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Economia

Como as regulações estatais prejudicam os pequenos, protegem os grandes, e afetam os consumidores

Não há um único setor da economia livre deste esquema

20/09/2017

Como as regulações estatais prejudicam os pequenos, protegem os grandes, e afetam os consumidores

Não há um único setor da economia livre deste esquema

Suponha um grupo de reguladores cuja função é fazer inspeções sanitárias e garantir credenciamento de empresas alimentícas. Eles fiscalizam tanto as grandes quanto as pequenas empresas para ver se elas estão cumprindo todas as normas impostas pela agência reguladora.

Tais normas, por definição, acarretam vários custos para todas as empresas.

Só que, logo de partida, já está óbvio que tal regulação é positiva para as grandes empresas: dado que as regulações representam um custo, as pequenas terão mais dificuldade de arcar com elas do que as grandes, que possuem muito mais capital. Logo, essas regulações afetam a capacidade das pequenas de concorrer com as grandes.

Mas tudo piora.

As grandes empresas, exatamente por terem mais dinheiro, poderão perfeitamente fazer conchavos com os fiscais (por meio de subornos diretos e outros agrados), e com isso ganhar um passe-livre da fiscalização e ainda assim serem credenciadas. Já as pequenas não terão essa mesma capacidade e poderão até mesmo ser descredenciadas.

Assim, as grandes conseguem uma segunda vantagem: elas não apenas se livraram da fiscalização, como ainda conseguiram manter as pequenas estritamente fiscalizadas (e até mesmo descredenciadas).

No final, quais as consequências? As grandes pagaram para se livrar da fiscalização, as pequenas foram sufocadas pela fiscalização, criou-se um oligopólio das grandes empresas, a população pagou impostos para bancar todo esse programa de fiscalização, e os preços acabaram sendo mais altos do que poderiam ser, pois tanto as grandes quanto as pequenas incorrerem em custos para lidar com essa fiscalização.

Quem realmente ganhou? As grandes empresas e os fiscais. Quem perdeu? As pequenas empresas e os consumidores.

Este exemplo acima pode ser replicado em toda e qualquer área da economia, e de diferente maneiras.

No setor bancário, as regulamentações impostas pelo Banco Central impedem a vinda de bancos estrangeiros e o surgimento de bancos pequenos ao mesmo tempo em que garantem uma reserva de mercado para os grandes bancos já estabelecidos.

No setor de telecomunicações, as regulações da ANATEL protegem as quatro empresas telefônicas já estabelecidas e criam barreiras artificiais ao surgimento de novas empresas do setor, bem como a vinda de empresas estrangeiras para cá. Sem a ANATEL, toda e qualquer empresa de telecomunicação, internet e TV a cabo do mundo estaria livre para vir para cá. Essa maior concorrência derrubaria as tarifas (no Brasil estão entre as mais caras do mundo) e fariam os serviços melhorar espetacularmente. Empresas que reconhecidamente prestam serviços de qualidade nos mercados internacionais -- como a AT&T, Vodafone, Verizon, T-Mobile, Orange -- estariam livres para chegar aqui amanhã.

No setor aéreo, as regulamentações da ANAC garantem uma reserva de mercado para as empresas nacionais já estabelecidas. Quem tentar criar uma empresa para concorrer com elas será barrado (a menos, é claro, que você tenha boas conexões políticas). Igualmente, empresas estrangeiras são proibidas de fazer vôos nacionais aqui dentro, para não afetar o oligopólio protegido pela ANAC. Com uma reserva de mercado garantida -- há apenas quatro empresas aéreas autorizadas pelo governo a servir um mercado de 200 milhões de consumidores potenciais --, o Brasil é o 12º país mais caro do mundo para viajar de avião. Brasileiros pagam 48% mais que os britânicos e 223% mais que os norte-americanos para cada 100 quilômetros voados.

No setor elétrico, as regulamentações da ANEEL impedem o surgimento de empresas para concorrerem livremente com as estatais do setor, o que aumentaria a oferta de energia. Houvesse uma genuína livre iniciativa no setor elétrico, quem quisesse produzir e vender energia elétrica, seja ela hídrica, nuclear ou térmica, estaria livre para tal. A produção e a venda de eletricidade seria uma atividade comercial como qualquer outra. Os preços certamente cairiam.

