Nota do editor
O artigo abaixo foi publicado em março de 2017. Com o atual colapso da infraestrutura da cidade do Rio de Janeiro — consequência de um colapso econômico do estado —, ele ficou ainda mais atual. Infelizmente, nada surpreendente.
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De acordo com as estimativas mais conservadoras, o
custo da Olimpíada no Rio foi de R$
38,26 bilhões.
E, quando se soma os gastos da Olimpíada aos gastos
da Copa do Mundo, chega-se ao valor — subestimado — de R$
66 bilhões em infraestrutura. Houve gastos em estádios, instalações e projetos
de mobilidade urbana, tudo para garantir que o país estivesse pronto para
receber estes dois grandes eventos esportivos.
O problema é que simplesmente nunca
houve demanda para tais investimentos públicos.
A consequência? No caso específico do Rio de
Janeiro, quase tudo o que foi construído está hoje literalmente apodrecendo,
sem uso, sem manutenção, e sem demanda. Veja
aqui as depressivas fotos.
"O legado da Olimpíada do Rio é uma farsa", disse
a colunista do USA Today Nancy Armour em uma recente edição do jornal. Difícil
encontrar palavras mais verdadeiras do que essas. E ela prossegue dizendo que,
embora "a cerimônia de encerramento tenha ocorrido há apenas seis meses",
"várias das instalações e construções estão abandonadas e literalmente caindo
aos pedaços. O Parque Olímpico é uma cidade fantasma, as luzes foram desligadas
no Maracanã e a vila dos atletas está desocupada e deserta". Veja
o vídeo.
Adicionalmente, como que de brinde, a economia do
estado do Rio de Janeiro entrou
em colapso. Já até se fala em caos
social.
Mas
Keynes havia prometido o oposto!
Esperem um pouco. Como assim? Não era para isso
ter acontecido. Afinal, se Paul Krugman e todos os demais discípulos de Keynes
estiverem corretos, o Rio deveria estar com uma economia vibrante e estrondosa
expansão graças a todos estes bilhões que foram gastos.
Os keynesianos sempre foram enfáticos ao dizer que
não importa exatamente em quê o governo irá gastar dinheiro. O que importa é
que o governo gaste dinheiro. Não interessa em quê o governo irá investir; não
faz diferença se o governo irá gastar todos os centavos construindo pirâmides
ou estradas. O que importa é que o governo sempre esteja gastando.
Com efeito, citando
Keynes diretamente, "Construir pirâmides, vivenciar terremotos e até mesmo
guerras podem ser úteis para aumentar a riqueza".
"O Antigo Egito", prosseguiu Keynes,
foi
duplamente afortunado, e sem dúvidas deve a isso sua fabulosa riqueza, pois
possuía duas atividades, a saber, a construção de pirâmides e a busca por
metais preciosos, os frutos dos quais, dado que eles não serviam às
necessidades de consumo do ser humano, não envelheceram em abundância.
A Idade Média construiu catedrais e cantou hinos fúnebres. Duas
pirâmides, duas missas para os mortos, são duas vezes melhores do que uma; mas
[ironicamente] não duas ferrovias de Londres para York.
Mas a coisa fica ainda mais bizarra. Ainda
segundo o economista britânico, se o governo colocasse dinheiro dentro de garrafas
e escondesse essas garrafas por todo o país, isso traria efeitos econômicos
positivos, pois as pessoas teriam um incentivo para sair por aí cavando buracos
à procura dessas jarras cheias de dinheiro. E isso iria estimular a
economia.
Sim, foi exatamente isso que Keynes ensinou em sua
suposta obra-prima, A
Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (1936). Os manuais
econômicos keynesianos compreensivelmente quase nunca colocam essa citação, que
é muito embaraçosa. Em vez disso, eles preferem colocar equações que
mostram — ou que tencionam mostrar — que os gastos do governo geram um
suposto "multiplicador
de renda" que irá estimular a demanda agregada e, com isso, impulsionar
toda a economia.
Para Keynes e os keynesianos, portanto, uma cuidadosa
alocação de capital, direcionando-o apenas para investimentos genuinamente
demandados pelo público consumidor, é menos importante do que apenas gastar
esse dinheiro. Gastos do governo, por si sós, são o caminho para a
prosperidade.
Mas, justiça seja feita, Keynes ao menos parece ter
se arrependido de suas idéias. Ao final de sua vida, ao ser perguntado sobre o
que pensava de seus discípulos que propagavam suas ideias, respondeu: "Ah, são apenas uns otários".
A implosão da economia do Rio, mesmo após toda a
farra de gastos, mostra que Keynes, ao menos ao final de sua vida, sabia do que
falava.
Condições
de laboratório
Com efeito, se houve uma oportunidade para comprovar
a teoria de que gastos públicos são a força-motriz do crescimento econômico,
essa oportunidade foi o Rio. E em condições quase que de laboratório.
Dado que a cidade era destituída da infraestrutura e
das instalações necessárias para sediar os jogos olímpicos, os políticos do Rio
deram um novo significado à expressão "obras públicas" quando deram início aos
projetos após a cidade ter sido a escolhida para sediar o evento ainda em 2009.
Com pouco tempo para fazer muita coisa, os políticos
do país em conjunto com empresários amigos do
regime (dica: toda a corrupção é consequência direta e inevitável deste arranjo corporativista; ela não surge sozinha) direcionaram quase R$ 40 bilhões para obras públicas para fazer com
que um vazio se transformasse em um espaço olímpico convincente. Houve de tudo:
desde obras de mobilidade urbana, passando pela construção de várias
instalações, alojamentos e estádios, até a construção de vários novos hotéis.
