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Economia

No México, o “neoliberalismo” se tornou o culpado pelos desastres do socialismo

A incapacidade de entender causa e consequência é uma tradição na América Latina

12/01/2017

No México, o “neoliberalismo” se tornou o culpado pelos desastres do socialismo

A incapacidade de entender causa e consequência é uma tradição na América Latina

Vários protestos de rua estão eclodindo no México em consequência de um aumento nos preços da gasolina. A população acredita que esse aumento da gasolina irá levar a um aumento generalizado nos preços. Tudo isso se juntou a crescentes temores de que haverá uma recessão no país em 2017 (o que não ocorre desde 2009).

O aumento nos preços da gasolina está ocorrendo após consideráveis reformas feitas pelo governo na indústria de petróleo do México, a qual, desde 1939, era completamente monopolizada pela estatal Petróleos Mexicanos (Pemex). O monopólio da estatal estava sacramentado na constituição do país, de modo que apenas ela podia explorar petróleo e gás natural em território mexicano. Adicionalmente, a gasolina vendida pela estatal também era subsidiada pelo governo.

Com as reformas, iniciadas em dezembro de 2013, a Pemex continuou totalmente estatal, mas deixou de ter o monopólio da exploração de petróleo no México. Adicionalmente, o governo mexicano reduziu substantivamente os subsídios para a gasolina.

O governo reduziu os subsídios da gasolina simplesmente porque está tendo de lidar com um crescente desequilíbrio fiscal (o déficit orçamentário do governo mexicano foi de 4% do PIB em 2014 e 3,5% em 2015). Esses subsídios existiam desde a criação da Pemex, e foram implantados exatamente para impedir que os preços da gasolina --vendida por uma estatal monopolista reconhecidamente ineficiente e controlada por governos historicamente corruptos -- disparassem.

Além do corte dos subsídios, o governo mexicano também está fazendo de tudo para atrair investidores estrangeiros e convencê-los a investir na indústria petrolífera do México.

Infelizmente, estas reformas coincidiram com um momento ruim para o setor: com a profunda queda global nos preços do petróleo, fazer investimentos maciços no setor não está mais tão atraente quanto antes. Consequentemente, os investimentos estrangeiros no setor petrolífero mexicano acabaram sendo muito menores do que se esperava.

É provável que os investimentos aumentem tão logo os preços do petróleo voltem a subir; porém, até lá, os mexicanos terão de lidar com preços maiores para a gasolina em decorrência do corte dos subsídios.

Culpando o mercado pelos problemas do intervencionismo

Como já era de se esperar, essas reformas -- as quais representam passos ínfimos na direção de um mercado mais livre -- estão sendo apontadas pela mídia e pelos intelectuais do México como "geradoras de empobrecimento" para a população.

São vários os veículos midiáticos que se referem a essas reformas como "neoliberais", atribuindo a elas a culpa pelas adversidades vivenciadas hoje pelo povo mexicano.

Em outras palavras, as tímidas reformas mexicanas estão vivenciando exatamente aquele roteiro que já virou corriqueiro na América Latina: décadas de monopólios estatais e de intervencionismo governamental na economia geram profundas crises fiscais e econômicas; tais crises chegam a um ponto em que o estado acaba sendo obrigado a adotar algumas reformas, caso contrário sua própria solvência estará ameaçada; porém, tão logo essas reformas são implantadas, elas imediatamente se tornam as culpadas por todo o descalabro, e ganham o pejorativo rótulo de "neoliberalismo".

(Veja todo esse roteiro em detalhes neste artigo).

Escrevendo para o portal PanAm Post, Rafael Ruiz Velasco faz a seguinte observação:

Por mais inacreditável que pareça, mesmo com todas as evidências empíricas que mostram os resultados da acentuada intervenção estatal na economia mexicana, algumas pessoas ainda culpam o livre mercado como sendo o causador do aumento dos preços da gasolina e da insolvência da estatal Pemex.

Pemex: uma relíquia do nacionalismo econômico

O monopólio estatal do petróleo mexicano data de dezembro de 1938, quando o então presidente Lázaro Cárdenas estatizou as instalações de todas as petrolíferas americanas e anglo-holandesas que operavam no país.

A medida, ao contrário do que parece, não foi motivada exatamente pela tradicional ideologia marxista, mas sim pelo velho nacionalismo econômico. Àquela época, como ainda é hoje, a defesa do monopólio estatal do petróleo era feita recorrendo a termos como "soberania nacional" e "interesse da nação", e sempre atacando a "opressão" e a "exploração" das empresas estrangeiras.

Essa ideologia, posteriormente, geraria aquilo que hoje é conhecida como a "teoria da dependência".

O resultado desse monopólio estatal, no entanto, foi exatamente aquele que é de se esperar de qualquer monopólio estatal: qualidade ruim e preços altos. Ao afugentar os investidores estrangeiros e isolar a exploração petrolífera mexicana do resto do mundo, o país ficou defasado tecnologicamente neste setor e sua estatal petrolífera foi se tornando cada vez mais ineficiente e menos apta a se aproveitar de todos os fartos recursos naturais do país.

Como Ludwig von Mises já havia observado em Ação Humana, vários países, em várias épocas, simplesmente não possuem dentro de suas fronteiras a tecnologia de ponta e o conhecimento necessários para se aproveitar dos recursos naturais. Assim,

Se os governos desses países impedem os estrangeiros de explorar esses recursos, ou se sua maneira de conduzir os negócios públicos é tão arbitrária que nenhum investimento estrangeiro ali se sente seguro, todos os povos cujo bem-estar poderia ser melhorado por uma utilização mais adequada dessas riquezas são seriamente prejudicados. Pouco importa que as políticas desses governos sejam fruto de um atraso cultural ou da adoção de ideias intervencionistas e nacionalistas em voga. O resultado é o mesmo em ambos os casos.