No setor de transportes rodoviários, as regulações da ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) impedem o surgimento de empresas de ônibus para concorrer com as já existentes, as quais detêm privilégios monopolísticos concedidos pela agência. Pior: impedem que as já existentes concorram mais diretamente entre si. É a ANTT quem estipula qual empresa de ônibus pode fazer qual rota e em qual horário. E é ela também que impede que mais de uma empresa de ônibus sirva a cidades que tenham menos de 200 mil habitantes.

No setor de planos de saúde, as regulamentações e imposições da ANS (Agência Nacional de Saude), com seus controles de preços e exigências de coberturas e de serviços mínimos, levaram a uma concentração sem precedentes do mercado, com a expulsão dos pequenos provedores e a expansão dos grandes, bem como de seus preços. No ano 2000, quando a ANS foi criada, havia 3.577 operadoras de plano de saúde atuando no Brasil. Uma década depois, o número caiu para menos da metade: 1.628, sendo que apenas 12% delas concentram mais de 80% dos usuários. E, em março de 2017, o número já era de apenas 1.076 operadoras.

Por fim, há o exemplo mais explícito de todos. No setor petrolífero, as pesadas regulamentações da ANP não apenas tornam proibitivo o surgimento de qualquer empresa que queira explorar e refinar petróleo aqui no Brasil e nos vender, com também garante a total cartelização do setor de postos de combustível. Postos de combustível são uma das reservas de mercado mais antigas do país. Não há nenhuma liberdade de entrada para qualquer concorrência neste ramo.

Tente você abrir um posto de gasolina. Além de todas as imposições da ANP e de todos os papeis, taxas, cobranças, cartórios, filas, carimbos, licenças e encargos, há ainda toda uma cornucópia de regulamentações ambientais, trabalhistas e de segurança que fazem com que abrir um posto de combustíveis seja uma atividade quase que restrita aos ricos (ou a pessoas que possuem contatos junto ao governo).

Livre concorrência nesta área nunca existiu. Você só consegue se tornar dono de um posto de gasolina se o seu atual dono lhe passar o ponto. Apenas veja na sua própria cidade. Qual foi a última vez que você viu um posto de gasolina ser aberto em uma nova localidade? Praticamente nenhum posto quebra e nenhum posto novo surge.

Conclusão

Além dos citados acima, vale também mencionar estações de rádio, de televisão, provedoras de internet, hospitais, escolas, açougues, restaurantes, churrascarias, padarias, borracharias, oficinas mecânicas, shoppings, cinemas, sorveterias, hotéis, motéis, pousadas etc. Nada disso pode surgir sem antes passar por incontáveis processos burocráticos que envolvem licenciamento, taxas, propinas, inspeções, alvarás, registros cartoriais, reconhecimentos de firmas etc.

São barreiras que prejudicam o surgimento dos pequenos e garantem uma reserva de mercado para os grandes.

Em teoria, regulações e fiscalizações existem para proteger o consumidor. Na prática, protegem as grandes empresas dos consumidores. No final, elas nada mais são do que um aparato burocrático que tem a missão de cartelizar as empresas que operam nos setores regulados, determinando quem pode e quem não pode entrar no mercado, e quem pode e quem não pode permanecer no mercado (sempre em prejuízo das menores).

Quanto maior é a regulamentação governamental, mais incentivos existem para a corrupção, para o suborno, para os favorecimentos e para os conchavos. Em vez de se concentrar em oferecer bons serviços e superar seus concorrentes no mercado, as empresas mais endinheiradas poderão simplesmente se acertar com os burocratas responsáveis pelas regulamentações e fiscalizações, oferecendo favores e, em troca, recebendo agrados como restrições e vigilâncias mais apertadas para a concorrência.

Livre mercado significa, por definição, liberdade de entrada. Quem quiser abrir uma empresa, em qualquer setor da economia, tem de ter liberdade de fazer isso quando quiser, sem ter de enfrentar uma montanha burocrática de restrições dispendiosas, sem ter de molhar a mão de fiscal, sem ter de pagar inúmeras taxas "legais", sem ter de pedir autorização para funcionários públicos, e sem ter de beijar a mão de políticos.

Como estamos longe disso.

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Sobre o autor

Leandro Roque

Leandro Roque é editor e tradutor do site do Instituto Ludwig von Mises Brasil.

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