Aparentemente, a teoria keynesiana do multiplicador de gastos
falhou. Aliás, "falhou" é um eufemismo. Todos os gastos governamentais
alcançaram a façanha de transformar a outrora vibrante e alegre cidade do Rio
em objeto global de piedade.
Segundo os keynesianos, toda essa farra de gastos
deveria ser o caminho para a prosperidade. Mas a realidade é que, contrariando
a teoria keynesiana, a cidade do Rio está hoje mais pobre do que antes, após "todos os bilhões que foram gastos e
todas as instalações e obras que rapidamente se transformaram em elefantes
brancos", tendo resultado em uma "fatura escorchante para uma cidade e um país
que já estão sofrendo para manter suas contas".
Com essas palavras, a colunista Nancy Armour desmistificou
praticamente um século de falácias econômicas até então amplamente aceitas. Os
bilhões gastos em obras, longe de estimular ou reativar a economia, lograram
apenas aumentar a pobreza de uma
população que já estava sofrendo.
O
problema
São dois os pontos a serem destacados.
Primeiro, vale ressaltar que, no setor privado,
erros de investimentos são constantes. A maioria dos empreendedores erra ao
estimar as verdadeiras preferências dos consumidores. Mesmo em áreas ricas,
como o Vale do Silício, na Califórnia, mais de 90% dos novos empreendimentos
vão à falência.
Mas eis a diferença crucial: erros cometidos pelo
setor privado, que utiliza capital próprio, são rapidamente corrigidos
simplesmente porque empresas privadas não possuem recursos infinitos. Não há um
poço sem fundo do qual empresas privadas podem continuar extraindo dinheiro
para gastar despreocupadamente em projetos que não atendem aos interesses dos
consumidores.
A superioridade dos investimentos feitos
voluntariamente pelo setor privado em relação aos gastos do governo (jamais
chame de "investimento" algo que não está sujeito à disciplina do mercado) está
no fato de que, rapidamente, as ideias ruins ficam destituídas de recursos,
sendo então substituídas pelas idéias boas. Empreendedores mal sucedidos vão à
falência e, consequentemente, liberam recursos escassos para serem utilizados
por empreendedores bem sucedidos. Os bons substituem os ruins; os recursos são
retirados dos ruins e direcionados aos bons.
Ou, indo direto ao ponto, no setor privado — aquele
que não possui laços com o governo, e que não recebe subsídios ou proteções
estatais —, as idéias ruins morrem, e morrem rapidamente.
Nenhuma dessas disciplinas se aplica ao governo, que
não apenas não precisa se preocupar com o retorno de seus gastos (de novo:
jamais chame de "investimento" algo que não está sujeito à disciplina do
mercado), como ainda possui acesso irrestrito aos recursos da sociedade para
continuar financiando seus gastos. Exatamente por isso, quanto mais o governo
gasta, mais pobre fica a sociedade.
Em segundo lugar, vale ressaltar que o crescimento
econômico ocorre em função de investimentos privados voluntários. E
investidores privados são atraídos a cidades, estados e países no quais seu capital
é bem tratado. E este nunca foi o histórico do Brasil. A ideia de que todos os
gastos do Rio se traduziriam em crescimento econômico e melhorias no padrão de
vida da população simplesmente ignorou a realidade de que nenhum investidor
sensato iria — ignorando toda a história econômica do Brasil — direcionar seu
capital escasso ao país apenas por causa de um evento de três semanas.
Somente economistas desenvolvimentistas são capazes
de acreditar naquilo que, para qualquer leigo, é um absurdo: que um evento
esportivo de três semanas não apenas poderia anular décadas de políticas
econômicas nefastas que repeliram investidores e empreendedores talentosos,
como ainda traria todos esses investidores de volta e, com isso, faria a
economia do país voltar a crescer indefinidamente.
Conclusão
Apenas o capital humano pode impulsionar o
crescimento econômico de longo prazo. Já os gastos do governo funcionam como um
repelente tanto para investidores quanto para o capital humano. E é assim
simplesmente porque os impostos que serão necessários para financiar esse
esbanjamento do governo funcionam como uma penalidade sobre os talentosos.
Impostos nada mais são do que um preço que o governo
coloca sobre a produtividade; uma penalidade impingida ao trabalho. Quando
empreendedores talentosos de todos os cantos do globo decidem investir em um
país, eles estão correndo risco e esperam enriquecer em decorrência
disso. No entanto, se o preço a ser pago são impostos altos, vários serão
desestimulados.
E o Brasil sempre foi pródigo nesta prática.
A resposta para os problemas econômicos do Rio, do
Brasil e de qualquer país do mundo no qual o crescimento econômico seja baixo é
a mesma: reduzir os gastos e, consequentemente, os impostos do governo, de modo
que os talentosos possam manter para si uma fatia maior daquilo que produzem.
Dinheiro gasto onde ele não é bem tratado
rapidamente vai embora. O Rio e o Brasil estão começando entender isso.
Portanto, embora seja um tanto ingênuo presumir que
a débâcle do Rio representará o prego final no caixão keynesiano, podemos pelo
menos ter a esperança de que este perfeito exemplo das consequências nefastas
dos gastos do governo irá deixar envergonhada essa insensata ideologia
econômica.
O que o senhor tem a dizer, doutor Krugman?
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