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Uma lição de economia básica: João compra um carro de Pedro

A transação de um carro usado tem muito a ensinar sobre questões essenciais (e atuais) da economia

05/07/2019

Uma lição de economia básica: João compra um carro de Pedro

A transação de um carro usado tem muito a ensinar sobre questões essenciais (e atuais) da economia

João está no mercado à procura de um carro usado. Pedro está interessado em vender seu carro. João procura por anúncios na internet. Pedro coloca seu anúncio na internet.

João e Pedro se conectam, se encontram e concordam em um preço de $ 20.000.

João fica com o carro de Pedro e Pedro fica com os $ 20.000 de João.

O que podemos depreender de imediato desta transação é que João, presumivelmente, valoriza aquele carro mais do que qualquer outro bem ou serviço que ele pode obter com seus $ 20.000. Igualmente, Pedro valoriza mais o que ele pode fazer com $ 20.000 do que com seu carro.

João incorreu nesta transação porque acredita que ela o deixará em melhor situação -- seja material, psicológica ou até mesmo financeira (ele pode, por exemplo, utilizar o carro como instrumento de trabalho e, assim, auferir um fluxo de renda futuro).

O mesmo vale para Pedro.

Ambos, por definição, não teriam incorrido nesta transação voluntária caso acreditassem que ela os deixaria em pior situação.

Mas quão melhor eles ficaram após a transação? É impossível responder com precisão. Podemos apenas dizer que, para João, seu ganho foi a diferença entre o valor de uso que ele atribui ao carro adquirido e o valor de uso que ele atribuía ao $ 20.000 que deu a Pedro.

E, para Pedro, seu ganho foi a diferença entre o valor de uso que ele atribui aos $ 20.000 que ganhou e o valor de uso que atribuía ao carro que deu em troca.

Não há nenhum motivo para dizer que os ganhos de João e Pedro são, ou deveriam ser, iguais.

As trocas voluntárias explicitam nossas preferências subjetivas

Infelizmente, e isso vem desde Aristóteles, ainda há quem acredite que as trocas comerciais ocorrem somente entre bens com igualdade de valor. Ou seja, se o bem A é trocado pelo bem B, então necessariamente o valor de A deve ser igual ao valor de B.

Pior ainda: há quem acredite que o valor de A tem de ser superior ao de B, ou vice-versa, o que implica que, em toda e qualquer transação, um lado ganha à custa do outro (ele entregaria algo com um valor objetivo maior em troca de algo com um valor objetivo menor).

No entanto, graças ao austríaco Carl Menger, que popularizou a descoberta de que o valor dos bens não é objetivo, mas sim subjetivo, a realidade se comprova totalmente distinta: em toda e qualquer transação comercial, cada lado atribui àquele bem que está recebendo um valor subjetivo maior do que atribui àquele bem que está dando em troca. 

Afinal, se não fosse assim -- se você não valorizasse mais aquilo que está recebendo do que aquilo que está dando em troca --, a transação simplesmente não ocorreria. 

Portanto, dizer que o valor de um bem ou serviço é subjetivo significa dizer que o valor deste bem ou serviço depende do uso e do grau de importância pessoal (subjetiva) que alguém (João no nosso exemplo) confere a ele. Se o bem ou serviço servir para algum fim ou propósito, então terá valor para ao menos uma pessoa.

Vale ressaltar que o valor de um bem ou serviço não é determinado pela quantidade de trabalho consumida em sua produção. Tampouco é determinado pelos insumos físicos, inclusive mão-de-obra, que ajudaram a produzi-lo. O valor de um bem ou serviço advém da percepção humana quanto ao seu proveito e quanto à sua função para satisfazer determinados objetivos aos quais os indivíduos almejam em um determinado momento.

Se o bem servir para algum fim ou propósito, então terá valor para ao menos um indivíduo.

O valor independe de fronteiras

Nada disso se altera quando incluímos fronteiras geográficas em nossa análise.

Voltando ao exemplo, João está "exportando" $ 20.000 e "importando" o carro de Pedro, ao passo que Pedro está "exportando" um carro e "importando" $ 20.000.

No entanto, e como já discutido, dado que o valor de uso que João atribui ao carro excede $ 20.000, sua verdadeira importação foi maior do $ 20.000. Igualmente, uma vez que Pedro atribui aos $ 20.000 que ele importou um valor maior que $ 20.000, então ele, subjetivamente, está importando mais do que $ 20.000.

Com efeito, tanto João quanto Pedro estão incorrendo em um déficit em seus respectivos balanços comerciais -- não no sentido contábil, mas no sentido econômico. Afinal, e de novo, se não fosse assim, a transação comercial nem ocorreria.

O "déficit" de João é a diferença entre o valor de uso que ele atribui ao carro que ele importou e o valor de uso que ele atribuía aos $ 20.000 que ele exportou para pagar pelo carro. Já o "déficit" de Pedro é a diferença entre o valor de uso que ele atribuiu aos $ 20.000 que ele importou e o valor de uso que ele atribuía ao carro que exportou por $ 20.000.