Quem conhece a produtiva classe média mexicana sabe que os mexicanos podem perfeitamente se aproveitar dos recursos naturais do seu país -- desde que eles tenham livre acesso ao capital global e às inovações globais. Por outro lado, ao adotar uma política de expropriação, estatização, monopolização e intervencionismo, o governo mexicano conseguiu apenas isolar o país do resto da cadeia global de investimentos e produção, privando os produtivos mexicanos dos bens de capital e da tecnologia que lhes permitiriam tirar as melhores vantagens dos recursos naturais do México.

Infelizmente, o problema ideológico do nacionalismo econômico continua enraizado em vários mexicanos. Ruiz Velascos escreve:

Durante décadas, a Pemex representava o símbolo do triunfo do estado sobre "a oligarquia e o maldito império ianque". Na ideologia coletivista dos mexicanos, a estatal se tornou o baluarte da soberania estatal, e uma fonte aparentemente inexaurível de prosperidade e riqueza para a nação.

Na realidade, longe de todo o discurso nacionalista e sentimentalista, o que a Pemex sempre representou foi a imposição do estado sobre o indivíduo, do monopólio sobre a concorrência, da ineficiência sobre a produtividade, do desperdício sobre a responsabilidade, e do sindicalismo e do clientelismo sobre a meritocracia.

A dor da reforma

Após quase 80 anos de monopólio sobre a indústria petrolífera, o México tem hoje uma enorme bagunça para limpar. Os equipamentos e as máquinas estão defasados, e os subsídios -- que foram politicamente necessários para contrabalançar os preços altos cobrados por uma indústria ineficiente -- não mais são viáveis.

Como já era de se esperar de qualquer indústria monopolista, a corrupção na Pemex é desenfreada: vários executivos e trabalhadores comuns recebem salários magnânimos para executar serviços pelos quais, em um livre mercado, ninguém estaria disposto a pagar. Loteamento de cargos, apadrinhamentos políticos, clientelismo e desperdício são a norma.

Como frequentemente ocorre com intervenções governamentais como essas, vários trabalhadores serão grandemente prejudicados, uma vez que a Pemex -- agora tendo de lidar com a concorrência pela primeira vez desde 1938 -- será obrigada a reduzir sua inflada folha de pagamentos, a qual está infestada de nababos privilegiados e de altos salários totalmente incondizentes com a realidade do mercado.

Com efeito, de certa forma a Pemex pode estar vivenciando uma situação semelhante à dos fechamentos das minas de carvão que ocorreram na Grã-Bretanha durante o governo de Margaret Thatcher. Embora as minas da Grã-Bretanha não fossem monopólios no mesmo estilo da Pemex, elas eram fortemente subsidiadas e inacreditavelmente ineficientes, e se assemelhavam à Pemex no sentido de que eram cabides de emprego que se mantinham exclusivamente por meio de subsídios e de poderes monopolistas, efetuando serviços sem qualquer eficácia.

Vários trabalhadores corriam para esses empregos, os quais eram vistos como estáveis, seguros e com ótimos salários. Infelizmente para essas pessoas, indústrias subsidiadas inevitavelmente acabam se esfacelando quando crises fiscais e econômicas obrigam o governo a cancelar os mesmos subsídios que tornam estes empregos tão atraentes. O resultado final é que as carreiras de vários trabalhadores são arruinadas e os custos aumentam para os consumidores.

As causas de tudo, porém, estão exatamente nos subsídios e nos privilégios concedidos pelo governo, e não nas reformas impostas pela realidade econômica.

Mas há uma esperança para o México: ao contrário das carvoarias da Grã-Bretanha, o petróleo mexicano ainda pode se mostrar competitivo no mercado global. Basta o governo permitir que o investimento estrangeiro e a concorrência modernizem o setor. Se o investimento estrangeiro for para o México, ele pode ser o suficiente para salvar vários empregos da indústria petrolífera. De acordo com a Bloomberg:

A Pemex emprega mais de 145.000 pessoas e gera aproximadamente 20% das receitas do governo -- e enfrenta a pior crise financeira de sua história. Sua dívida com fornecedores está no nível recorde de US$ 7 bilhões, e sua dívida total se aproxima dos US$ 100 bilhões. A produção de petróleo da empresa vem caindo há 11 anos.

Mas o seu potencial é tão grande -- especialmente nas águas profundas do Golfo do México -- que o governo de Enrique Peña Nieto está confiante de que as reformas serão um sucesso no longo prazo. As gigantes petrolíferas do resto do mundo estão há décadas de olho nas reservas do México, estimadas em mais de 13 bilhões de barris.

Vários trabalhadores e consumidores poderão sofrer muito no futuro próximo. Mas não precisava ser assim. O México poderia ter acabado com o seu monopólio estatal há décadas, de modo que as dores de hoje seriam apenas uma memória do passado distante. Melhor ainda, o governo mexicano poderia não ter nem estatizado a indústria, o que não a deixaria obsoleta e, consequentemente, não exigiria nenhuma fase de "modernização", "ajuste" ou "transição".

Infelizmente, não foi isso o que aconteceu.

 

Sobre o autor

Ryan McMaken

Ryan é bacharel em economia e mestre em políticas públicas e relações internacionais pela Universidade do Colorado. É editor sênior do Mises Institute

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