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Economia

Os céticos estão errados: o valor intrínseco do Bitcoin não é zero

Há uma forte razão para se demandar Bitcoins hoje

19/12/2017

Os céticos estão errados: o valor intrínseco do Bitcoin não é zero

Há uma forte razão para se demandar Bitcoins hoje

Um Bitcoin já está valendo quase US$ 17.000. Mas qual é o preço justo ou razoável do Bitcoin?

A pergunta, por si só, deveria ser fácil de ser respondida: o valor intrínseco (ou fundamental) de qualquer ativo financeiro é encontrado quando trazemos ao valor presente seus fluxos de caixa futuros.

Se, por exemplo, esperamos que um título nos pague $1.000 ao ano durante os próximos 10 anos, então seu preço justo será o valor equivalente, à data de hoje, destes fluxos anuais de $1.000 durante os próximos dez anos. Assim, se usarmos uma taxa de juros de 5% ao ano como fator de desconto, o preço justo desse título hoje seria de $7.721.

Entretanto, com o Bitcoin não podemos aplicar esta regra por uma razão muito simples: o Bitcoin não apresenta fluxos de caixa futuros. Assim como ocorre com o ouro, o Bitcoin não promete entregar nada a seu proprietário: a única razão para sua demanda é para revendê-lo mais adiante.

Em aparência, portanto, estamos diante da receita perfeita para a criação de uma bolha de expectativas autoalimentadas: compro hoje esperando que suba de preço amanhã; e os aumentos de preços atuais reafirmam minha expectativa de que amanhã continuará subindo de preço.

É por esta razão, com efeito, que alguns economistas afirmam que o preço sensato do Bitcoin é zero.

Mas o problema com esta explicação é que ela equipara duas proposições que parecem idênticas, mas que estão longe de realmente o serem: em específico, o fato de o "Bitcoin carecer de fluxos de caixa" não significa que "o Bitcoin carece de utilidade".

As utilidades do Bitcoin

Com efeito, o Bitcoin pode proporcionar utilidade a seu portador pela facilidade de revendê-lo no futuro a custos de transação muito mais baixos que os de outros ativos. Recorrendo ao próprio Keynes (em seu famoso capítulo 17 de A Teoria Geral), vale lembrar que todo ativo pode proporcionar dois tipos de vantagens a seus detentores: de um lado, um retorno explícito (por exemplo, fluxos de caixa); de outro, um retorno implícito na forma de serviços de liquidez (a utilidade vinculada à sua disponibilidade imediata).

Os ativos monetários tendem a proporcionar um retorno explícito de aproximadamente zero, mas um considerável retorno implícito na forma de liquidez imediata para efetuar trocas minimizando os custos de transação. Este é o motivo que leva os agentes econômicos a manterem parte de seu patrimônio na forma de ativos monetários: estão dispostos a abrir mão dos retornos explícitos que lhes proporcionariam os ativos financeiros em troca de usufruírem o retorno implícito -- em forma de liquidez -- que lhes proporcionam os ativos monetários.

O Bitcoin carece de retornos explícitos, mas de fato possui um forte retorno implícito na forma de liquidez. É fato que, em termos gerais, a liquidez do Bitcoin é, por ora, muito menor que as do dólar ou do euro, mas esse não é um motivo suficiente para que os agentes concentrem toda sua demanda por liquidez em dólares ou euros em detrimento do Bitcoin. E essencialmente por dois motivos:

1) de um lado, a liquidez do Bitcoin está crescendo conforme mais pessoas passam a aceitar a moeda como meio de pagamento e conforme a volatilidade de seu preço vai se reduzindo (em 2017, a volatilidade voltou a ser significativa, mas a tendência continua a ser de queda, e é hoje muito menor do que era em 2011 e 2012);

2) de outro, a liquidez do Bitcoin em determinados contextos já é maior que a do ouro ou do dólar devido às suas características e propriedades distintivas: por exemplo, é possível efetuar transações internacionais sem ter de passar pelo sistema bancário e, consequentemente, sem deixar um rastro facilmente seguido e fiscalizável pelos governos.

Consequentemente, em determinadas situações já faz sentido demandar Bitcoins como ativos monetários em detrimento até mesmo do dólar e do euro: seu rendimento implícito na forma de liquidez já é positivo. E se seu rendimento implícito é positivo, então seu valor intrínseco simplesmente não pode ser zero.

Dito isso, devo dizer que considero um tanto duvidoso que os preços atuais do Bitcoin possam ser justificados pelos serviços que a criptomoeda já seja capaz de oferecer (muito embora esteja aberto para que me convençam do contrário). O Bitcoin é útil, mas, ao menos hoje, não é tão útil ao ponto de justificar um valor mercado de 250 bilhões de dólares, valor este que supera os da Coca-Cola, Boeing, General Electric e Walmart.

O preço do Bitcoin ainda pode triplicar

Mas por acaso isso significa que o preço atual do Bitcoin está fadado a desmoronar? Não necessariamente (assim como não estava quando superou o preço de 10 dólares, de 100 dólares, ou de 1.000 dólares), pois é aqui que entra em jogo a especulação sobre o futuro do Bitcoin: muitos que estão investindo hoje na criptomoeda não o estão fazendo pelo serviço de liquidez que ela proporciona, mas sim pela expectativa de que os usuários finais do Bitcoin continuarão aumentando.

