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É inevitável: sempre que uma categoria profissional faz greve, quem banca as exigências é você

No final, caminhoneiros e transportadoras aumentaram o poder do estado

28/05/2018

É inevitável: sempre que uma categoria profissional faz greve, quem banca as exigências é você

No final, caminhoneiros e transportadoras aumentaram o poder do estado

Não foram poucos os leitores que nos enviaram mensagens exigindo que o IMB se manifestasse a favor da greve (que os defensores chamam de "paralisação") dos caminhoneiros.

Segundo esses leitores, os caminhoneiros estavam se manifestando contra o estado e exigindo a sua redução. Logo, dado que eles eram anti-estado, o IMB deveria se posicionar a favor deles -- como, aliás, fizeram alguns institutos liberais.

O problema é que já somos muito escaldados nessa questão. No Brasil, quando uma categoria profissional faz greve (ou "paralisação", como queiram), ela nunca realmente quer a redução do estado. Ao contrário, aliás: quer mais privilégios garantidos pelo estado.

Esse é a regra: no setor público, categorias fazem greve por aumento salarial e manutenção (ou mesmo ampliação) de mordomias. O pagador de impostos banca as exigências. No setor privado, fazem greve por reserva de mercado, garantia de preços mínimos e isenções (esta última, uma demanda justa, desde que a isenção tributária não seja compensada sobre outros setores, que é o que sempre acontece). O consumidor banca as exigências.

No caso específico dos caminhoneiros e das transportadoras, embora de fato utilizassem um linguajar com sotaque anti-estado, exigindo a redução dos impostos (CIDE, PIS/COFINS e ICMS) sobre o diesel, as reais demandas eram muito mais estatizantes do que libertárias.

E isso ficou comprovado pelas medidas provisórias editadas pelo governo para satisfazer as demandas da categoria. Eis aqui a íntegra do documento que formalizou a ata da reunião dos caminhoneiros com o governo.

Vamos aos principais pontos.

1) Redução de R$ 0,46 no preço do diesel

Os caminhoneiros pediam uma redução entre R$ 0,40 e R$ 0,60. Conseguiram. Mas como será feita essa redução?

De um lado, o governo extinguirá a CIDE e reduzirá o PIS/COFINS que incide sobre o diesel, de R$ 0,46 por litro para R$ 0,35 por litro.

Essa é a única parte boa da notícia. Agora vem a encrenca.

Essa redução de impostos representará apenas R$ 0,16 de redução no preço do diesel. Como o governo prometeu redução de R$ 0,46, ainda faltam mais R$ 0,30. De onde virão?

Exato, de subsídios. O governo repassará dinheiro de impostos para a Petrobras (que, na canetada, reduziu o preço do diesel em suas refinarias) e para importadoras de combustíveis (responsáveis por 20% do consumo interno) para compensar essa queda forçada no preço.

Qual será o custo final de tudo? A extinção da CIDE e a redução do PIS/COFINS gerarão, segundo o próprio governo, uma queda na arrecadação de R$ 4 bilhões. Já os subsídios diretos custarão incríveis R$ 9,5 bilhões.

Ou seja: queda de R$ 4 bilhões na arrecadação e aumento de R$ 9,5 bilhões nos gastos. Isso dá um rombo total de R$ 13,5 bilhões. Que tal?

E como esse rombo será fechado? De concreto, haverá a reoneração da folha de pagamento de 28 setores. Ou seja, o governo irá aumentar o número de setores que voltarão a pagar imposto sobre a folha de pagamento (transportadoras estão excluídas). Esse projeto está tramitando no Senado.

O governo também afirmou que o restante virá da "reserva de contingência do Orçamento e de um forte corte nas despesas". Este último, obviamente, nunca ocorreu na história do país. Gastos nunca são cortados; no máximo, reduz-se seu ritmo de crescimento.

Eis, então, a primeira conquista: controle de preços, aumento do déficit orçamentário e aumento da carga tributária sobre outras empresas.

Nada libertário.

Ah, e de lambuja, o Procon irá fiscalizar se os postos irão realmente repassar às bombas essa queda no preço. Isso é uma espécie de reedição branda dos fiscais do Sarney.

Prossigamos.

2) Edição de Medida Provisória para extinguir a cobrança de pedágio pelo eixo suspenso de caminhões vazios em estradas federais, estaduais e municipais

Essa medida já era válida para as rodovias federais desde 2015. Agora, será também obrigatória para as rodovias estaduais e municipais, inclusive as concessionadas.

Qual o problema com essa medida? Vários. Citarei os três principais.

Para começar, essa medida representa a total abolição do federalismo (se é que ele já existiu no país) e da autonomia de estados e municípios. O governo federal revogou a autonomia de estados e municípios sobre uma determinada questão e simplesmente centralizou uma decisão paroquial em Brasília. Na prática, todas as estradas do país foram federalizadas.

Adicionalmente, tal medida gera uma inevitável incerteza jurídica. Empresas concessionárias que arremataram trechos rodoviários estaduais e municipais sob determinadas condições (como poder cobrar por eixo suspenso) agora, repentinamente, irão operar sob novas regras, definidas pelo governo federal. Houve uma alteração súbita nas regras, uma quebra de contrato, algo que não estava acordado no momento da concessão.

Pela lógica, futuras concessões sairão mais caras, pois as empresas obviamente levarão em conta essa incerteza jurídica.

