No colégio, nunca me ensinaram o que era um oximoro. Tampouco na universidade.
Com efeito, a primeira vez que li essa palavra tive de pesquisar em dicionários
(ainda não havia Google).
Foi aí que entendi que oximoro é quando se juntam
duas palavras que, na realidade, querem dizer coisas exatamente opostas. Exemplos
de oximoro são "o fogo que esfria", "um instante eterno", "socialismo libertário"
e "capitalismo marxista".
Recentemente, voltou ao noticiário outro oximoro que
possui décadas de antiguidade. Trata-se da famosa ideia da "guerra comercial",
que China
e EUA começaram a travar (mas que foi iniciada pelos EUA), e a qual ameaça arrastar
o resto do mundo.
Os conceitos de "guerra" e de "comércio" estão tão distantes,
que dizer que é necessário haver uma 'guerra comercial' (como
o fez Donald Trump) é praticamente o mesmo que dizer que é necessário haver
uma "guerra do amor". Guerra e comércio são conceitos tão opostos, que o mundo
só começou a se civilizar quando substituiu um pelo outro, isto é, quando
deixou de fazer guerras e descobriu as vantagens das trocas voluntárias.
No comércio, ambas as partes envolvidas sempre ganham. Afinal, se a transação comercial
fosse deletéria para ao menos um dos lados, então, por definição, tal transação
simplesmente não ocorreria. No comércio, um lado entrega o dinheiro
(voluntariamente) e o outro lado entrega o produto ou serviço (voluntariamente). E cada lado atribui àquele bem que
está recebendo um valor
subjetivo maior do que àquele bem que está dando em
troca. Não fosse assim, a transação não ocorreria. Por definição.
Logo, dado que cada lado da transação valora mais
aquilo que recebe do que aquilo que está entregando, o comércio beneficia a
todos os envolvidos.
Neste arranjo, também por definição, não há nenhuma "guerra",
mas sim um pacífico acordo voluntário que melhora a situação de todos.
O
temor sem sentido dos déficits comerciais
Por isso, a noção de "déficit comercial" entre
países — algo sempre lamentado
por Trump em seu Twitter — não faz sentido; o que existe é uma população
produzindo e outra população comprando. Os americanos compram mais dos chineses
do que os chineses compram dos americanos. E, até onde se sabe, trata-se de uma
ação completamente pacífica e voluntária. Os americanos voluntariamente compram
produtos fabricados pelos chineses. Ninguém os obriga a isso. Nenhum americano
é coagido a isso. Nenhum americano é agredido por isso.
Assim como você possui um "déficit
comercial" com o supermercado que você frequenta ou com o restaurante em
que você almoça — ambos os quais lhe fornecem bens e serviços em troca do seu
dinheiro —, os americanos possuem essa mesma relação com os chineses, que lhes
fornecem bens e serviços em troca de dinheiro. Não há nenhum problema com este
arranjo.
Porém, segundo Trump, tal relação mútua e pacífica
entre cidadãos americanos (compradores voluntários) e cidadãos chineses
(vendedores voluntários) é deletéria para os EUA e deve ser revertida. Trata-se
do perfeito exemplo da mentalidade mercantilista, que acredita que, em uma
transação comercial, só o lado vendedor ganha, e o comprador só perde.
O curioso é que, se este raciocínio realmente for
levado a sério, jamais deveria haver uma única transação comercial na história
do mundo. Quem iria comprar algo, se comprar é sinônimo de perder?
Este, aliás, é o problema de se ver a economia como
apenas uma massa agregada de números, ignorando o indivíduo. Transações que, em
nível individual, são benéficas para ambos os lados, repentinamente tornam-se
deletérias quando analisadas agregadamente. Algo completamente sem sentido.
Tarifas,
Grande Depressão e a Segunda Guerra Mundial
Se formos analisar a história, os prospectos desta
nascente guerra comercial entre China e EUA não são nada animadores.
Com ambos os países bloqueando suas fronteiras um
para o outro, a tendência é que seus produtores tentem desovar seus produtos em
outros países. Consequentemente, os políticos destes outros países irão querer "proteger"
suas indústrias contra esta desova, aumentando também as tarifas de importação
(em um claro atentado
contra o bem-estar de toda a população consumidora).
E aí as perspectivas se tornam sombrias.
Uma simples viagem pela memória, especificamente de
volta aos anos 1930, nos traz uma imagem fúnebre do que pode potencialmente
ocorrer caso esta guerra comercial se concretize e se espalhe para outros
países.
