Em uma pequena cidade, há um padeiro famoso por
fazer saborosos pães dos quais todo o povo da cidade gosta. Mas o próprio
padeiro não se delicia com seus pães. Em vez disso, ele os vende para, em
troca, obter o dinheiro que irá utilizar par comprar de terceiros tudo aquilo
que ele realmente quer.
Todas as outras pessoas desta cidade fazem o mesmo:
elas se especializam em produzir aquilo que os outros — inclusive o padeiro —
desejam e demandam; em troca, utilizam a renda oriunda da venda destes seus
produtos e serviços para comprar aquilo que lhes satisfaz, inclusive o pão do
padeiro.
Esta rede de trocas e de produção especializada
visando à satisfação de terceiros é exatamente a essência do mercado. Ela cria
uma comunidade de produtores interdependentes cujos interesses estão alinhados
de uma maneira geral: todos eles, conjuntamente, aumentaram seus esforços
produtivos ao ofertarem, individualmente, um único bem ou serviço que está em
alta demanda; e, ao agirem assim, melhoraram o bem-estar de todos.
Todos se beneficiam deste arranjo, uma vez que seus
esforços produtivos são direcionados para aquilo que fazem melhor, visando a
satisfazer as demandas de terceiros.
Porém, toda a harmonia deste arranjo é afetada
quando há uma transgressão aos direitos de propriedade. Por exemplo, quando um
ladrão invade a padaria e rouba vários bens do padeiro, ele está afetando
negativamente a oferta de pães na cidade. Mais: ele também faz com que o
padeiro fique incapaz de efetivamente demandar bens e serviços de terceiros.
Isso afeta várias pessoas, não só o padeiro: afeta
todos aqueles que queriam comprar pão, mas agora não podem (pois a oferta de
pães sumiu); e todos aqueles que esperavam vender seus bens e serviços para o
padeiro, que agora está descapitalizado e não mais poderá comprar.
Tudo isso mostra que, sob um arranjo de livre
interação e transação, é do interesse de todos que ninguém seja espoliado e
fraudado. Afinal, a vítima do criminoso pode ser tanto um ofertante
(estabelecido ou potencial) de bens e serviços que você deseja, ou um
consumidor (assíduo ou potencial) dos bens e serviços que você produz.
Todos estão juntos, e todos são afetados se algo de
ruim ocorrer com um deles.
Não é de se estranhar, portanto, quando vemos como,
ao longo da história, as cidades se organizavam espontaneamente para lidar com
a criminalidade. Roubar o padeiro era uma atitude que envolvia não só um ladrão
e sua vítima; era um ataque sobre toda a comunidade. O assaltante, por meio de
seus próprios atos, optou por não participar das interações espontâneas e
voluntárias da comunidade. Ou seja, ele escolheu ser um pária.
A
ordem de mercado e a civilização
Para se beneficiar deste arranjo de livre mercado,
você tem de se engajar em atividades produtivas voltadas a satisfazer
terceiros. Você não apenas tem de saciar as demandas presentes, como você
também tem de saber antecipar
corretamente as demandas futuras. Caso seja bem-sucedido, você terá acesso a
todos os bens e serviços produzidos por terceiros para satisfazer você.
Como resultado, as transações comerciais aumentam
nossa compreensão tanto dos membros da nossa comunidade como também dos
estrangeiros com os quais transacionamos (seja de outra cidade ou de outro
país). Este arranjo nos faz constatar que as outras pessoas são como nós. Mesmo
falando outro idioma e seguindo outros costumes e tradições.
Esta é a essência da Lei da Say, também chamada
de Lei dos Mercados, a qual diz que, no mercado, produzimos para satisfazer
terceiros e, assim, podermos utilizar a renda auferida com essa transação para
satisfazer nossos próprios desejos. Em outras palavras, nossa demanda por bens
e serviços é possibilitada por nossa oferta de bens e serviços ao mercado. Para
efetivamente satisfazer os desejos de outras pessoas, não apenas temos de saber
nos comunicar com elas, como também temos de entendê-las. Caso contrário, estaremos
desperdiçando nossos esforços produtivos e esperando resultados aleatórios.
A maioria das pessoas (exceto keynesianos e
marxistas) consegue entender esta simples constatação sobre o mercado, e como
ela contribui para a civilização e para as interações pacíficas. A rede de
transações voluntárias alinha os interesses das pessoas.
Sob este arranjo de mercado, um eventual ladrão não
está apenas roubando, espoliando ou enganando uma única pessoa ou família; ele
está, com efeito, atacando toda uma comunidade de produtores interdependentes e
toda uma rede ofertantes e consumidores.
Os
efeitos do estado agigantado e assistencialista
Com a fulminante ascensão dos estados
social-democratas ocorrida nos últimos cem anos, essas ligações — criadas pelo
mercado — entre as pessoas foram arrebentadas.