Ou seja, muitos dos investidores em Bitcoin estão simplesmente especulando quanto ao papel que desempenhará o Bitcoin na economia globalizada de amanhã. Talvez esses especuladores estejam equivocados e, conforme vão se dando conta de seus erros, desfaçam suas posições e, com isso, derrubem o preço do Bitcoin. Mas talvez esses especuladores estejam certos (nos últimos sete anos, eles não se deram nada mal) e a demanda final por Bitcoin -- como provedor de serviços de liquidez -- continuará aumentando.

Por exemplo, se, no futuro, a comunidade mundial de usuários de Bitcoin tiver um tamanho similar à comunidade de usuários do iene japonês (os japoneses representam menos de 2% da população mundial e o iene constitui aproximadamente 4% das reservas monetárias internacionais), então os preços atuais do Bitcoin podem mais do que triplicar.

Por acaso seria desarrazoado dizer que, em 10 ou 20 anos, mais de 2% da população mundial irá utilizar habitualmente o Bitcoin como um de seus ativos monetários de referência? Eu não diria que este cenário seja inevitável, mas de modo algum diria que ele é improvável. E, se não é improvável, então os especuladores com uma visão de mais longo prazo estão fazendo muito bem estimular o Bitcoin.

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Valor total de cédulas e moedas metálicas em circulação (em bilhões de dólares). Fonte: Elaboração feita pelo InsiderPro com dados do Banco de Compensações Internacionais

Otimistas e pessimistas concordam em um ponto

Obviamente, nem todos os especuladores compartilham essa visão de longo prazo. Muitos dos que entraram recentemente na onda do Bitcoin provavelmente estejam apenas em busca de ganhos de curtíssimo prazo e, consequentemente, irão desfazer suas posições quando o preço do Bitcoin se estabilizar ou mesmo cair (isso já ocorreu em várias ocasiões no passado e certamente vai ocorrer de novo). Entretanto, esse é um problema meramente secundário para a viabilidade de longo prazo desta criptomoeda.

Depois desta eventual correção, permanecerão aqueles que almejam o longo prazo. E é aí que temos de concentrar nossa atenção: somente se todos acreditarem que o projeto do Bitcoin está inevitavelmente condenado ao fracasso, que jamais virá a servir para articular nenhuma comunidade ampla de transações, e que, em consequência, ninguém mais irá demandar a criptomoeda como ativo monetário líquido, então seu valor intrínseco acabará sendo zero.

Esta é a tese, por exemplo, do ex-economista chefe do FMI Kenneth Rogoff, para quem os governos acabarão abatendo o Bitcoin e lhe subtraindo toda a utilidade monetária que possa chegar a ter. Entretanto, perceba que o argumento de Rogoff não é que o Bitcoin seja inútil hoje, mas sim exatamente o contrário: o Bitcoin, à medida que permite burlar a fiscalização dos governos, é tão extremamente útil como dinheiro, que os governos acabarão usando toda a sua artilharia coercitiva para tornar a criptomoeda inútil.

Com este prognóstico, Rogoff está especulando quanto ao futuro do Bitcoin exatamente como o fazem todos os demais especuladores altistas da criptomoda: o primeiro aposta em um futuro sombrio para o Bitcoin ao passo que os últimos, em um futuro brilhante. (A diferença, no entanto, é que os especuladores altistas investem seu capital no Bitcoin ao passo que Rogoff não tem nenhuma "pele em jogo").

Em todo caso, nenhum discorda que o Bitcoin tem potencial como ativo monetário, e que, exatamente por isso, seu valor intrínseco não pode ser zero atualmente.

Conclusão

Em definitivo, aqueles que seguem prognosticando a inexorável queda do valor do Bitcoin, o inevitável estouro de sua "bolha" de preços, continuam sem entender que o Bitcoin é um ativo monetário e que, portanto, seu valor não segue os mesmos critérios convencionais do resto dos ativos financeiros.

O que se busca nos ativos financeiros convencionais são fluxos de caixa futuros (os quais receberão valorações distintas no presente de acordo com o prazo de duração, a taxa de juros e os riscos envolvidos). Já nos ativos monetários, ao contrário, busca-se liquidez, e o Bitcoin possui propriedades consideradas muito boas para proporcionar essa liquidez a seus detentores.

Obviamente, caso o Bitcoin, como ativo monetário incipiente que ainda é, acabe fracassando quando chegar o momento de ser usado para estruturar uma estável e eficiente comunidade de pagamentos global, aí sim haverá uma desmonetização e seu valor despencará.

Entretanto, que o Bitcoin possa fracassar não é o mesmo que dizer que ele necessariamente irá fracassar. E exatamente porque, até o momento, ele não fracassou, e também porque tampouco há razões de peso para afirmar que seu inevitável destino é o fracasso, não é possível sentenciar arrogantemente que seu valor intrínseco é zero.

O Bitcoin é uma startup monetária e, como toda startup com um potencial gigantescamente disruptivo, seu triunfo proporcionará um elevadíssimo retorno a quem apostou nela. Caso contrário, se fracassar, seus investidores perderão seu capital investido. Em todo caso, dado o uso que já está ocorrendo e todo aquele que ainda pode vir a ocorrer como ativo monetário, o que todos deveríamos ter muito claro é que seu valor intrínseco não é zero.

 

Sobre o autor

Juan Ramón Rallo

É diretor do Instituto Juan de Mariana e professor associado de economia aplicada na Universidad Rey Juan Carlos, em Madri.

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