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Economia

Antes de Trump, Bush e Obama também elevaram algumas tarifas de importação. Eis as consequências

Para quem entende de economia, nenhuma surpresa

06/03/2018

Antes de Trump, Bush e Obama também elevaram algumas tarifas de importação. Eis as consequências

Para quem entende de economia, nenhuma surpresa

Um fabricante nacional de roupas quer vender um terno por $200. Mas ele não consegue vender por esse preço porque os consumidores podem comprar um terno praticamente idêntico produzido por uma manufatura estrangeira por $160.

Sendo assim, ele tem duas opções: ou ele aprimora seu processo de produção, cortando custos e aumentando sua eficiência, ou ele recorre ao governo e faz lobby para encarecer artificialmente o preço do terno estrangeiro.

A segunda opção é sempre a mais fácil e, logo, a preferida.

Ato contínuo, o governo, muito comovido com a situação deste fabricante nacional, impõe uma tarifa de 35% sobre os ternos estrangeiros, o que eleva seu preço para $216.

O que acontecerá com suas chances de agora conseguir vender seu terno por $ 200? Exato, aumentarão enormemente.

Mais: quem realmente arcará com o fardo da tarifa? Correto de novo: o consumidor, que agora pagará $40 a mais por um terno. (Encarecimento de 25%).

Pior ainda: gastando mais com ternos, estes consumidores terão menos dinheiro para gastar em outras áreas da economia. O que acontecerá com as receitas destes setores? E com os empregos? Isso mesmo, acertou de novo.

O aço de Trump

Na quinta-feira, 1º de março, o governo Trump anunciou planos de impor uma tarifa de importação de 25% sobre o aço e outra de 10% sobre o alumínio.

Obviamente, o efeito mais imediato destas tarifas -- aliás, esta é exatamente a intenção -- é encarecer artificialmente o preço do aço e do alumínio importados, tornando assim o produto nacional mais competitivo.

Isso, em tese, seria bom para as indústrias americanas produtoras de aço e alumínio, que agora voltariam a ter uma fatia de mercado. Igualmente, os trabalhadores deste setor, agora protegidos da concorrência externa, também poderão manter seus empregos.

Mas aí surge o primeiro problema: há aproximadamente 200.000 de trabalhadores nas indústrias de aço, alumínio e ferro. E há nada menos que 6,5 milhões de trabalhadores empregados em indústrias que utilizam aço e alumínio como matéria-prima para seus produtos -- empresas que fabricam de tudo, desde caminhões, automóveis e maquinários pesados até latas de cerveja e aramados para galinheiro.

Essas empresas terão de arcar com preços maiores para suas matérias-primas, o que obviamente afetará sua lucratividade e, consequentemente, o próprio emprego de seus trabalhadores.

Acima de tudo, os 154 milhões de americanos que trabalham e consomem serão os grandes atingidos, pois agora todos os produtos que utilizam aço e alumínio em sua composição terão sua produção encarecida, o que significa que ao menos uma parte deste encarecimento será repassada aos preços.

Portanto, logo de partida, já se vê que a ideia de aumentar tarifas para proteger empregos em um setor específico irá, inevitavelmente, afetar empregos em vários outros setores, além do próprio bem-estar de toda a população. Serão 200.000 beneficiados contra 154 milhões prejudicados. O público verá as pessoas empregadas nas siderúrgicas graças às tarifas de importação, mas não verá as pessoas demitidas (ou que não mais conseguirão empregos) em todas as outras indústrias que utilizam aço e alumínio como matéria-prima.

No final, uma tarifa de importação nada mais é do que uma política intervencionista cujo objetivo supremo é criar escassez artificial com o objetivo de beneficiar exclusivamente uma ínfima minoria de empresários e empregados de um setor específico em detrimento de todo o resto da população empreendedora e consumidora.

Nada de novo - Bush e Obama já estiveram lá

Em março de 2002, o então presidente George W. Bush impôs uma tarifa de 30% sobre o aço chinês. O objetivo, obviamente, era proteger empregos no setor siderúrgico.

Só que havia um problema: o número de trabalhadores que utilizam aço como matéria-prima é muito maior do que aqueles que produzem aço.

Os resultados dessa tarifa foram caóticos, embora totalmente previsíveis pela teoria econômica.

Segundo uma extensa pesquisa realizada por um conglomerado de indústrias de bens de consumo, as tarifas contra a China aumentaram os preços do aço (óbvio) e, como consequência, eliminaram 200.000 empregos naqueles setores que compram aço para usar em seus processos de produção.

À época, esses 200.000 empregos eliminados da economia eram mais do que o número total de pessoas que trabalhavam nas siderúrgicas, e representaram US$ 4 bilhões em salários perdidos.

