Economia
“Justiça social” é apenas um cheque em branco para o poder estatal
E, caso implantada, suas consequências seriam desastrosas
“Justiça social” é apenas um cheque em branco para o poder estatal
E, caso implantada, suas consequências seriam desastrosas
Se você perguntar a dez progressistas o que significa justiça social, você terá dez respostas diferentes. E é assim porque "justiça social" significa qualquer coisa que seus proponentes queiram que signifique.
O "social" é um adjetivo mustelídeo, que confere ao termo "justiça" ampla diversificação de significados.
Quase que sem exceção, sindicatos, universidades, movimentos organizados, instituições de caridade e igrejas clamam que pelo menos uma parte da sua missão é o aprofundamento da 'justiça social'. A própria ONU criou o Dia Mundial da Justiça Social.
Sucintamente, "justiça social" é um código que designa coisas boas em prol das quais ninguém precisa argumentar -- e ninguém ousaria ser contra.
Isso incomodou imensamente o grande economista Friedrich Hayek. Eis o que ele escreveu ainda em 1976, dois anos após ganhar o Prêmio Nobel de Economia:
'Justiça social' é uma das expressões mais enganosas (e talvez por isso mesmo mais frequentemente usada) do discurso político contemporâneo. Com efeito, trata-se de uma miragem, uma fórmula ilusória que, por conter atrativos quiméricos, é constantemente utilizada pelos políticos para conseguir que uma determinada pretensão seja considerada plenamente justificada sem ter de dar razões morais para sua adoção.
Passei a acreditar que o maior serviço que ainda posso prestar aos meus semelhantes é o de fazer com que oradores, políticos, escritores, jornalistas e todos os pensadores responsáveis venham a sentir, para sempre, total vergonha de empregar a expressão 'justiça social'.
Por que Hayek se sentiu tão incomodado por uma expressão que possui uma conotação tão positiva e tão incontestável? Porque ele conseguiu enxergar, como frequentemente o fazia, perfeitamente o cerne da questão. E o que ele viu o assustou.
Hayek entendeu que por trás do oportunismo político e da preguiça intelectual do termo "justiça social" há uma perniciosa alegação filosófica: a de que a liberdade deve ser sacrificada em prol da redistribuição de renda.
Em última instância, "justiça social" se resume ao estado acumular poderes cada vez maiores com o intuito de "fazer coisas boas". E o que seriam essas "coisas boas"? Tudo aquilo que os defensores da justiça social decidirem esta semana.
Mas, em última instância, sempre está a causa da redistribuição de renda.
Por isso, em termos gerais, pode-se dizer que, para os progressistas, justiça social seria um sinônimo de "igualdade econômica". Progressistas tendem a se ver como guerreiros em prol das igualdades raciais, de gênero e econômica. A igualdade econômica é exatamente aquilo que passou a ser rotulado "justiça social".
Começam as contradições
Mas seria realmente a igualdade econômica sinônimo de justiça social?
Para começar, o ato de impor a igualdade é uma medida, por definição, totalmente contraditória. Afinal, se todos são iguais, então quem terá o poder de impingir a igualdade? E esses que usufruírem o poder de impor e manter essa igualdade, como poderão ainda ser considerados iguais a todo o resto? A imposição de uma igualdade requer uma desigualdade ainda maior.
Com efeito, quão realmente importante é a igualdade econômica? Por exemplo, quem está em melhor situação: uma criança de família rica nascida com severas deficiências mentais ou físicas, ou uma criança saudável filha de pais pobres? Como essa "injustiça cósmica" pode ser resolvida por meio da igualdade econômica?
É possível criar uma infinidade de perguntas que mostram as inevitáveis contradições lógicas geradas ao se definir justiça social como sinônimo de igualdade econômica.
Mas piora.
A busca por justiça social, por definição, equivale a beneficiar um determinado segmento da população e a desconsiderar os interesses de todos os outros indivíduos que não se encaixam neste grupo, mas que ainda assim serão obrigados a arcar com preço das decisões tomadas. Tal procedimento necessariamente envolve tratar as pessoas de maneira desigual.
Por isso, os custos de se alcançar essa almejada justiça social são cruciais. Afinal, o que é uma injustiça senão uma arbitrária imposição de um custo -- seja ele econômico, psicológico ou outro -- sobre uma pessoa inocente? E, se corrigir essa injustiça significa impor outro custo arbitrário sobre outra pessoa inocente, também não seria isso uma injustiça?
Por último, a questão mais básica de todas: para que tal igualdade econômica seja alcançada, um grupo com desigualdade de poder (o estado) terá o privilégio de confiscar dos bem-sucedidos e redistribuir aos que "ficaram para trás", até que todos fiquem iguais. O sucesso, por definição, terá de ser punido. Consequentemente, a imposição da igualdade econômica significa a abolição da liberdade.
Logo, sendo a liberdade a antítese da igualdade, não seria um tanto ilógico acreditar que seria possível manter uma economia funcionando sem liberdade? O padrão de vida de todos -- ricos e pobres -- iria despencar. E aí a tão almejada igualdade econômica dar-se-ia perante a igualdade da pobreza.
