A esta altura, todos já conhecem o roteiro.
Os problemas dos caminhoneiros começaram lá atrás,
ainda em 2010, em decorrência de uma política governamental criada exatamente
com o intuito de ajudá-los.
Mais especificamente, o BNDES começou a conceder empréstimos
subsidiados (com taxas de juros reais negativas) para que empresários
e autônomos comprassem caminhões. Consequentemente, a quantidade de caminhões
circulando explodiu.
Com mais caminhões concorrendo entre si, o preço do
frete caiu. Esse fenômeno — queda no preço do frete — já havia fomentado
a greve
dos caminhoneiros em fevereiro de 2015.
Para aumentar o desespero dos caminhoneiros, as
lambanças na Petrobras (política de preços congelados durante o governo Dilma mais corrupção e desvios) destruíram o capital da empresa. Consequentemente,
ela teve de adotar uma nova política de preços, a qual era explicitamente
voltada para refazer o caixa da empresa.
Sob essa nova política, os preços passaram a aumentar de
forma explosiva.
Porém, como a Petrobras detém o monopólio do refino, todo esse aumento de preços foi
repassado integralmente ao consumidor, algo que seria impossível caso o mercado
de refino fosse concorrencial — como ocorre, por exemplo, nos EUA.
Na prática, portanto, a Petrobras passou a definir
sozinha, em um ambiente monopolista e sem concorrência, o preço dos
combustíveis.
Como consequência, os preços dos combustíveis no Brasil
passaram a bater recordes diários.
Portanto, ficamos assim:
a) de um lado, os subsídios do BNDES para a compra
de caminhões — criados para tentar beneficiar os próprios caminhoneiros —
aumentaram o número de caminhões em circulação e consequentemente reduziram os
preços dos fretes. Isso gerou uma redução nas receitas dos
caminhoneiros autônomos e das transportadoras;
b) de outro, a nova política de preços da Petrobras em
conjunto com o fato de que ela detém o monopólio prático do refino elevou
enormemente os preços do diesel. Isso gerou aumento nas despesas dos
caminhoneiros autônomos e das transportadoras.
Isso culminou na greve que parou
o Brasil na última semana de maio.
O
governo novamente entra em cena - e os caminhoneiros não irão ganhar
Na greve de fevereiro de 2015, uma coisa já era
clara: estímulos e benefícios artificiais haviam gerado efeitos aparentemente
benéficos no curto prazo (caminhões e combustíveis artificialmente mais baratos
para os caminhoneiros), mas cobraram um preço caro no longo prazo (preço do
frete em queda e combustíveis disparando).
Uma medida intervencionista que foi criada com o
intuito de ajudar um setor acabou deixando-o próximo da insolvência.
Dado que de 2015 para cá nada mudou — o preço do
frete continuou baixo e o preço dos combustíveis continuou disparando —, os caminhoneiros
fizeram nova greve nos mês passado.
Desta vez, conseguiram do governo várias medidas,
dentre elas a redução do preço do diesel nas bombas dos postos e o tabelamento
do preço do frete, ou seja, a imposição de um piso para o preço do frete (leia
uma análise de todas as
medidas aqui).
Em tese, a redução do diesel representa uma redução de
custos; já o tabelamento do preço do frete, um aumento de receitas (ou, no
mínimo, uma estabilização das receitas).
Mas a pergunta é: essa redução do preço do litro do
diesel na bomba dos postos, se de fato acontecer, aumentará o lucro dos
caminhoneiros com cada frete contratado?
Eles certamente acreditam que sim. Acredito,
inclusive, que a greve da categoria foi motivada pela ingênua convicção de que
esse será o caso.
Mas a teoria econômica ensina que não há motivos para se crer nisso.
Com efeito, se há algo que o brasileiro já mostrou
que sabe fazer (felizmente!) é contornar decretos econômicos impostos pelo
estado. Acrescente a isso a própria dinâmica inerente a um setor concorrencial
dentro de uma economia de mercado, e você verá que não há por que acreditar que
há espaço para um aumento nos lucros dos caminhoneiros.
Vejamos um exemplo prático.
Digamos que, para transportar uma tonelada por certa
distância, o preço de mercado do frete antes da greve fosse R$ 1.000, e que os
gastos correspondentes com diesel totalizassem R$ 600. Os demais R$ 400 hipoteticamente
restantes remuneravam o trabalho do caminhoneiro, o capital investido no
caminhão, sua manutenção, pedágios, impostos etc.