Logo após a forte queda da bolsa de valores
americana em 1929 — um evento que, por si só, não teria nenhum potencial
depressivo — o então presidente Herbert Hoover acreditou que era necessário
"fazer alguma coisa". Contrariamente às narrativas históricas convencionais, Hoover
recorreu a uma série de
medidas intervencionistas — dentre outras, aumentou gastos, aumentou
impostos, implantou controle de preços e de salários, e estimulou uma
arregimentação sindical de modo a impedir que as empresas baixassem seus preços
— em seus esforços para estimular a economia americana e manter os salários
artificialmente elevados.
De particular relevância para essa atual discussão sobre
tarifas foi a implantação, por lei, da tarifa
Smoot-Hawley, em 1930. De autoria dos senadores Reed Smoot e Willis Hawley, e
sancionada por Hoover, essa medida aumentou as tarifas sobre mais
de 20.000 produtos, elevando a alíquota média das tarifas de importação para
aproximadamente
40%. (À época, mais
de 1.000 economistas fizeram um abaixo-assinado implorando ao presidente Hoover
para que não implantasse a tarifa).
Após a implantação da Smoot-Hawley, países
como Canadá e Itália retaliaram, e implantaram tarifas de importação punitivas
sobre produtos americanos. Isso gerou um efeito dominó, desencadeando várias
guerras comerciais ao redor do mundo, o que resultou em uma queda de
espantosos 66% no comércio mundial entre 1929 e 1934.
Não apenas esse ambiente de guerra comercial exacerbou
a já depressiva situação econômica dos países, como também estimulou o despotismo
irracional e o militarismo que levou à irrupção da Segunda Guerra Mundial.
Após a Segunda Guerra, os políticos aparentemente demonstraram
ter aprendido as lições da desastrosa experiência da Smoot-Hawley, e o mundo
vivenciou um período de crescente abertura comercial, a qual trouxe resultados
comprovadamente positivos.
Mas nada está a salvo para sempre.
O
que conta são os grupos de interesse
Infelizmente, todo e qualquer debate sobre os méritos do livre comércio
e sobre a destruição
e ineficiência econômica
geradas por tarifas de importação
acaba se tornando fútil no mundo real, dominado por políticos e pela política. Ideais
são importantes, mas, no mundo político, elas não têm relevância prática.
No final, a política nada mais é do que o poder de conceder privilégios a
grupos de interesse com boas conexões políticas. A política é o poder de alguns
poucos, por meio de sua maior capacidade de fazer lobby, ganharem à custa dos
concorrentes e dos consumidores. Este poder é viciante e, em relação a ele,
qualquer teoria econômica correta acaba sendo secundária e até mesmo impotente.
Especificamente, tarifas de importação são um
exemplo clássico de rent
seeking — ou "busca pela renda" —, que é a atividade
de conquistar privilégios e benefícios não pelo mercado, mas pela influência
política. Tarifas de importação são implantadas a pedido de poderosos empresários
do setor protegido, e servem exatamente para protegê-los da concorrência externa
e, com isso, permitir que eles elevem preços e sejam mais ineficientes sem
serem punidos pelos consumidores, que agora não mais podem recorrer à
concorrência estrangeira.
Com o protecionismo, empresários poderosos conseguem
uma maneira fácil de obter privilégios e políticos ganham o apoio destes poderosos
empresários, algo que sempre ajuda nas eleições. Esse círculo viciante é aparentemente
inquebrantável e imune a teorias econômicas sólidas.
Como disse Walter Williams:
Os
beneficiários de políticas protecionistas e de políticas de subsídios sempre
são muito visíveis. Já suas vítimas são invisíveis. Os políticos
adoram esse arranjo. E o motivo é simples: os beneficiados sabem em quem
devem votar em agradecimento ao arranjo; já as vítimas não sabem quem culpar
pelo desastre.
Conclusão
No final, guerras comerciais ocorrem para proteger
produtores ineficientes que não estão produzindo bens que atendem aos reais
desejos dos consumidores. É por isso que tais produtores recorrem ao governo
federal: para protegê-los dos concorrentes estrangeiros que são superiores no
fornecimento deste bem específico.
Por isso, o protecionismo nada mais é do que o medo
dos incapazes perante a inteligência e as habilidades alheias. Tal
postura, além de moralmente condenável, por ser covarde, é também extremamente
perigosa.
Foi Bastiat quem alertou: se, em vez de nos
permitirmos os benefícios da livre concorrência e do livre comércio, começarmos
a atuar incisivamente para impedir o progresso de outras nações, não deveríamos
nos surpreender caso boa parte daquela inteligência e habilidade que combatemos
por meio restrições de importações acabe se voltando contra nós no futuro,
produzindo armas para guerras em vez de mais e melhores bens de consumo que
eles querem e podem produzir, e os quais nós queremos voluntariamente consumir.
Quando bens param de cruzar fronteiras, os exércitos
o fazem.
No longo prazo, ninguém ganha com as guerras
comerciais. Todos só perdem. E muito.