Com o estado crescendo, empregando cada vez mais
pessoas (com
estabilidade e salário garantido), assumindo funções assistencialistas e redistributivas,
e até mesmo escolhendo quem irá prosperar no mundo empresarial, um número
crescente de indivíduos descobriu que é perfeitamente possível ganhar a vida e
ser bem-sucedido sem ter de servir aos outros.
Em outras palavras, o estado tornou possível viver
parasiticamente à custa daquilo que outras pessoas produzem — sem ter de, em
troca, contribuir para a satisfação dos desejos e necessidades de ninguém.
À medida que cada vez mais pessoas não mais precisam
de utilizar suas habilidades para satisfazer os desejos de terceiros, elas
ficam desobrigadas de entender os outros: elas não mais têm nenhum incentivo
para tentar aprender quais são os desejos e necessidades de terceiros, e não
têm nada a ganhar com esse esforço. Em outras palavras, não há mais nenhuma
interdependência.
Consequentemente, há menos motivos para se manter
longe de comportamentos destrutivos. No setor público, a corrupção se torna
rotineira e a certeza do "direito adquirido" se torna patológica; no
assistencialismo, a inércia impera, também junto à sensação do direito adquirido; no mundo empresarial ligado ao governo, a
ineficiência vira a regra.
É exatamente isso o que temos visto nas últimas
décadas à medida que um estado crescentemente burocrático substituiu a
sociedade civil por sistemas centralizadores, e definhou o livre mercado em
prol do poder. E o problema é que, quando as pessoas param de aprender sobre as
outras e param de tentar satisfazer terceiros, torna-se muito mais fácil
recorrer ao conflito do que à cooperação.
Torna-se mais simples e rápido simplesmente exigir
que o governo tome de terceiros e redistribua para você, imponha deveres a
terceiros e garanta direitos para você, e provenha seu sustento (bancado por
terceiros) independentemente de suas habilidades de servir aos outros.
Neste cenário, todas as outras pessoas acabam sendo
vistas como obstruções à sua felicidade. Livrar-se delas irá aumentar sua fatia
do (cada vez menor) bolo, e explorar a produtividade de terceiros para
benefício próprio se torna um meio para a satisfação de seus objetivos.
Empreendedores
também não escapam
E isso não ocorre apenas com as pessoas que vivem do
assistencialismo ou da burocracia estatal, não. Lamentavelmente, cada vez mais
vemos exemplos desse tipo de pensamento entre pequenos empreendedores que não se
utilizam do estado e entre aqueles que querem ser empreendedores.
Eles abrem um negócio não com o objetivo de ganhar a
vida satisfazendo terceiros — isto é, seguindo a Lei dos Mercados formulada
por Say —, mas sim com o intuito de "fazer aquilo de que gostam". Trata-se de
um estilo de vida ao qual muitos acreditam ter o "direito". Pior ainda, muitos
atribuem seus fracassos empreendedoriais à "sociedade" que não os apoiou como
deveria e que não valorizou aquilo que estavam ofertando ao preço
que estavam cobrando. "Só fracassei porque o povo não deu valor ao meu
esforço" é a justificativa corrente.
Isso é exatamente o inverso da realidade: ganhar a
vida fazendo aquilo que lhe dá prazer é um privilégio que você poderá usufruir somente se você for bom em satisfazer
terceiros com este seu "hobby". Se você sabe criar valor para terceiros,
você ganha valor para si próprio.
Conclusão
Neste tipo de sociedade em que os laços entre as
pessoas estão se enfraquecendo, não é estranho que elas considerem ingênua a
ideia de uma ordem espontânea e descentralizada — que é a essência do mercado.
No mundo distorcido pelos incentivos perversos
criados pelo estado, a livre concorrência não mais é vista como um esforço
sólido e moral para mais bem servir aos outros, mas sim como um jogo de soma zero em
que há ganhadores e perdedores, e em que há muito esforço para pouco retorno.
Neste arranjo, quem estiver mais disposto pegar atalhos, viver legalmente à
custa de terceiros, e até mesmo fraudar, mentir e enganar estará imediatamente
em melhor situação.
Em outras palavras, os incentivos criados pelo
estado são para destruir valor e priorizar ganhos de curto prazo, mesmo que
estes venham à custa de grandes danos no longo prazo — afinal, no longo prazo,
estes custos serão um problema dos outros. Isso é o exato oposto do conceito de
civilização, e é algo que, se continuar assim, poderá se degenerar em algum
tribalismo ao estilo O
Senhor das Moscas.
Não é estranho, portanto, que as pessoas tenham
dificuldades em entender o argumento de que o livre mercado — ou seja, a
cooperação espontânea e voluntária das pessoas — gera harmonia: dado que estamos
vivendo em uma era em que o estado as alienou daquela interdependência produtiva
explicada pela Lei de Say, é mais difícil elas pensarem fora da caixa.
A cooperação espontânea e informal do mercado, que
gera benefícios mútuos para todos os participantes, foi substituída por uma
mentalidade estatista, a qual busca garantias e só as encontra no poder formal
do estado.
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