Por fim, dado que a receita das concessionárias será reduzida por essa medida, é um tanto óbvio que elas irão tentar compensar essa queda na arrecadação aumentando os pedágios sobre motos e carros. A ANTT não irá se opor a esse aumento, o qual será justificado como "reposição inflacionária".

3) Edição de Medida Provisória garantindo que a CONAB (Companhia Nacional de Abastecimento) contrate caminhoneiros autônomos sem licitação para 30% dos fretes

Não tem como disfarçar: isso é reserva de mercado explícita, agora sacramentada por Medida Provisória.

Caminhoneiros autônomos terão agora o direito de transportar 30% dos fretes da Conab, sendo escolhidos sem licitação -- o que, na prática, representa literalmente um cheque em branco.

Apenas para lembrar: a CONAB é uma estatal que, só em 2017, gastou R$ 107 milhões apenas com frete. De agora em diante, a porteira está aberta.

4) Edição de Medida Provisória contemplando o texto do Projeto de Lei da Câmara nº 121/2017, que dispõe sobre a política de preços mínimos de frete em território federal

Essa também não como disfarçar: é uma política de imposição de preços mínimos, cujo efeito é impedir a entrada de novos e pequenos concorrentes. O autor deste projeto de lei é o deputado federal Assis do Couto, do PT do Paraná.

Na prática, o governo federal está dizendo que nenhum frete pode custar menos que o valor estipulado por burocratas em conluio com caminhoneiros e transportadoras. O governo estipular preços mínimos significa a abolição do mais salutar efeito do livre mercado e da livre concorrência, que é exatamente a queda (ou a contenção) de preços.

Mas as consequências são ainda piores: se um caminhoneiro novato estiver tentando entrar no mercado e quiser oferecer preços menores exatamente para tentar se estabelecer e conseguir um nicho, ele agora estará proibido disso, por força de lei. E se, por acaso, ele ainda assim quiser cobrar um preço baixo, poderá ser preso.

De novo: tal medida representa a abolição da livre concorrência, erigindo uma barreira à entrada de novos concorrentes no mercado de transportes. Representa também uma reserva de mercado para os caminhoneiros e transportadoras já estabelecidos.

Desnecessário ressaltar que, havendo agora um piso para o frete, a tendência é que haja uma alta nos preços, principalmente dos alimentos. (Redução no preço do diesel é uma redução de custo, a qual não necessariamente leva a uma redução de preços; redução de preços só ocorre quando há livre concorrência).

Como apoiar isso?

Portanto, eis o resumo da ópera: mais reserva de mercado, imposição de preços mínimos para frete, restrição à entrada de novos concorrentes, mais centralização sob o governo federal, controle de preços do diesel, aumento de subsídios, repasses de dinheiro de impostos para a Petrobras e para importadoras de combustível, aumento do déficit orçamentário (o que implicará aumento da dívida pública) e aumento de impostos sobre outros setores.

É absolutamente impossível apoiar isso.

E, no final, essa era a real pauta dos caminhoneiros e das transportadoras: conseguir benefícios (à custa de quem quer que fosse). O fato de eles terem utilizado um linguajar anti-estado (e, convenhamos, xingar políticos de ladrões já deixou há muito de ser uma postura anti-estado; virou convencional) não oculta o fato de que, na prática, suas exigências eram por mais estado (desde que o estado agora fosse a seu favor) e por menos livre concorrência.

Qual seria uma pauta realmente libertária? Desestatização da Petrobras, liberação efetiva do mercado interno para o refino de petróleo (hoje, a Petrobras comanda 98% do refino no Brasil e não há nenhuma segurança jurídica para a entrada de concorrentes; entenda os detalhes aqui), redução dos gastos do governo, como a abolição de ministérios, agências e secretarias (o que, aí sim, permitiria redução de impostos), abolição das alíquotas de importação de petróleo, e fim das regulamentações sobre a abertura de postos de combustíveis, que são a maior reserva de mercado do país.

E o que fazer para resolver os problemas urgentes gerados pela paralisação? O governo e a ANTT deveriam liberar transportadoras estrangeiras (argentinas, uruguaias, paraguaias, peruanas, colombianas, bolivianas etc). para fazerem fretes aqui dentro, de uma cidade a outra. Embora isso não vá resolver em definitivo o problema, ao menos amenizaria bastante o desabastecimento ao redor do país. Mas isso nunca será feito, pois sempre haverá alguém para invocar a questão da "soberania nacional".

Conclusão

Embora tenham utilizado um linguajar anti-estado (mas que se resumia apenas a slogans surrados, como "parar a roubalheira"), as demandas de caminhoneiros e transportadoras, infelizmente, levaram a um aumento do poder do estado.

Em última instância, como bem disse um leitor, as exigências de caminhoneiros e transportadoras não eram anti-estado; eles apenas queriam que o governo reduzisse os preços do diesel e do pedágio simplesmente porque o alto custo estava afetando seus lucros. Normal. Não há nada de inerentemente libertário nessa postura.

E queriam também, como ficou comprovado, mais reserva de mercado e preço mínimo tabelado. Isso, lamento, é ser pró-estado, e não anti.

E, no final, quem irá bancar todas essas demandas, tanto na forma de impostos e de preços mais altos? Apenas olhe para o espelho.

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Leia também sobre a greve de 2015:

... E os caminhoneiros pensaram que aquilo seria bom para eles

Sobre o autor

Leandro Roque

Leandro Roque é editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

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