Economia
O tamanho não importa: a quebra de gigantes mostra que, no capitalismo, quem manda é o consumidor
Kodak, Nokia, Blockbuster e Toys ‘R’ Us não conseguiram continuar satisfazendo os consumidores
O tamanho não importa: a quebra de gigantes mostra que, no capitalismo, quem manda é o consumidor
Kodak, Nokia, Blockbuster e Toys ‘R’ Us não conseguiram continuar satisfazendo os consumidores
Ela é uma gigante e é considerada uma das varejistas de brinquedos mais famosas do mundo, se não a mais famosa. Agora, no entanto, vai fechar todas as suas 735 lojas nos EUA.
Em comunicado divulgado nesta quinta-feira, dia 15 de março, o presidente da Toys 'R' Us, David Brandon, afirmou: "Estou muito decepcionado com o resultado, mas não temos mais apoio financeiro para continuar com as operações da companhia nos Estados Unidos". A rede opera no país há 70 anos e emprega mais de 30 mil pessoas.
Em setembro de 2017, a varejista já havia entrado com um pedido de recuperação judicial nos EUA, com o objetivo de tentar reestruturar suas dívidas (o que, na prática, equivale a uma proposta para tornar seus credores acionistas). No entanto, de nada adiantou: sem encontrar um comprador ou chegar a um acordo com os credores, a empresa anunciou semana passada a liquidação das unidades norte-americanas, ainda sem detalhes divulgados.
A rede tem também operações em diversos outros países. No Reino Unido, as operações também serão liquidadas, mesmo procedimento que ela prevê para a Ásia, Canadá, Áustria, Suíça e Alemanha. Para as operações em outros países, ela afirma estar com opções em aberto. "O grupo e seus conselheiros vão se esforçar para minimizar o impacto da liquidação nos mercados canadenses e no exterior", disse David Brandon no comunicado.
Ainda em setembro, quando entrou com o pedido de recuperação judicial, a dívida da Toys 'R' Us era de US$ 5 bilhões. Anualmente, a empresa estava gastando mais de US$ 400 milhões para pagá-la, ao mesmo tempo em que não lucrava o suficiente.
Breve histórico
A empresa foi criada em 1948 por Charles Lazarus, aproveitando-se do grande "baby boom" (explosão demográfica) que ocorreu nos EUA após a Segunda Guerra Mundial. Lazarus abriu seu primeiro estabelecimento em Washington sob o nome de Children's Bargain Town.
Em 1957, foi adotado o nome Toys 'R' Us, e foi com ele que a empresa abriu seu capital na bolsa em 1978. Em março de 2005, um consórcio integrado pelos fundos de investimento Kohlberg Kravis Roberts, Bain Capital e Vornado Realty Trust chegou a um acordo para retirar a empresa da bolsa, comprando todas as suas ações por US$ 6,6 bilhões. Em 2013, a empresa abandou seus planos de voltar à bolsa.
Desde então, a empresa veio mantendo um elevado endividamento, o que limitou sua capacidade de investir em planos para crescimento, entre eles o desenvolvimento de seu portal de vendas pela internet.
E isso foi fatal.
Quem manda é o consumidor
Kodak, Nokia, Blockbuster, Toys 'R' Us. Durante décadas, todas essas empresas pareciam imbatíveis e absolutamente dominantes em seus respectivos mercados.
Hoje, no entanto, ou elas já foram absorvidas por outras empresas ou simplesmente declararam falência. A bancarrota da Toys 'R' Us, que por décadas concentrou as demandas de pais e filhos ao redor do mundo, é apenas o mais recente episódio desta história sem fim.
Ao contrário do que muitos afirmam, o capitalismo não é um sistema econômico que privilegia as grandes empresas: o capitalismo é um sistema econômico que expõe todas as empresas -- grandes, médias e pequenas -- a um contínuo processo de concorrência, o qual é orientado pela satisfação das necessidades dos consumidores. Em uma economia capitalista, quem está no comando são os consumidores. São eles que decidem o que comprar, quando comprar, de quem comprar e em qual quantidade. São suas decisões de comprar ou de se abster de comprar que determinam a viabilidade dos empreendimentos.