São perguntas às quais ninguém nunca respondeu com honestidade.
Entra a ONU - e piora tudo
De acordo com a doutrina da Justiça Social, quem tem dinheiro tem muito dinheiro, e quem tem pouco dinheiro não tem dinheiro e precisa de mais dinheiro. E não, isso não é uma caricatura. É exatamente assim que um relatório da ONU sobre Justiça Social define o termo:
Justiça social pode ser amplamente entendida como a justa e misericordiosa distribuição dos frutos do crescimento econômico. A justiça social não é possível sem fortes e coesas políticas redistributivas concebidas e implantadas por agências públicas.
Vale a pena repetir essa parte: "fortes e coesas políticas redistributivas concebidas e implantadas por agências públicas".
Assim, justiça social é quando o governo toma o seu dinheiro, ganhado honestamente por meio do seu trabalho e com o suor do seu próprio rosto, e o entrega para terceiros escolhidos pelo próprio governo. Já se você simplesmente quiser manter para si esse dinheiro, isso é uma intolerável demonstração de ganância.
Isso levou o grande Thomas Sowell a fazer sua afirmação antológica: "Nunca entendi por que é 'ganância' querer manter para si o dinheiro que você ganhou com o suor do próprio rosto, mas não é ganância querer tomar o dinheiro dos outros".
E piora.
O relatório prossegue e diz que: "aqueles que hoje acreditam em uma verdade absoluta identificada com a virtude e a justiça não são companhias desejáveis para os defensores da justiça social."
Tradução: se você acredita que verdade e justiça são conceitos independentes da agenda progressista, então você é um inimigo declarado da justiça social.
O mais curioso é que os maiores proponentes da redistribuição de renda são os primeiros a não se submeter a ela, como bem comprovou o caso dos "Panama Papers", em que se descobriu que proeminentes políticos defensores da redistribuição de renda enviaram seu dinheiro para paraísos fiscais, protegendo-o da própria redistribuição que defendem.
Isso deu ainda mais significado àquele antigo provérbio, que diz que "Muitos dos interessados na distribuição do bolo querem sobretudo o controle da faca".
A condenação da liberdade
Na prática, defensores da justiça social querem que todo e qualquer infortúnio, aflição ou desejo econômico seja resolvido por mais um programa governamental criado especificamente para remediar esse infortúnio, essa aflição ou esse desejo econômico.
A "justiça social" -- como ratificada pela ONU -- atribui ao governo e seus burocratas a responsabilidade suprema pelo bem-estar de cada indivíduo, tornando os funcionários públicos juízes supremos dos direitos individuais. Ela coloca os políticos no centro da ordem econômica.
Legisladores aprovam leis econômicas, governantes adotam as regulações, os juízes as adjudicam, e os cobradores de impostos e a polícia as impingem. O dinheiro assim coletado pode ser alocado tanto para a redistribuição de renda, quanto para a saúde quanto para universidades quanto para uma grande indústria que está em dificuldade e precisa de subsídios para "manter os empregos". Tudo é uma forma de justiça social.
Em cada um desses casos, a "justiça social" leva a uma expansão dos poderes do governo, dos políticos e dos funcionários públicos, tornando todos esses os principais beneficiários do sistema.
O ponto subjacente à justiça social, portanto, se resume a uma impetuosa e radical condenação da sociedade livre. À medida que as regulamentações e os poderes do estado se expandem, e o confisco da renda aumenta, a liberdade do indivíduo encolhe.
Conclusão
Justiça social é, na melhor das hipóteses, simplesmente um conceito moral, e não um conceito jurídico. Pessoas que voluntariamente doam para instituições de caridade, ou que fazem elas próprias os atos caritativos, são capazes de fazer os necessários julgamentos morais sobre quem realmente merece sua ajuda e misericórdia. Já o governo -- que nada mais é do que uma máquina burocrática que toma dinheiro de uns para repassar a outros -- simplesmente não tem como fazer o mesmo.
Consequentemente, se realmente queremos ajudar aos outros, deveríamos nós mesmos fazer o serviço. E se o governo quiser ajudar, ele deveria fornecer mais abatimentos fiscais ou mesmo isenções para pessoas que fazem caridade. Mesmo com as (poucas) deduções de hoje, ainda é muito caro fazer doações caritativas.
Mas os justiceiros sociais não defendem isso, pois são contra toda e qualquer redução de impostos para aqueles que eles chamam de "os ricos".
No final, a invocação da justiça social sempre parte do princípio de que "as pessoas certas" -- alguns poucos ungidos -- podem simplesmente impor a justiça, a prosperidade e qualquer outra "coisa boa" que você puder imaginar. E a única instituição capaz de impor a justiça social é o estado.
Os auto-declarados defensores da justiça social acreditam que o estado pode, e deve, remediar tudo aquilo que eles julgam estar errado com o mundo. Qualquer um que discorde se torna automaticamente um inimigo de tudo aquilo que é bom, belo e moral.
Consequentemente, o estado -- ou seja, os políticos -- deve coagir esses desalmados a agir de acordo com o que é "socialmente justo". E isso, como Hayek já havia profetizado, não mais é uma sociedade livre.
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