas de iniciação científica, bolsas de mestrado e doutorado da CAPES -- tudo entrou na tesoura.
As Forças Armadas, por sua vez, vivenciarão um inédito corte de 44% em seu orçamento. A Marinha será a mais atingida.
O Ministro da Economia também anunciou que irá "travar" a realização de concursos públicos no ano de 2020. Com efeito, um decreto presidencial dificultando a criação de concursos públicos já foi assinado.
Até mesmo o IBGE entrou na navalha. Inicialmente de 87%, o bloqueio caiu para 22%, pois, exatamente no ano que vem, haverá o censo que ocorre a cada 10 anos.
Tudo isso não só era totalmente previsível, como de fato foi previsto.
Social-democracia, em um país ainda pobre em termos per capita, não dura
A lógica é direta: se você tem um governo que quer prover de tudo, a tendência é que, com o passar do tempo, não irá sobrar recursos para nada.
Se você tem um estado cuidando de escolas, universidades, saúde, aposentadorias, pensões, esportes, cultura, lazer, filmes nacionais, teatro, subsídios tanto para pequenos agricultores quanto para megaempresários, benefícios assistencialistas de todos os tipos (Bolsa-Família, BPC (ou LOAS) etc.), estradas, portos, aeroportos, Correios, eletricidade e petróleo, e criando uma crescente oferta de empregos públicos pagando altos salários, esse arranjo só irá durar enquanto o número de pessoas produtivas -- isto é, aptas a serem tributadas -- for crescente.
Se a quantidade de pessoas produtivas -- aptas a serem tributadas -- começar a diminuir (ou simplesmente parar de crescer), o arranjo acima irá começar a se esfacelar.
De novo: um governo que quer prover vários bens e serviços tem de recorrer a altos e crescentes gastos. Estes gastos serão crescentes porque a quantidade de pessoas recorrendo a eles é cada vez maior (uma inevitabilidade quando se tem uma população envelhecendo). Para manter esses gastos crescentes, o governo tem de arrecadar cada vez mais impostos. E ele só irá conseguir aumentar sua arrecadação se a quantidade de pessoas sendo tributadas também for cada vez maior -- ou então se a produtividade delas for alta e também crescente.
Trata-se do irrevogável fato de que vivemos em um mundo de escassez: o dinheiro para bancar todos os gastos estatais advém da tributação de bens e serviços produzidos pela economia privada. E estes, por definição, são escassos. Consequentemente, dado que a tributação incide sobre bens e serviços escassos, sua capacidade de arrecadação é, por definição, limitada. Se os gastos crescerem mais do que essa capacidade de arrecadação, o dinheiro irá literalmente acabar.
Sim, isso parece ser um "truísmo óbvio" (pleonasmo intencional), mas é necessário sempre repeti-lo, pois ainda há quem negue a incontestável realidade da escassez.
No Brasil atual, o dinheiro para bancar os crescentes gastos do governo literalmente acabou. E por dois motivos:
1) a quantidade de pessoas aptas a serem continuamente tributadas parou de crescer;
2) as que ainda estão aptas a ser tributadas são pouco produtivas. A produtividade de um brasileiro equivale a 25% da produtividade de um americano, o que significa que um brasileiro leva uma hora para produzir o mesmo bem ou serviço que um americano produz em 15 minutos. Quem produz menos por hora tem renda menor. Quem tem renda menor tem menos capacidade de ser crescentemente tributado.
Agora, vamos aos dados.
A situação é, no mínimo, assombrosa
O Brasil está em recessão desde 2014. A consequência direta? O número de pessoas trabalhando e produzindo formalmente -- ou seja, aptas a pagarem impostos -- caiu.
O gráfico a seguir, que começa em março de 2012, mostra a evolução do número de pessoas trabalhando no setor privado com carteira assinada:
Gráfico 1: evolução do número de pessoas trabalhando no setor privado com carteira assinada. (Fonte e gráfico: Banco Central)
Observe que, a partir de 2014 (início da recessão), o número de trabalhadores com carteira assinada começa a cair. Hoje, há menos pessoas trabalhando com carteira assinada do que havia no início de 2012.
Para onde foram essas pessoas? Parte se tornou desocupada (ou seja, passou a receber benefícios assistenciais do governo), parte foi para a informalidade (que não paga impostos) e parte se tornou autônoma (normalmente, vendendo quentinhas, marmitas, frutas etc.).
Eis o gráfico que mostra a evolução do número de pessoas desocupadas, as quais recebem algum tipo de auxílio do governo. Quanto mais pessoas desocupadas, maiores os gastos do governo com assistência.
Gráfico 2: a evolução do número de pessoas desocupadas. (Fonte e gráfico: Banco Central)
Já o próximo gráfico mostra a evolução do número de pessoas que foram para a informalidade. São pessoas que não pagam impostos federais e, muito provavelmente, também não pagam o INSS.
