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Dez motivos por que os governos sempre fracassam

Por causa da própria natureza do estado, nem mesmo os ínclitos conseguiriam ser bem-sucedidos

12/04/2019

Dez motivos por que os governos sempre fracassam

Por causa da própria natureza do estado, nem mesmo os ínclitos conseguiriam ser bem-sucedidos

Sempre que um governo decepciona ou mesmo estraga a economia, ou sempre que políticos e burocratas fracassam em cumprir o que prometeram -- o que é uma constante --, os defensores do estado prontamente se apresentam com a mesma explicação de sempre: o problema será resolvido quando os eleitores votarem nas pessoas certas para gerir o governo.

A lógica é imutável: os políticos vigentes não estão se esforçando o bastante, e precisam ser mudados. Ou então os atuais políticos "são ruins e mal intencionados", e por isso também têm de ser trocados.

Embora seja verdade que há uma enormidade de pessoas incompetentes e mal intencionadas no governo (em qualquer governo), não é correto colocar toda a culpa exclusivamente nas pessoas envolvidas. Com frequência, o fracasso estatal é uma realidade irreversível, a qual já está enraizada na própria instituição do governo.

Em outras palavras, políticos e burocratas não são bem-sucedidos em cumprir suas boas intenções simplesmente porque eles não têm como ser bem-sucedidos. É impossível. A própria natureza do governo, a maneira como a máquina estatal funciona, é naturalmente enviesada contra as genuínas boas intenções, impossibilitando o sucesso.

Eis aqui as dez razões.

I. Conhecimento

Todas as políticas estatais sofrem da pretensão do conhecimento.

Para conseguirem efetuar uma intervenção bem-sucedida no mercado, políticos necessariamente terão de saber mais do que é humanamente possível. O conhecimento que existe no mercado não é algo centralizado, sistêmico, organizado e geral, mas sim disperso, heterogêneo, específico e individual. Um punhado de políticos simplesmente não tem como saber mais do que milhões de empreendedores, investidores e consumidores interagindo diariamente no mercado, efetuando compras e vendas.

É impossível um punhado de políticos vislumbrarem uma falha nesta interação e, em seguida, identificarem exatamente o que deve ser feito e como deve ser feito. Não apenas não há os instrumentos para isso (o que classifica uma interação como sendo uma "falha de mercado"?), como também, e pior ainda, não há um sistema de incentivos que possibilite isso (o que o político pode fazer para levar a uma situação melhor, e que não possa ser voluntariamente feito por empreendedores, investidores e consumidores?).

Mas piora.

Diferentemente de uma economia de mercado, na qual há vários participantes submetidos a um contínuo processo de tentativa e erro, a percepção e a subsequente correção de erros praticados pelo estado sempre será limitada, pois o governo é um monopólio, e monopólios não permitem uma fácil identificação de erros. Adicionalmente, para o político, admitir um erro quase sempre é pior para sua reputação do que insistir no erro -- mesmo que isso vá contra seu próprio julgamento.

II. Assimetrias de informação

Embora também haja assimetrias de informação no mercado -- por exemplo, entre a seguradora e o segurado, ou entre o vendedor e o comprador de um carro usado --, a assimetria de informação é mais profunda no setor público do que na economia privada.

No mercado, vários mecanismos que permitem mitigar ao máximo as informações assimétricas surgem espontaneamente, pois tal atividade é lucrativa para empreendedores. O mesmo não ocorre para o governo.

Ao passo que há, por exemplo, várias seguradoras e várias revendedoras de carros, há apenas um governo. Os políticos que representam o estado não têm a pele em jogo, isto é, eles não pagam pelos erros. Consequentemente, eles não têm por que despender muitos esforços para investigar e evitar assimetrias de informação. Ao contrário: políticos são tipicamente ansiosos para fornecer fundos não para aqueles que mais precisam deles, mas sim para aqueles que são mais relevantes dentro do jogo do poder político.

III. Deslocando o setor privado

Intervenções estatais não apenas não eliminam aquilo que parecem ser deficiências de mercado, como também criam essas próprias deficiências ao deslocarem o setor privado da área. Fenômeno tecnicamente conhecido como crowding-out, ele ocorre quando o aumento do envolvimento do governo em um setor da economia afeta sobremaneira o resto do mercado, tanto no lado da oferta quanto da demanda.

Se, por exemplo, não houvesse uma dominância estatal nas áreas de saúde e assistência social, hospitais de entidades religiosas e instituições de caridade preencheriam a lacuna, como de fato ocorria antes de o governo usurpar estas atividades. (Eis o melhor e mais sucinto artigo ilustrando este fenômeno).

