quinta-feira, 23 mar 2017
O Supremo Tribunal Federal (STF), no dia 15 de março
passado, decidiu
que a inclusão do ICMS (um imposto estadual) na base de cálculo do PIS/COFINS (dois
impostos federais) é inconstitucional.
O tema da mudança na base de cálculo do PIS e da
Cofins estava em discussão no STF há quase duas décadas. A decisão foi por maioria
de votos, com um placar de seis votos a favor da inconstitucionalidade e 4 contra.
O Tribunal, à época, compunha-se de 10 membros.
O
básico
Base de cálculo de um tributo é a grandeza
matemática sobre a qual incide uma alíquota. Desta operação — a alíquota aplicada
a um valor — surge o valor do tributo a pagar. Assim, incluir um tributo na
base de cálculo de outro(s) tributo(s), além de aumentar a base de cálculo, nada
mais é do que o estado cobrar tributo de tributo.
É uma forma de aumentar a arrecadação por meio de
uma "esperteza" do legislador, constitucional ou não (a própria Constituição,
votada pelos "representantes do povo", prevê esse expediente em algumas outras
hipóteses, como no art. 155, § 2º, XII, "i").
Em outras palavras, o indivíduo paga imposto sobre outro imposto que pagou. Você paga tributo só pelo fato de ter pagado outro tributo, pois o valor de um é incluído no cálculo de outro.
O Portal
Contábeis fez um excelente exemplo numérico, o qual vale a pena ser
repetido na íntegra:
Cada um dos impostos tem bases distintas: o ICMS tem
como fato gerador a circulação de mercadorias, e sua base de cálculo, em
regra geral, é o valor total dos produtos; já os impostos federais têm como uma
de suas bases de cálculo a receita ou faturamento.
Mas os três impostos têm algo incomum: o método de
incorporar o seu valor aos produtos. Eles são calculados "por dentro do preço".
Ou seja, já estão embutidos no preço e seu destaque em nota fiscal é
meramente informativo.
Eis como funciona hoje:
Valor dos produtos: R$ 787,50
Percentuais a serem embutidos no preço:
12% ICMS + 9,25% PIS/COFINS = 21,25%
Valor final dos produtos:
787,50 / (100% - 21,25%) = R$ 1.000,00
Valor do ICMS: 1000 X 12% = R$ 120,00
Valor PIS/COFINS: 1000 X 9,25% = R$ 92,50
Portanto, hoje, o PIS/COFINS arrecada R$ 92,50 para o governo federal.
Porém, com a exclusão do ICMS da base
das contribuições, teremos:
Valor do ICMS: 1000 X 12% = R$ 120,00 (inalterado)
Valor PIS/COFINS: (1000 - 120) X 9,25% = R$ 81,40
Portanto, com a alteração, o PIS/COFINS arrecadará R$ 81,40 para o governo federal. Houve
uma redução de R$ 92,50 para R$ 81,40, o que dá uma redução de R$ 11,10 no
valor das contribuições.
Com isso, o STF inesperadamente julgou em favor do
pagador de tributos. Pelo menos no caso do PIS/COFINS, não se incluirá na base
de cálculo o valor do ICMS.
Note-se que essa forma de tributar, além de
expropriatória, como todas as demais, é ainda mais injustificável (mesmo quando
prevista em lei), pois, ao cobrar tributo de tributo, o estado escancara de vez
seu paroxismo arrecadatório.
A
reação
Tão logo conhecido o resultado do julgamento, a
imprensa veiculou opiniões
contrárias à decisão; dentre essas, pelo menos uma proveio de quem foi voto
vencido na sessão. A rigor, concluído o julgamento, já não têm relevância os
votos contrários à tese vitoriosa, mas sim o resultado a que se chegou:
prevaleceu a tese da inconstitucionalidade de, no caso, se cobrar tributo sobre
tributo.
Opiniões de que haverá consequências
desastrosas por causa da decisão, ou mesmo que sua repercussão pode ser catastrófica,
abundaram na imprensa. Eu mesmo não vi nenhuma notícia favorável a esse
julgamento do STF. A imprensa publica matérias ou desenvolve análises sobre
temas que interessam aos grupos dominantes. E, neste campo, claramente o estado
é o grupo dominante, e era destinatário do tributo arrecadado na forma agora
vedada.
Ainda que alegadamente repasse o numerário para a
seguridade social — que, em tese, é o destino da arrecadação do PIS (Programa
de Integração Social) e a da COFINS (Contribuição social para financiamento da
Seguridade Social) —, sabemos que parte da arrecadação tributária se destina à
manutenção da máquina estatal, e se dissipa antes de chegar ao objetivo da
tributação.
A imprensa registrou apenas uma posição favorável —
da Confederação Nacional da Indústria (CNI) — em meio a toda a abordagem negativa
que fez sobre a decisão
do STF.
O "desastre" ou "catástrofe" consequentes deste
julgamento consiste, segundo a mídia, em uma vultosa "perda de arrecadação". Fala-se
que a
União deixará de arrecadar R$ 250 bilhões, ou mesmo que haverá uma perda
de R$ 20 bilhões por ano na arrecadação.
Assim publicada a notícia, o povo automaticamente se
coloca contra a medida, pois foi induzido a pensar que é por meio do estado que
obtém seu bem-estar.