Gráfico 3: evolução do número de pessoas na informalidade. (Fonte e gráfico: Banco Central)
Por fim, a evolução do número de pessoas trabalhando por conta própria (autônomos). Não há como saber se elas pagam ou não impostos, e se pagam ou não o INSS.
Gráfico 4: evolução do número de pessoas trabalhando por conta própria (autônomos). (Fonte e gráfico: Banco Central)
E qual foi a consequência direta desta diminuição do número de pessoas pagando impostos e deste aumento no número de pessoas dependentes do estado? Óbvio: as receitas tributárias reduziram seu ritmo de crescimento e os gastos totais aumentaram seu ritmo de crescimento.
O gráfico a seguir mostra, na linha azul, a evolução das receitas tributárias líquidas do governo (deduzida das restituições e incentivos fiscais) e, na linha vermelha, a evolução das despesas. Detalhe: as despesas não incluem o pagamento do serviço da dívida (juros e amortizações).
Atenção: como se trata de uma média móvel de 12 meses, o valor na coluna da esquerda se refere a valores mensais. Na prática, um valor de R$ 100 bilhões significa que, em um período de 12 meses, este foi o valor médio arrecadado (ou despendido) pelo governo a cada mês. Para se ter uma ideia do valor anual, basta multiplicar o valor por 12 (meses).
Gráfico 5: na linha azul, a evolução das receitas tributárias líquidas do governo; na linha vermelha, a evolução das despesas primárias (que exclui gastos com a dívida). Média móvel 12 meses. (Fonte e gráfico: Banco Central)
Perceba que, até 2014, havia um superávit primário. Ou seja, quando se desconsidera os gastos com o serviço da dívida, o governo arrecadava mais do que gastava. A partir do final de 2014, a realidade se inverte, e o governo passa a ter um até então inédito déficit primário, isto é, o governo passa a gastar mais do que arrecada, mesmo sem considerar os gastos com a dívida.
E qual foi outra -- e agora onipresente -- consequência de tudo isso? A explosão do déficit da previdência.
O gráfico a seguir, também em forma de média móvel, mostra a evolução das receitas e das despesas da previdência social (no caso, apenas o INSS; este gráfico não abrange o RPPS, que é a previdência do setor público, ainda mais deficitária; e também não abrange os militares; e nem o Fundo Constitucional do DF. Não é minha culpa. É o único gráfico disponibilizado pelo Banco Central).
Gráfico 6: na linha vermelha, as receitas da Previdência Social; na linha azul, os gastos com benefícios previdenciários. Média móvel 12 meses. (Fonte e gráfico: Banco Central)
Observe que sempre houve déficit, mas, a partir de 2015, com o aprofundamento da recessão (aumento do desemprego, redução no ritmo da arrecadação e aumento dos gastos previdenciários do governo), o déficit se acelera. A arrecadação desacelera (aumento do desemprego e da informalidade) e os gastos aumentam (mais auxílios para um número cada vez maior de pessoas).
Atualmente, o déficit do INSS é de aproximadamente R$ 18 bilhões por mês, o que equivale a aproximadamente R$ 210 bilhões por ano.
E, de novo, isso apenas
para o INSS. Quando se junta tudo (funcionários públicos, militares, e
fundo constitucional do DF), o rombo é de R$
290 bilhões por ano.
E isso apenas em nível federal. Se você acrescentar estados e
municípios, a coisa chega facilmente a R$
380 bilhões.
A Reforma da Previdência, portanto, deixou de ser
opcional há muito tempo. Enquanto a "boca do jacaré" (extremidade direita do gráfico)
continuar se abrindo, as contas do governo continuarão em descontrole. E, como
será mostrado abaixo, isso gera consequências sobre toda a economia.
Sem impostos, dívida
Como não há mais de onde arrecadar, e dado que os gastos governamentais são constitucionalmente rígidos (ou seja, é legalmente proibido cortar), a única alternativa para o governo é se endividar: ele tem de recorrer ao mercado e pedir dinheiro emprestado, pois só assim ele pode cobrir seus déficits orçamentários.
Primeira consequência: a trajetória do endividamento do governo se tornou assombrosa.
O gráfico abaixo mostra a evolução da dívida bruta do governo federal desde julho de 1994. A dívida nada mais é do que um acumulado de déficits. Assim, o gráfico abaixo mostra o volume de dinheiro que foi absorvido pelo governo federal para financiar seus déficits -- dinheiro este que, caso não houvesse déficits, poderia ter sido direcionado para o financiamento de investimentos produtivos:
Gráfico 7: evolução da dívida total do governo federal (Fonte e gráfico: Banco Central)
Quem se endivida muito acaba tendo de gastar muito com juros. Eis a evolução dos gastos do governo com juros em um período de 12 meses:
Gráfico 8: evolução dos gastos do governo federal com juros da dívida (Fonte e gráfico: Banco Central)
As pessoas (à direita e à esquerda) reclamam que o governo gasta muito com juros, o que é verdade. Mas eis o fato: o governo só gasta muito com juros porque se endividou para poder manter seus gastos. A dívida não surgiu do nada. Ela é a simples e inevitável consequência dos gastos. Foi exatamente para gastar mais que o governo se endividou.