Eis as conclusões do estudo:

  •  200.000 americanos perderam seus empregos em decorrência do aumento dos preços do aço em 2002. Esses empregos perdidos representaram aproximadamente US$ 4 bilhões (US$ 5,5 bilhões em valores atualizados) em salários perdidos de fevereiro a novembro de 2002.
  •  Um em cada quatro (50.000) destes empregos perdidos foi nos setores de produção de metais, de maquinários, de equipamentos e de transportes, bem como no de peças de reposição.
  •  O número de empregos eliminados cresceu continuamente ao longo de 2002, chegando a um pico de 202.000 empregos em novembro.
  •  O número de americanos que perderam seus empregos em 2002 em decorrência do encarecimento do aço foi maior que o número total de empregos nas próprias siderúrgicas (187.500 americanos estavam empregados nas siderurgias americanas em dezembro de 2002).
  • Clientes que consumiam produtos fabricados com aço americano trocaram de produtos e passaram a consumir mais estrangeiros, uma vez que o aço americano, protegido da concorrência, tornou esses produtos menos confiáveis e mais caros. Algumas empresas, incapazes de aumentar seus preços em decorrência do maior custo do aço, tiveram elas próprias de absorver todo o aumento de custos de produção, o que as deixou em situação financeira precária.

Felizmente, em dezembro de 2003, Bush teve um lampejo de bom senso e aboliu essa tarifa, a qual só causou estragos à economia. Não coincidentemente, a recuperação econômica veio em 2004.

Entra em cena Obama, que aparentemente não aprendeu nada com seu antecessor.

Em 2009, ele impôs uma tarifa de 35% sobre pneus chineses. O motivo foi o mesmo de sempre: as fabricantes americanas estavam reclamando de "concorrência desleal" dos chineses.

Em janeiro de 2012, o próprio Obama se gabou dizendo que "mais de 1.000 americanos têm um emprego hoje porque interrompemos esse surto de pneus chineses". Estima-se que 1.200 empregos na indústria americana de pneus foram protegidos por essa tarifa.

Mas, como sempre na economia, há o que se vê e o que não se vê.

De acordo com este completo e aprofundado estudo do Peterson Institute for International Economics (reconhecido até mesmo por fontes de esquerda), essas tarifas obrigaram os americanos a pagar US$ 1,1 bilhão a mais por pneus americanos.

Ou seja: embora 1.200 empregos tenham sido protegidos na indústria americana de pneus, o custo por emprego mantido foi de impressionantes US$ 900.000 naquele ano.

Mais ainda: segundo o Bureau of Labor Statistics [o IBGE americano], o salário médio anual de pessoas que trabalhavam na indústria de pneus era de US$ 40.070. 

E piora: como os consumidores americanos tiveram de pagar US$ 1,1 bilhão a mais em pneus, eles não puderam usar esse dinheiro para comprar bens e serviços de outros setores. Consequência? Aproximadamente 4.000 americanos (3.731, para ser mais exato) perderam seus empregos nestes setores.

Ou seja: 1.200 empregos salvos a um astronômico custo de US$ 900.000 por emprego versus 3.731 empregos destruídos pela tarifa.

E um adendo: a maior parte do US$ 1,1 bilhão a mais que os americanos pagaram em decorrência dos pneus mais caros não se traduziu em aumentos salariais para os trabalhadores da indústria de pneus. Segundo o estudo do Peterson Institute, apenas 5% deste valor foi para o bolso dos empregados. Os 95% restantes viraram bônus corporativos.

Tarifas servem para isso mesmo.

Assim com Bush, Obama também acabou tendo um lampejo de bom senso, e seu governo aboliu a tarifa em 2012.

Conclusão

Tentar salvar empregos impondo tarifas e limitando as escolhas dos consumidores acaba simplesmente destruindo ainda mais empregos. O resto da população paga preços maiores por tudo, e empregos são perdidos em outros setores.

E se você levar em consideração que outros países podem, em retaliação, impor tarifas sobre todos os seus produtos, o desemprego tenderá a ser várias vezes maior.

Encarecer artificialmente os bens importados de outro país nada mais é do que um presente para lobistas poderosos, à custa de toda a população. 

No final, tarifas de importação fazem exatamente o que prometem: protegem os produtores domésticos (uma ínfima minoria), blindando-os da concorrência e permitindo que eles elevem preços e sejam mais ineficientes sem serem punidos pelos consumidores, que agora não mais podem recorrer à concorrência estrangeira.

Como diz o ditado: sim, tarifas protecionistas protegem as empresas nacionais. Protegem de quem? Dos consumidores.


Sobre o autor

Mark Perry

É pesquisador do American Enterprise Institute e professor de economia e finanças na Universidade de Michigan.

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