segunda-feira, 21 jan 2019
Em 2017, decidi escrever um livro
sobre inovação, ciência e filosofia. Foram meses de pesquisas, escrita e
revisões.
Após o material ficar "pronto" (e daqui a pouco você
irá entender o porquê destas aspas), era chegada a hora de imprimir e vender os
exemplares.
Duzentas cópias foram impressas por R$ 9,00. Destas
200, 100 foram vendidas diretamente por mim por R$ 30,00, 50 foram para as
lojas da minha cidade natal — as quais ficariam com 33% do valor da venda (R$
10,00) — e as outras 50 eu utilizei para distribuir para pessoas influentes no
mercado editorial, buscando um aval para passar para o próximo passo: um contrato
com uma editora.
Nesta fase de criar aquilo que os empreendedores
chamam de Produto Viável
Mínimo (MVP — Minimum Viable Product) do meu livro,
tive um lucro razoável de R$ 2.500,00.
No decorrer de 2018, minha obra foi aprovada por alguns
dos mais influentes escritores da atualidade. Recebi seus avais e um deles abriu
a porta de uma das maiores editoras do Brasil.
Algumas reuniões depois, foi-me enviado um contrato
oferecendo royalties de 8% sobre o valor final do livro, que deve ser em torno
de R$ 30,00. Ou seja, os royalties seriam de algo em torno de R$ 2,40 por
livro. Levando em consideração uma tiragem de cinco mil cópias, meu pagamento
como escritor seria de R$ 12.000.
Porém, obviamente, a editora fez uma revisão do
material e sugeriu diversas alterações para torná-lo melhor. Inclusive, sugeriu
que eu contratasse uma pessoa formada em jornalismo e especialista em redação
para me ajudar no processo. Fiz essa busca e ofereci parte dos royalties como
pagamento desta parceria.
Isso sem nem sequer ter o contrato assinado. Havia somente
a possibilidade de eu vir a ter este acordo firmado caso a nova obra revisada fosse
aprovada pela editora.
Até aí, tudo bem.
Entra
o estado
E o que a intervenção estatal tem a ver com isso?
A minha cidade, Bento Gonçalves (RS), assim como
muitas cidades brasileiras, possui uma Lei
De Incentivo à Cultura.
Um fundo de R$ 600.000 anuais que funciona da
seguinte maneira: cerca de 20 obras são selecionadas por um comitê e podem
receber até R$ 30.000. A prefeitura municipal fica com 10% do total de obras
disponibilizadas.
Um amigo participou deste projeto e recebeu o valor
de R$ 30.000, fazendo uma tiragem total de 500 livros. Destes 500 livros, 50
ficaram para a prefeitura e 450 foram postos à venda no mercado por um valor
médio de R$ 35. Supondo que as livrarias fiquem com a absurda fatia de 50% do
valor, o autor receberá R$ 17,50 por livro.
Eis o primeiro absurdo: se a prefeitura pagou R$
30.000 para receber 50 livros, ela pagou R$ 600 por unidade. Um perfeito exemplo de mau uso do dinheiro
público.
Mas a distorção aumenta. Somando tudo, o autor
receberá R$ 37.875. Levando em consideração que ele assume o custo de impressão
(digamos R$ 10 por unidade), ele receberá um total de R$ 32.875 por uma obra
que venderá apenas 500 unidades (10 vezes menos que um escritor iniciante que
opte pelo mercado).
E tudo isso tendo muito menos trabalho, uma vez que
o projeto é aprovado pelos burocratas da cidade, e não pela obra pronta.
Portanto, ficamos assim: no livre mercado, você tira
R$ 2,40 por livro. Na reserva de mercado garantida pelo estado, você tira R$
65,75 por livro — e isso em uma estimativa bastante conservadora.
Conclusão óbvia: não vale a pena tentar ir para o
mercado. Quem opta por isto terá de vender dez vezes mais cópias para ganhar
aproximadamente um terço do valor de quem optar pela assistência estatal.
Expandindo
Agora, imagine isso em
uma escala maior. Considerando que grande parte das cidades brasileiras possui
uma lei similar:
- Quantas obras são
compradas pelas prefeituras por um valor absurdo, explorando o cidadão que
paga, de forma compulsória, por algo que nunca lerá?
- Quantas obras com
potencial de distribuição nacional nem sequer são avaliadas por editoras, pois é
mais fácil e confortável para o escritor e para a editora se aproveitarem da benevolência estatal?
- Quantas pessoas são
excluídas do mercado editorial porque estas obras não passam por editora nem
por grandes livrarias, pois o estado fez um crowding-out
do mercado editorial?
- Quantos autores
preferem ficar pequenos, em sua zona de conforto, recebendo benefício público em
vez de se arriscar distribuindo a sua obra nacionalmente, recorrendo a distribuidoras?
Vale a pena ter tudo isso em mente na próxima vez
que você ler notícias de que as maiores
livrarias do Brasil (Cultura e Saraiva) estão passando por sérias dificuldades.
Sim, é claro que a débâcle das livrarias está bastante ligada ao avanço dos
livros digitais e da Amazon. Mas não se pode ignorar a contribuição dada por
todos aqueles escritores e editoras privilegiados pelos incentivos artificiais criados
pelo estado com o dinheiro público: para estes, é muito melhor ficar pequeno e
encostado no estado, desta maneira retirando toda a rede de distribuição do
caminho.
No final, tanto os escritores quanto as editoras que
os publicam estão apenas agindo racionalmente a uma distorção criada pelo
estado. Eles ganham dinheiro público, blindados do livre mercado.
Já o escritor brasileiro que quer fazer tudo da
maneira certa, sem recorrer a dinheiro público, foi praticamente expulso do
mercado em decorrência desta intervenção: as editoras irão preferir o conforto
do dinheiro público ao risco do livre mercado. Daí as livrarias venderem
majoritariamente apenas livros-texto e best-sellers estrangeiros.
Esta é apenas mais uma singela amostra de como o
poder público afeta toda uma área do setor privado por meio do
assistencialismo, do clientelismo e da reserva de mercado.