segunda-feira, 25 jun 2018
O
país mais aberto à fartura produzida pelo resto do mundo é o país cujos
habitantes são os mais privilegiados e favorecidos.
E
é fácil entender isso quando você analisa por que as pessoas acordam cedo e vão
trabalhar todos os dias: elas fazem isso para auferir uma renda, a qual
utilizarão para obter bens e serviços. Ou seja, elas trabalham e produzem para
poder obter coisas em retorno.
O
objetivo final do trabalho e da produção é o consumo. E quanto mais desobstruído
for esse consumo, maior será a capacidade dessa população de trocar os frutos
do seu trabalho por bens e serviços. Logo, maior será o padrão de vida dessas
pessoas.
Nada
pode ser mais direto.
Nosso
trabalho e nossa produção são a expressão de um desejo de "importar" bens e
serviços, seja do vizinho ao lado ou de algum produtor a milhares de
quilômetros de distância.
Trabalhar
e produzir — ou seja, criar oferta — significa demandar coisas. E isso é verdade mesmo que este trabalhador poupe
100% de sua renda: ao poupar, ele está meramente transferindo demanda para terceiros,
sejam eles tomadores de empréstimos, empresas nas quais ele investe,
instituições de caridade para quem ele doa ou mesmo repasses para seus filhos e
netos.
O
ponto principal é que a produção, sempre e em todo lugar, é a expressão de uma demanda.
Por
isso, quando o governo impõe tarifas de importação ou desvaloriza a moeda, ele
está simplesmente elevando os custos
de se trabalhar e produzir, afetando o padrão de vida da população. O objetivo
de tais medidas é proteger
alguns empregos em setores privilegiados, os quais ficam blindados da
concorrência estrangeira e agora podem produzir bens de menor qualidade e a
preços mais altos. A consequência inevitável é que uma minoria é protegida e
uma esmagadora maioria
é prejudicada, pois seu poder de compra foi atacado e, consequentemente,
seu padrão de vida foi restringido.
É
tautologicamente impossível tarifas de importações e desvalorizações da moeda
aumentarem o padrão de vida de uma economia, pois, por definição, obrigar a
população a utilizar uma moeda com menor poder de compra e a pagar mais caro
por bens de pior qualidade não são medidas que possam
elevar a qualidade de vida de uma população. Questão de lógica básica.
Pior:
por reduzirem a renda disponível da população — que agora tem de pagar mais
caro pelos produtos nacionais —, tarifas e desvalorizações comprovadamente reduzem investimentos e,
consequentemente, a geração de empregos. Não há mágica.
Mas
tudo piora.
A importância da divisão do
trabalho
Quem
defende o protecionismo como forma de "gerar empregos", além de incorrer em
contradição (a perda de empregos ao redor de toda a economia sempre é maior que a
eventual criação nos setores agora protegidos), parece ignorar uma verdade
simples: a divisão do trabalho em escala mundial — que é, possivelmente, o
mais poderoso conceito econômico do mundo — não apenas não gera desemprego,
como ainda nos permite especializarmos naqueles trabalhos que mais estão de
acordo com nossos talentos.
Imagine
uma ilha quase deserta: se apenas duas pessoas estiverem ali trabalhando e
produzindo, a chegada de mais oito pessoas não
irá fazer com que estes dois habitantes originais fiquem desempregados e sem
nenhuma atividade para desempenhar. Isso atentaria contra a lógica, pois
significaria que a chegada de oito pessoas aboliu a escassez e criou a mais
completa abundância para todos, de modo que não há mais trabalho e produção a serem
feitos, pois todos já vivem na fartura.
Obviamente,
tal raciocínio é completamente desprovido de sentido.
A
realidade, como bem sabe qualquer indivíduo dotado de razão, é oposta: a chegada
destes oito significa que agora dez pessoas irão produzir exponencialmente mais
do que apenas duas, e será assim simplesmente porque o acréscimo de oito
pessoas fisicamente capacitadas para produzir irá permitir que dez possam se
especializar ainda mais naquilo que cada um sabe fazer melhor.
E
aquilo que já funciona bem para dez pessoas em uma ilha quase deserta irá
funcionar ainda melhor para os habitantes de todo o mundo.