E qual a consequência de o estado ter de se endividar continuamente para manter seus gastos? Sobra menos crédito disponível para empresas investirem e contratarem mão-de-obra. O governo se apropria de um dinheiro que poderia ser emprestado para empresas investirem ou para as famílias consumirem.
Não há mágica ou truques capazes de alterar essa realidade dominada pela escassez: quando o governo se endivida, isso significa que ele está tomando mais crédito junto ao setor privado. E dado que o governo está tomando mais crédito, sobrará menos crédito disponível para financiar empreendimentos produtivos. O governo, assim, está dificultando e encarecendo o acesso das famílias e das empresas ao crédito.
E isso é fatal, sobretudo, para as micro, pequenas e médias empresas.
A mídia costuma fazer estardalhaço dizendo, corretamente, que o fato de a SELIC estar hoje nas mínimas históricas (caiu de 14,25% em 2016 para os 6,50% atuais) não se traduziu em grandes reduções nos juros cobrados pelos bancos às empresas e pessoas. Ora, e nem poderia. Como o governo segue se apropriando de grande parte do crédito disponível, é claro que não há como sobrar muito para o resto da economia. De novo: a realidade da escassez.
Eis o gráfico que mostra a evolução dos juros dos empréstimos bancários, excluindo o rotativo (que, por ser muito alto, distorce a média), para pessoas físicas e jurídicas:
Gráfico 9: evolução dos juros cobrados pelos bancos para pessoas físicas (linha azul) e pessoas jurídicas (linha vermelha). (Fonte e gráfico: Banco Central)
Os juros atuais, mesmo com a SELIC nas mínimas históricas, são mais altos do que em 2012 e 2013.
Com isso, fica mais difícil para empresas investirem, se expandirem e contratarem trabalhadores. Consequentemente, a economia não cria riqueza e o desemprego não cai. Assim, não há criação de renda adicional.
Veja, por exemplo, a evolução da renda real dos trabalhadores do setor privado com carteira assinada.
Gráfico 10: a evolução da renda real dos trabalhadores do setor privado com carteira assinada. (Fonte e gráfico: Banco Central)
Observe que ela está no mesmo nível do início de 2014, começo da recessão.
Sem aumento da renda, não há como haver aumento da tributação para bancar a social-democracia.
Assim, está estabelecido o ciclo vicioso:
a) a social-democracia, que se caracteriza por um estado que quer prover de tudo, gera aumentos constantes de gastos, os quais exigem arrecadações crescentes de impostos;
b) a arrecadação crescente de impostos, por sua vez, necessita de um número crescente de trabalhadores produtivos sendo tributados;
c) como o número de trabalhadores não cresce no ritmo adequado, e como eles são estatisticamente pouco produtivos (não adianta espernear; são dados), apenas impostos não bastam. Logo, o governo tem de recorrer ao endividamento crescente;
d) endividamento crescente leva a despesas crescentes com juros, o que requer mais endividamento para pagar essas despesas;
e) tudo isso faz com que os juros para o setor produtivo se tornem demasiadamente altos, o que afeta renda e emprego;
f) com renda e emprego estagnados, os gastos do governo com a seguridade social aumentam muito mais do que arrecadação tributária, o que faz crescer os déficits orçamentários, que exigem impostos e endividamento;
g) isso reinicia todo o ciclo vicioso.
Conclusão
A nossa social-democracia não mais consegue arrecadar o volume necessário para bancar seus gastos crescentes. Este é o dado empírico, o qual não permite tergiversações ideológicas.
O problema é econômico, demográfico e matemático. E, se insistirmos no atual arranjo, toda a economia irá entrar em colapso. Na melhor das hipóteses, tudo fica como está: ou seja, uma piora gradual e contínua dos indicadores.
Não se trata, portanto, de insensibilidade ou de "maldade neoliberal" clamar pela redução profunda do estado. É apenas uma questão de se reconhecer a realidade: sem reformas previdenciárias e tributárias e, acima de tudo, sem um profundo corte de despesas do estado -- que no mínimo corrija seu tamanho para níveis condizentes com a renda per capita do brasileiro (que o sustenta) --, a implosão econômica é inevitável. E aí as consequências sociais são totalmente imprevisíveis.
Nosso experimento social-democrata chegou ao fim. Quanto mais rapidamente aceitarmos isso, quanto mais rapidamente agirmos como adultos -- e não como adolescentes fazendo vitimismo --, menos dolorosa será a transição.
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