Agora, suponha que você é um caminhoneiro. Acorda
feliz e inocente acreditando que, em sua próxima viagem, em vez de gastar os R$
600 por tonelada com diesel, gastará somente R$ 500 em razão da redução do
preço do combustível, conseguida
com muito barulho, prejuízo e transtorno.
Ato contínuo, você entra em contato com os seus clientes
tradicionais e se coloca à disposição para transportar a habitual tonelada pelo
familiar preço de R$ 1.000.
No entanto, para sua surpresa e contrariedade, os
clientes alegam que outros caminhoneiros — ansiosos por conseguir o trabalho e
agora com um custo operacional menor por causa da redução do diesel — já estão
dispostos a cobrar, digamos, R$ 910 por tonelada.
Você, surpreso, pergunta aos clientes: mas e a
tabela com frete mínimo?
Eles explicam que a tabela está sendo, sim, formalmente
respeitada, mas que seus colegas ofereceram algumas vantagens e agrados, como:
a) uma viagem grátis a cada onze fretes;
b) carregar uma tonelada a mais gratuita a cada 11
toneladas;
c) devolver R$ 90 por tonelada "por fora";
d) ou outro mecanismo qualquer que lhes permita ter
mais chances de conseguir o trabalho, e que resulte no custo médio por tonelada
transportada de R$ 910.
Esta, vale repetir, é exatamente a dinâmica de uma
economia de mercado em um setor
concorrencial: reduções nos custos tendem a ser repassadas para os clientes
como forma de se tentar manter ou mesmo aumentar a fatia de mercado.
Se não dá para repassar na forma de preços mais
baixos (pois agora há um tabelamento), é possível repassar na forma de "agrados
não-regulamentados".
Com efeito, também é possível recorrer ao famoso "por
fora": o caminhoneiro cobra o preço mínimo tabelado pelo governo, mas devolve por
fora uma parte ao contratante, como forma de conseguir fidelidade ou mesmo de expandir
sua clientela
Em suma, em um mercado concorrencial, há inúmeras maneiras
de se driblar um decreto estatal (quem viveu o Plano Cruzado sabe bem disso) e,
como consequência, aumentar sua fatia de mercado.
Esta, aliás, é a grande ironia: em um mercado
concorrencial, uma intervenção estatal — ao contrário do que imaginam os
leigos — pode fornecer aos mais empreendedores uma oportunidade de aumentar
sua fatia de mercado.
Consequentemente, restam agora a você duas opções
igualmente desoladoras: oferecer o frete por preço igual ou menor que o da
concorrência, ou ficar parado. A mesma situação vale para seus demais colegas.
Contrariado e tendo que ganhar dinheiro para pagar
as suas contas, você também sucumbe ao preço menor, determinado livremente pela
competição entre, de um lado, os caminhoneiros, e de outro, os clientes.
No final, muito barulho, prejuízo, transtorno e destruição das contas do governo por
nada (ou quase nada).
Conclusão
É ingenuidade acreditar que, exatamente em um setor
saturado de oferta (o preço do frete caiu exatamente porque há um excesso de caminhões),
uma redução nos custos não será repassada aos clientes, mesmo que não seja na
forma de uma redução direta de preços.
Essa é a dinâmica de uma economia de mercado em um
setor concorrencial: lucros maiores não são sustentáveis, pois logo atraem a atenção
dos concorrentes.
Com a redução do preço do diesel, aqueles
caminhoneiros e transportadoras mais empreendedores irão repassar essa redução de
custo operacional para seus clientes, tentando assim ganhar fatia de mercado. A
imposição de preços mínimos pode até impedir que o repasse se dê na forma de
uma redução direta de preços, mas há inúmeras maneiras de se contornar isso e conquistar
novas fatias de mercado.
Por isso, não há motivos para crer que os lucros dos
caminhoneiros autônomos e das transportadoras aumentarão — e esse foi o
principal motivo da greve.
Se ao menos o mecanismo de preços sob livre concorrência,
que acaba sempre por repassar aos consumidores a
diminuição de custos dos produtores, também se aplicasse à produção e
distribuição de combustíveis no Brasil...