Os
nova-iorquinos não estão mais pobres por poderem "importar" comida que foi cultivada
ao redor do mundo. Muito pelo contrário: sua capacidade de importar comida (bem
como todos os tipos de bens e servidos produzidos em outros lugares) significa
que, por causa da divisão mundial do trabalho, cada nova-iorquino pôde se
especializar naquele tipo de trabalho que mais amplifica suas habilidades e
inteligências.
Consequentemente,
sua capacidade de importar bens e serviços se tornou exponencialmente maior.
Quanto
mais livre o comércio, maior a probabilidade de que cada indivíduo se
especialize na produção daqueles bens e serviços que ele é capaz de produzir
com mais eficiência, e em seguida utilize sua renda (alta, por causa da sua
especialização) para importar aqueles bens e serviços que são produzidos de
maneira mais eficiente por outros indivíduos em outras localidades. Um
indivíduo está em melhor situação econômica quando pode se especializar naquilo
que faz melhor e, em decorrência disso, pode importar, ao menor preço possível,
os bens de que necessita.
Quando
os cidadãos podem terceirizar a manufatura de vários bens para outros
indivíduos de outros países, eles podem se especializar em uma miríade de
opções de trabalho: podem ser médicos altamente especializados, financistas,
instrutores de ioga, artistas, cineastas, chefs, contadores e empreendedores do
ramo de tecnologia. Tão rica e com tamanha liberdade de comércio é a
economia, que todos têm opções.
Mais: se as fronteiras de um país são abertas para
os bens e serviços produzidos em todos os pontos do globo, então, por
definição, o poder de compra dos salários desses indivíduos alcança sua máxima
capacidade. Os habitantes deste país estão na privilegiada situação de ter os
indivíduos mais talentosos do mundo trabalhando e produzindo para atender às
suas demandas. Esses indivíduos talentosos estão concorrendo acirradamente
entre eles para fornecer a você as melhores ofertas.
Veja, por exemplo, a pujança da Suíça, dos EUA, da
Alemanha e dos países asiáticos que se abriram ao comércio (como Hong Kong,
Cingapura, Taiwan etc.): a população desses países usufrui o privilégio de ter
as pessoas mais talentosas ao redor do mundo concorrendo entre si para produzir
e ofertar a ela produtos a preços baixos. Países que são abertos ao
comércio internacional têm todos os produtores mundiais ávidos para lhes
fornecer bens e serviços de qualidade e a preços baixos.
Qual a melhor maneira de se aumentar o padrão de
vida senão por meio de uma divisão internacional do trabalho, a qual gera
oferta abundante de bens e serviços a preços baixos?
Em
países de economia aberta, em suma, as pessoas, exatamente por poderem adquirir
bens e serviços fornecidos por estrangeiros que são melhores no suprimento
destes, podem se concentrar naquilo em que realmente são boas. E a especialização
comprovadamente gera aumento da renda individual.
Protecionismo = pobreza
Por
tudo isso, dizer que um país que pratica livre comércio com outro país irá vivenciar
um aumento na fila do desemprego é algo que tem a mesma lógica que dizer que o
acréscimo de milhões de pessoas na mão-de-obra irá reduzir a oferta de bens e
serviços.
Este
ponto é crucial e merece ser enfatizado: a força ideológica mais poderosa na
defesa do protecionismo é o temor de que, com o livre comércio — isto é, com
as pessoas podendo comprar coisas baratas do exterior —, haverá poucos
empregos para os trabalhadores na economia doméstica.
Repare:
o que seria esse temor senão o medo de que o livre comércio irá gerar uma
abundância tão plena, que ninguém mais terá de trabalhar para produzir? O que
seria esse temor senão a noção de que, com o livre comércio, todos os desejos
da humanidade seriam tão completamente satisfeitos, que chegaremos ao ponto em
que não mais seremos úteis em fornecer bens e serviços uns aos outros?
O
temor das pessoas em relação ao livre comércio se baseia em um entendimento
completamente equivocado em relação à realidade do mundo. É um temor de que os
humanos de um determinado país já estão no limiar de abolir a escassez e,
consequentemente, de transformar este país em um ambiente de superabundância.