O deslocamento do setor privado por meio de políticas estatais é algo que ocorre continuamente porque os políticos sabem que irão conseguir votos ao oferecerem serviços públicos adicionais -- mesmo com a inevitável consequência de que a administração pública não irá melhorar, mas sim deteriorar o setor.

IV. Diferença entre diagnóstico e efeito das medidas

Há um enorme intervalo de tempo entre o diagnóstico do problema e os efeitos da intervenção estatal.

O processo governamental está preocupado com o poder, e sua antena captura apenas aqueles sinais que são relevantes para o jogo do poder. Somente quando um assunto estiver suficientemente politizado ele terá a atenção do governo. Ato contínuo, soluções serão estudadas. Após o assunto receber atenção e ser diagnosticado, outra demora ocorrerá até que as autoridades encontrem um consenso em relação a como abordar o problema político. E então haverá nova demora até que os meios políticos adequados encontrem o necessário apoio da opinião pública.

Após as medidas serem finalmente implantadas, um novo intervalo de tempo ocorrerá até que elas apresentem seus efeitos (os quais, como discutido nos itens e I e II, não irão funcionar como previsto).

O intervalo de tempo entre a articulação de um problema e o efeito das medidas adotadas é tão longo, que a natureza do problema original e seu contexto já serão fundamentalmente diferentes.

Dois exemplos recentes de políticas intervencionistas desastradas.

a) Governo decide que deve facilitar a aquisição de caminhões. Ato contínuo, direciona maciços subsídios para o setor, facilitando a aquisição de caminhões por caminhoneiros. Número de caminhões em circulação aumenta e, consequentemente, preço do frete cai. Tempos depois, o preço do diesel dispara. Caminhoneiros ficam insatisfeitos e protestam. O governo então decreta subsídios e preços mínimos de frete para ajudar caminhoneiros. Os subsídios pioram as contas do governo (o que em nada ajuda o câmbio) e a tabela do frete faz com que caminhoneiros enfrentem novas dificuldades.

b) Governo resolve fazer populismo fácil e diz que as contas de luz estão altas (sendo que não estão), decretando intervenção no setor, com controle de preços, subsídios e revisão de contratos. Como consequência, investimentos desabam, distribuidoras ficam insolventes, oferta escasseia, preço sobe e o Tesouro tem de arcar com tudo. Após um tempo, a medida se torna insustentável para as contas públicas e os preços são reajustados para níveis mais realistas, disparando até 80% de uma só vez.

Não é surpresa nenhuma que os resultados das intervenções estatais, o que inclui a política monetária, não apenas passem longe dos objetivos originais, como ainda geram o resultado oposto do intencionado.

V. A criação de privilégios

A intervenção estatal cria o fenômeno do rent seeking -- ou "busca pela renda" --, que nada mais é do que a atividade de conquistar privilégios e benefícios não pelo mercado, mas pela influência política. Neste arranjo, produtores concorrem entre si para ganhar favores de políticos, e não para oferecer a clientes produtos e serviços melhores ou mais baratos. O grosso do lucro advém de privilégios garantidos junto ao governo e não da oferta de bens e serviços aos consumidores.

Crédito subsidiado, patrocínios estatais, tarifas de importação que criam reservas de mercado, agências reguladoras que cartelizam o mercado e dificultam a entrada de novos concorrentes, regulamentações profissionais que aumentam a barreira de entrada de novos concorrentes, pensões, e contratos superfaturados -- tudo isso são exemplos de privilégios que criam o rent seeking.

Em uma democracia, há uma constante pressão para se acrescentar novos privilégios aos já existentes com o intuito de ganhar apoio eleitoral e votos. Essa criação de novos privilégios, obviamente, expande o número de pessoas que irão se organizar para se beneficiar destes privilégios. Ao longo do tempo, a distinção entre corrupção e conduta decente e legal vai desaparecendo.

Quanto mais o governo cede no campo dos privilégios e incentiva o rent seeking, mais o país se torna vítima do corporativismo, do clientelismo, da corrupção e da má alocação de recursos.

VI. As trocas de favores

A teoria da Escolha Pública rotulou este fenômeno de logrolling ("rolamento de troncos"). No Brasil, ele ficou popularizado como tomá-lá-dá-cá.

Tal fenômeno nada mais é do que as trocas de favores entre facções políticas com o intuito de que os projetos defendidos por uma facção sejam aprovados em troca do apoio desta facção aos projetos da outra facção.

Esta conduta, obviamente, gera uma contínua expansão da atividade estatal.