Pouco importa a localização geográfica de ambos. Eles podem estar separados por uma rua ou por um oceano. A lógica não se altera.

Observe também que, para ambos, o objetivo são as importações que eles obtêm, e não as exportações que eles utilizam para obter essas importações. Se você retirar as importações do cenário, não há nada de intrinsecamente benéfico a respeito das exportações de cada um. Com efeito, se João houvesse exportado seus $ 20.000 sem ter obtido o carro, ele estaria em pior situação. Igualmente, se Pedro houvesse exportado o carro, sem ter importado os $ 20.000, ele estaria em pior situação.

Esta constatação -- que é totalmente trivial para qualquer ser humano sensato -- adquire ares de suprema importância por causa de um mantra mercantilista que jamais morre e que sempre insiste em infectar o debate econômico: a ideia de que exportações são intrinsecamente benéficas, e que importações são, na melhor das hipóteses, algo relutantemente tolerável.

Um excelente exemplo desta mentalidade é ver como são conduzidas as negociações internacionais com o propósito de aumentar o comércio internacional. Medidas que aumentam o acesso da população de um país às importações são rotuladas pelo próprio governo deste país como uma "concessão" dada a outros países.

Em outras palavras, o governo permitir às pessoas do país A importarem mais seria um favor concedido apenas para garantir que os governos de outros países também "concedam" o favor de permitir que suas respectivas populações importem mais produtos da A.

Em nosso exemplo, seria como se João, em vez de aceitar a oferta de Pedro ($ 20.000 pelo carro), estipulasse uma "tarifa" para encarecer artificialmente o carro de Pedro, na esperança de que isso o fará exportar mais para Pedro. O mesmo vale para Pedro: com a tarifa imposta por João, Pedro teria de vender seu carro por menos (pois a tarifa aumentou o preço final) com o objetivo de importar menos de João.

Ou, colocando em outras palavras, seria como se João relutantemente aceitasse o carro de Pedro ao mesmo tempo em que oferece em troca um valor maior que os $ 20.000 pedidos por Pedro, apenas para ver se, com isso, consegue exportar mais para Pedro. E Pedro, por sua vez, iria se esforçar para aceitar um preço menor para que, em troca, possa importar menos de João.

Faz sentido? É óbvio que não. Com efeito, tal comportamento seria a receita para o desastre financeiro. No final, ambos teriam menos bens e serviços à disposição. Ambos ficariam mal alimentados, mal vestidos, mal alojados e, no extremo, mortos.

No entanto, é exatamente esta a mentalidade que permeia a política econômica da maioria dos países do mundo no que diz respeito ao comércio internacional. Infelizmente, a atual noção de "comércio internacional" nos faz perder a realidade essencial do comércio, a saber: o comércio, de qualquer natureza, sempre e em todo lugar, envolve indivíduos de carne e osso negociando e transacionando entre si, com cada um dos indivíduos envolvidos agindo de acordo com aquilo que julga ser de seu melhor interesse.

Como disse o economista Don Boudreaux, assim como (felizmente!) não há restrições ao comércio entre bairros, entre cidades e entre estados (não há nenhuma preocupação com a balança comercial entre o seu estado e o estado vizinho), também não deveria haver restrições ao comércio entre indivíduos em diferentes países. Qual exatamente é a diferença econômica entre você comprar algo de uma pessoa que está do outro lado da rua ou do outro lado do planeta?

Comércio é comércio. Trata-se de uma atividade na qual um indivíduo incorre voluntariamente visando a aumentar seu bem-estar. Não interessam as fronteiras geográficas e políticas envolvidas.

Conclusão

Assim como João e Pedro, os defensores de doutrinas contrárias ao livre comércio não seguem essas mesmas idéias em sua rotina diária, o que faz deles pessoas totalmente incoerentes. Eles querem que as outras pessoas do país sejam submetidas às suas idéias tolhedoras, mas eles próprios não as praticam em sua dia a dia.

Apenas quando surgir um mercantilista que realmente pratica aquilo que prega -- a saber, abre mão de descontos e ofertas baratas, e faz questão de só comprar apenas o que é pior e mais caro --, deveria você prestar alguma atenção a ele.

Somente indivíduos -- separadamente ou em grupos voluntariamente formados, como empresas -- comercializam. Países não comercializam. Por isso, toda e qualquer transação comercial feita voluntariamente por dois indivíduos, não interessam suas localizações geográficas, deve ser analisada do ponto de vista da valoração subjetiva destes dois indivíduos, e não de um amorfo e intraduzível "interesse nacional".

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Sobre o autor

T. Norman Van Cott

É professor de economia e Ph.D. pela Universidade de Washington. Suas áreas de interesse são teoria microeconômica, finanças públicas e economia internacional.

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