Algo
completamente irracional.
E tudo piora: nas economias que restringem o livre
comércio, os habitantes, ao não poderem utilizar os frutos do seu trabalho para
adquirir aqueles bens e serviços que são mais bem produzidos por estrangeiros,
acabam sendo obrigadas a desempenhar várias atividades nas quais não têm
nenhuma habilidade. Isolados da divisão mundial do trabalho, eles
trabalham apenas para sobreviver, e não para desenvolver seus talentos. Eles
não podem trabalhar naquilo em que realmente são bons, pois a restrição ao livre
comércio obriga os cidadãos a fazerem de tudo, inclusive aquilo de que não
entendem. Uma pessoa boa em informática, por exemplo, acaba tendo de trabalhar
como operário em uma siderurgia, pois seu governo restringe a importação de
aço, que poderia ser adquirido mais barato de estrangeiros. Engenheiros acabam virando operários de
fábricas.
Se as fronteiras de um país são fechadas, seus
habitantes vivem em um estado de autarquia, podendo consumir apenas aquilo que produzem. As
opções são drasticamente reduzidas. Os preços são maiores, pois o poder de
compra da moeda é menor. A indústria é ineficiente, pois não precisa se
preocupar com a concorrência de estrangeiros. A população nacional se
torna refém do baronato industrial nacional, que tem seus lucros garantidos sem
a contrapartida de uma prestação decente de serviços. Por isso o padrão de
vida em países de economia fechada é tão baixo.
E, como se ainda fosse necessário utilizar este
argumento, o desemprego
é menor naqueles países que praticam
o livre comércio.
Não há pontos negativos
Importações, por definição, sempre melhoram o padrão
de vida dos habitantes de uma economia. Sempre.
E é assim porque, de um lado, elas aumentam a recompensa pelo trabalho, e, de
outro, permitem uma maior especialização da mão-de-obra. Acima de tudo: o livre
comércio é tautologicamente benéfico, pois, se não fosse, os indivíduos simplesmente
não o efetuariam.
Adicionalmente, mesmo em um comércio entre
habitantes de países pobres e habitantes de países ricos, ambos os lados se
beneficiam, pois voluntariamente pagam
menos por produtos, bens de capital (maquinários, computadores etc.) e mão-de-obra
altamente especializada.
Não há pontos negativos neste arranjo.
E, para quem quer um argumento puramente
utilitarista, embora seja verdade que possam ocorrer demissões quando a concorrência
de importados aumenta, é importante levar em conta também os aumentos nas exportações gerados pelo livre comércio. Uma fabricante
de automóveis pode não gostar da concorrência trazida pelos importados, mas
dado que agora os outros países do mundo irão também comprar mais de seus
carros (desde que eles sejam bons, é claro), é manifestamente mais lucrativo
optar pelo livre comércio.
Conclusão
No final, o protecionismo é algo puramente ideológico,
pois se baseia em crenças sentimentais e, acima de tudo, nacionalistas. Se
excluirmos o nacionalismo do arranjo, seria muito difícil argumentar que o
comércio internacional é prejudicial e desvantajoso ao mesmo tempo em que o
comércio doméstico (por exemplo, entre estados e até mesmo entre cidades) é benéfico
e vantajoso.
Com o protecionismo, o que nunca é visto são os indivíduos
que jamais puderam se especializar, a renda disponível que poderia ser mais
alta, os investimentos que nunca ocorreram, as empresas que não puderam surgir,
e, acima de tudo, as criações que "mudam vidas" que jamais puderam ser inventadas.
Você vê apenas a tributação do trabalho e da capacidade de especialização. E tudo
supostamente para o nosso bem.
A lógica é inatacável: uma economia é simplesmente
uma coleção de indivíduos, e cada indivíduo está em melhor situação econômica
quando pode se especializar naquilo que faz melhor e, em decorrência disso,
pode importar, ao menor preço possível, os bens de que necessita.
Por isso, a melhor política sempre será a
eliminação de todas as barreiras à importação. Mesmo que unilateralmente.
E por dois motivos simples e racionais: a abundância sempre deve ser preferida
à escassez; e a especialização sempre deve ser preferida à baixa qualificação.
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