Por meio desta troca de favores, um grupo de deputados apóia legislações criadas por outro grupo de deputados em troca de terem o apoio político deste outro grupo para seus próprios projetos. Este comportamento gera o fenômeno da "inflação legislativa", a avalanche de leis inúteis, contraditores e deletérias, as quais só fazem emperrar a produtividade e a criação de riqueza do país.

VII. O Bem Comum

O tão venerado "bem comum" não é um conceito bem definido. Termos similares, como "bens públicos", os quais são definidos como bens não-rivais e não-excludentes, erram o alvo porque não é o bem que é 'comum' ou 'público', mas sim seu fornecimento, o qual é considerado mais eficiente quando feito pelo esforço coletivo em vez de pelo individual.

Entretanto, este raciocínio vale para todos os bens. Não faz sentido lógico dizer que o mercado é melhor para fornecer alimentos, mas pior para fornecer iluminação de ruas. O próprio mercado é um sistema que fornece bens privados por meio de esforços cooperativos. A economia de mercado é uma fornecedora coletiva bens, pois ela combina competição com cooperação. Qualquer um dos chamados "bens públicos", que são fornecidos pelo governo, também podem ser fornecidos pelo setor privado, e de maneira mais barata e mais eficiente.

Ao contrário do estado, a cooperação em uma economia de mercado inclui também a concorrência. Sendo assim, havendo concorrência e cooperação, não só a eficiência econômica mas também os incentivos para se inovar são muito maiores.

VIII. A captura regulatória

O termo captura regulatória denota uma falha governamental que ocorre quando a agência reguladora, em vez de perseguir seu objetivo original de promover o "interesse público", se torna vítima dos grupos de interesse formados exatamente por aqueles setores que a agência deveria regular.

A captura do corpo regulatório por grupos de interesse significa que a agência, em vez de fiscalizar e regular, passa a ser usada para defender e promover os interesses especiais dos setores que eram o alvo da regulação. Para este propósito, os grupos de interesse irão fazer lobby para a aprovação de regulações extras que irão, de um lado, afetar o surgimento de concorrentes e, de outro, garantir fiscalizações mais lenientes sobre si próprios.

Veja aqui e aqui dois artigos ilustrativos sobre isso.

IX. Não há visão de longo prazo

O máximo horizonte temporal político é a próxima eleição.

Em seu esforço para garantir que os benefícios das medidas políticas sejam rapidamente sentidos por sua base eleitoral, o político irá favorecer projetos populistas de curto prazo em detrimento de projetos sensatos de longo prazo. Os benefícios dos projetos sensatos de longo prazo (como reforma da previdência e flexibilização das leis trabalhistas) não só demoram a aparecer, como também seus custos imediatos são mais palpáveis. Já os projetos de curto prazo (aumento de gastos e aumento da dívida pública) podem trazer aparentes benefícios imediatos, mas seus custos futuros serão enormes.

No longo prazo, quando os efeitos nocivos se manifestarem, o político não mais estará lá.

Dado que as medidas que visam ao curto prazo rompem o elo entre o beneficiário (geração atual) e aquele que arca com os custos (a geração futura), a preferência temporal por medidas populistas que aparentemente são benéficas no curto prazo (mas trágicas no longo prazo) se torna irresistível.

X. A ignorância racional

É racional que o indivíduo eleitor, em uma democracia de massa, queira se manter alheio em relação aos assuntos políticos, pois o valor do voto individual é tão pequeno, que praticamente não faz diferença no resultado final. O eleitor racional irá votar naqueles candidatos que prometam os maiores benefícios em troca dos menores esforços.

Dado o pequeno peso de um voto individual em uma democracia de massas, o eleitor racional não irá dedicar muito tempo e esforço para investigar se as promessas são realistas ou se estão em colisão com seus outros desejos. Ele apenas irá para aquele que soar mais belo. Consequentemente, as campanhas políticas não têm o objetivo de ser informativas e educativas, mas sim de desinformarem, serem confusas e causarem discórdia. O que vale, no fim, é conseguir votos.

Não é a solidez do programa o que conta, mas sim o entusiasmo que um candidato pode criar junto a seus apoiadores (bem como o quanto ele pode caluniar seus oponentes). Como consequência, as campanhas eleitorais sempre incitam o ódio, a polarização e o desejo de vingança.

E isso é o oposto do que faz uma economia de mercado -- que se baseia na produção, na cooperação e na satisfação de demandas -- prosperar e enriquecer.


Sobre o autor

Antony Mueller

É doutor pela Universidade de Erlangen-Nuremberg, Alemanha e, desde 2008, professor de economia na Universidade Federal de Sergipe.

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