E, como consequência, somente aquelas empresas capazes de satisfazer, a todo e qualquer momento, as necessidades dos consumidores da melhor maneira possível conseguirão sobreviver neste processo competitivo, não importa qual seja seu tamanho.
Por isso, é um total equívoco imaginar que o capitalismo funciona primordialmente para beneficiar os produtores. Ao contrário: quem está no comando são os consumidores. Consumidores sempre estão interessados apenas em conseguir as melhores barganhas para si próprios. Eles não estão interessados em facilitar a vida dos empreendedores (e nem dos empregados destes empreendimentos).
Consequentemente, quem determina a sobrevivência de empresas, lucros, empregos e salários são os consumidores, e não os capitalistas. Os críticos do capitalismo jamais entenderam isso.
A Kodak, que por décadas reinou absoluta no mercado fotográfico, sucumbiu perante o surgimento das câmeras fotográficas digitais. Ela não soube adaptar seu modelo de negócios aos novos produtos que seus concorrentes haviam começado a oferecer de forma mais eficiente e com melhor custo-benefício do que a própria Kodak. A popularização dos smartphones e suas câmeras fotográficas cada vez melhores enterrou por vez a empresa, que pediu recuperação judicial em 2012.
A Nokia, que era onipresente no mercado de aparelhos celulares no início da década de 2000, sucumbiu ante a chegada dos smartphones. A multinacional finlandesa, que simplesmente dominou o comércio mundial de telefones celulares de primeira geração durante 13 anos, não foi capaz de bater os padrões de qualidade e funcionalidade dos novos aparelhos ofertados por outros fabricantes, como Apple e Samsung. Em 2007, a empresa ainda era a líder mundial na fabricação de celulares e detinha aproximadamente 40% do mercado mundial de telecomunicações. Em 2013, ela era apenas a 274.ª maior empresa mundial.
A Blockbuster, que já foi simplesmente a maior rede de locadoras de filmes e videogames do mundo, sucumbiu perante a chegada dos vídeos por streaming. O surgimento destes serviços tornou totalmente absurda e impensável a ideia de ter de sair de casa e ir a uma videolocadora para poder assistir a um filme. Os serviços de streaming concentraram a demanda doméstica por lazer em provedores como Netflix e Amazon Prime. E os próprios canais de TV a Cabo também adotaram esta tecnologia, como HBO Go, Fox Premium e Telecine Play, mostrando que querem saciar a demanda dos consumidores.
(E, para aumentar ainda mais a ironia da situação, a própria Blockbuster teve a oportunidade de comprar, anos atrás, a Netflix pelo módico preço de 50 milhões de dólares. Declinou. Foi à falência em 2010 e fechou todas as lojas que tinha. Eis aí um grande exemplo de incapacidade de antecipar a demanda dos consumidores.)
Hoje, a Toys 'R' Us sucumbiu perante o varejo online, ou seja, perante o surgimento de novas fórmulas de comercialização de bens e serviços. O crescimento da Amazon tornou obsoleta a fórmula de grandes estabelecimentos físicos ultra-especializados, que sempre foi a fórmula adotada pela outrora gigante norte-americana.
Conclusão
Há vários outros exemplos de grandes sendo impactadas de maneira inclemente. A internet reduziu a demanda dos consumidores pelos grandes jornais tradicionais, que hoje operam no vermelho. A Google alterou completamente a indústria de marketing. Uber, Lyft e Cabify afetaram severamente a demanda pela indústria de táxis.
Para onde quer que você olhe, não importa qual seja o setor da economia (excetuando-se aqueles que são monopólios estatais), você sempre notará os mesmos padrões:
1) Quem, em última instância, determina se uma indústria específica se tornou obsoleta são os consumidores;
2) São os consumidores que, ao mudarem suas preferências de consumo e suas exigências de qualidade, determinam que uma indústria específica que não mais os satisfaz tem de ser ou fechada ou inteiramente remodelada e reestruturada.
Em definitivo, se você é um empreendedor, ou você se adapta aos volúveis e inconstantes gostos dos consumidores e às novas tecnologias disponíveis para satisfazer esses gostos, ou os próprios consumidores farão este serviço por você, expulsando-lhe do mercado e impondo sua falência.
A única garantia de sobrevivência no capitalismo não é o tamanho, mas sim sua superior eficiência em servir os consumidores. Quem não satisfaz os consumidores quebra.
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