As
duas óticas
É claro que a notícia, como veiculada, expressa apenas
um lado da equação: mostra apenas a perda de arrecadação estatal.
Mas ela se esquece do outro lado: o que deixa de ser
expropriado do setor produtivo, o único setor que produz riqueza no país.
Ao dar relevo à redução da arrecadação, a imprensa
imediatamente se alia aos setores do estado responsáveis pela expropriação, mais
especificamente aqueles que são mantidos pela arrecadação. Vale lembrar que
todos aqueles diversos tipos de "penduricalhos" não-tributados nos proventos de
privilegiados advêm da arrecadação de tributos (auxílio refeição, moradia,
educação, transporte, classe executiva em voos internacionais e planos de saúde
de elevado nível).
Por isso, seria desejável que essa decisão de
retirar a incidência do ICMS no cálculo do PIS/COFINS fosse também examinada
pela ótica dos pagadores de tributos. Era de se obter opinião de empreendedores
(não aqueles dependentes do estado) sobre o que verdadeiramente representa a
não-expropriação deste volume de recursos, que agora poderão ser aplicados em suas
atividades.
Se o resultado do julgamento fosse divulgado por
suas duas faces principais, a da perda estatal e a do ganho do
empreendedorismo, a notícia estaria completa, e o leitor teria visão ampla da
matéria. O país ganharia com isso, pois a disseminação da discussão levaria a
que se refletisse sobre o "tamanho" real do estado no dia a dia das pessoas.
O
esquecido aspecto positivo da decisão
A primeira consequência da perda de arrecadação, e
da qual todas as outras derivam, é que os recursos "perdidos" ficarão na posse
dos empreendedores. Com isso, eles poderão fazer novos investimentos, expandir
seus negócios, criar novos produtos que atendam às necessidades dos clientes,
contratar mais mão-de-obra ou simplesmente gastar o excedente em lazer próprio (o
que também gera renda para terceiros, vale lembrar).
Tudo isso tende a gerar mais empregos e,
consequentemente, até mesmo mais arrecadação. Uma fatia dos recursos que seria
destinada a programas assistencialistas (PIS/COFINS), avaliados como benéficos
pelo próprio estado, será agora paga na forma de salários, e não como esmolas,
o que eleva a autoestima do indivíduo muito mais do que receber migalhas
"sociais".
Mas é possível expandir ainda mais o raciocínio: uma
diminuição das receitas do governo, por definição, reduz a capacidade interventora
do estado. O simples fato de o estado dispor de menos recursos dificultará a
negativa ação de planejadores estatais. Com menos estado e com menos confisco
de recursos, há maior expansão da atividade empreendedorial.
E agora vem o melhor: essa escassez de recursos para
o estado tornará mais evidente, tanto para setores do próprio estado quanto
para a população em geral, a existência de grupos de funcionários
privilegiados, bem como o real custo dessa casta. Isso pode causar uma benéfica
reação em prol da abolição de normas que criam privilégios estatais.
Ok, concordo: estes dois últimos parágrafos não irão
ocorrer, pois o governo dificilmente cortará seus gastos (a perda de arrecadação
tributária será compensada com um aumento do endividamento). Mas tal raciocínio
ao menos serve para descrever as consequências benéficas de uma real redução do
estado tanto do lado da arrecadação quanto dos gastos.
O fato é que a relevância da histórica decisão não decorre
apenas do montante dos recursos que deixará de ser arrecadado pelo governo, mas
também, e como dito, da permanência de mais recursos em posse dos
empreendedores. É claro que já existe reação ao julgamento; inclusive, já se fala
na apresentação de uma Proposta
de Emenda à Constituição (PEC) para postergar seu efeito para 2020, sob o
argumento de "segurança fiscal". Ora, que segurança fiscal é essa? Manter os
níveis de arrecadação?
Curioso é que essa PEC viria do Congresso Nacional,
onde atuam os "representantes do povo"; só que, neste caso, atuariam em favor
da arrecadação e da casta de funcionários dela beneficiários. E não do
fortalecimento do empreendedorismo.
Conclusão
É extremamente necessário entender que qualquer
recurso não apropriado pelo estado é mais bem empregado pelo indivíduo: dado
que foi ele quem criou o bem ou serviço do qual surgiu o tributo, e
considerando que é ele quem cria os recursos e a riqueza, nada mais racional e
justo que deles usufrua.
Nenhuma visão social de utilização de recursos
supera a utilização por quem o gera, visto que o objetivo precípuo de
funcionários públicos é se apropriar de parte da riqueza confiscada para a
régia manutenção de seus privilégios. E como esse grupo tem de se manter ativo —
pois não seria admissível ganhar no usufruto do ócio —, ele cria rotinas,
regras e normas de intervenção na esfera de atuação do indivíduo que lhe
dificultam e encarecem sua atividade.
O placar de 6 X 4 na vitória da exclusão do ICMS da
base de cálculo do PIS e da COFINS surpreende porque geralmente a ideia
que se tem é a de que o STF julga também por parâmetros políticos. Neste caso,
a política que prevaleceu foi a de diminuir o avanço do estado na esfera de
interesses do indivíduo.
Não nos iludamos, porém, sobre uma eventual chegada
de uma nova fase no Judiciário. Isso não irá ocorrer. Apenas usufruamos deste
momento enquanto dure.