quinta-feira, 23 set 2021
Onde há estado, há o poder de tributar. Os
governantes não podem governar sem a tributação.
Como Ludwig von Mises escreveu: "Os fundos
que um governo gasta em qualquer área são, em última instância, arrecadados por
meio da tributação". Mesmo que o governo se endivide mais para gastar,
esse endividamento só é possível porque o governo tem a capacidade de tributar
para quitar essa dívida. Se o governo não tivesse a capacidade de tributar para
quitar a dívida, ninguém emprestaria ao governo.
Por isso, todas as ações do estado se baseiam na sua
capacidade de tributação.
Onde há o estado, há também o crescimento do
estado. Por que a esfera de ação do estado está sempre em constante
ampliação? Uma teoria diz que os reais culpados são os grupos de interesse,
os quais, por meio de seus lobistas, sabem utilizar o poder do estado para seus
próprios benefícios.
Enquanto essas pessoas continuarem querendo que o
governo utilize seu poder de tributar e regular a economia para o benefício
delas próprias e em detrimento de todo o resto da população, e enquanto tais
pessoas continuarem com essa influência, o estado irá manter seu poder e
continuar crescendo.
Este artigo, porém, sugere uma teoria
complementar. Quando o poder de tributar é concedido aos governantes,
muitos incentivos nocivos necessariamente advirão disso. E estes incentivos
apenas encorajam os governantes a expandir ainda mais seus atos destrutivos.
Incentivos
Uma ação proposital envolve uma escolha entre várias
alternativas. E escolhas embutem incentivos (recompensas) e desincentivos
(custos), sendo que ambos podem ser monetários ou não-monetários.
Considere, por exemplo, a provisão de justiça feita
pela Coroa na Inglaterra medieval. Criminosos condenados eram normalmente
enforcados e seus bens eram confiscados pela Coroa, embora o rei pudesse
perdoar um criminoso que concordasse em servir no exército real.
Essa estrutura de incentivos motivou a Coroa a
condenar criminosos, pois, para cada condenação, o pagamento era ou a
propriedade do criminoso ou o uso do criminoso como soldado (os incentivos). A
Coroa enfrentava desincentivos também, não apenas custos financeiros, mas
também deslealdade, descontentamento, perda de reputação e ressentimento, caso
ela erroneamente condenasse pessoas inocentes.
Sob essa estrutura de incentivos, a Coroa
previsivelmente demonstrava um notável entusiasmo pela captura e condenação de
criminosos (e talvez de não criminosos). Tal estrutura de incentivos
também induzia a Coroa a alterar as leis de modo a definir mais crimes como
crimes sérios.
Perniciosos incentivos gerados pelo
poder de tributar
Governantes, sendo humanos, têm desejos que
gostariam de realizar, coisas como "fazer o bem" (na concepção deles), ter
poder, glória, dinheiro, satisfação pessoal, orgulho, respeito, adulação, perpetuação
no poder, ajudar os pobres ou os ricos, acabar com o capitalismo, difundir a
democracia etc.
Entretanto, o que os governantes querem não é o mesmo que os governados querem. Indivíduos possuem ideias amplamente distintas sobre o que é desejável — algo
facilmente evidenciado pelos vários e diferentes estilos de vida.
Obviamente, governantes são incapazes de escolher
ações que satisfaçam as preferências individuais de cada governado, mesmo que
eles conhecessem absolutamente todas elas. Mas também nenhum governante sabe o
que os governados querem agora ou daqui a dez minutos. Dado que os
governantes absorvem recursos dos pagadores de impostos e os gastam em projetos
que não podem satisfazer as preferências de todos os seus governados, disso se
conclui que os governantes destroem a felicidade daqueles que eles tributam.
Quando estão limitados a empregar seus recursos
pessoais, os governantes têm um desincentivo para gastar. Já o poder de
tributar remove totalmente esse desincentivo, dando a eles um total incentivo
para cumprir seus propósitos.
Consequentemente, eles são encorajados a
fazer coisas como guerras bélicas, guerra contra as drogas, guerra contra a
pobreza, grandes saltos para frente, subsídios, programas de garantia de preços
mínimos, volumosas regulamentações que protegem determinadas empresas, restrições
de mercado para outras empresas, além, é claro, das indispensáveis festinhas
nababescas, entretenimentos opulentos, aviões, limusines etc.
Embora alguns "governados" ganhem com
essas depredações e façam
lobby por elas — com isso se tornando também governantes —, a esmagadora
maioria só perde. Estes só podem votar, reclamar na internet e escrever
cartas para jornais, um meio altamente imperfeito de se afetar as ações dos
governantes. Os votos são para os políticos, e não para os projetos; e
eles, os votos, ocorrem somente em intervalos de quatro anos, durante os quais
os governantes já criaram numerosos fatos irreversíveis. Nenhum eleitor
pode unilateralmente retirar seu apoio à guerra contra as drogas ou ao esquema fraudulento de pirâmide que
é a previdência social ou a qualquer outro programa estatal.
Escapar impunemente é o primeiro dos maus incentivos
associados ao poder de tributar dos governantes.
O segundo é o de aumentar os impostos existentes, o
que estimula mais ações perniciosas dos governantes. Aumentos de impostos são ações
previsíveis porque os governantes ganham com eles, desde que o custo em votos
perdidos não seja excessivo. A estrutura de incentivos inerente ao poder
de tributar é incrivelmente maligna, pois os governantes simplesmente controlam
a quantidade ($) do incentivo. Eles podem aumentar impostos à vontade, estando
sujeitos apenas à perda de alguns votos, algo contra o qual eles têm muitos
estratagemas para se precaver.
Terceiro, a tributação fornece um poderoso incentivo
ao endividamento do governo. Sem impostos com os quais pagar juros e
principal, um estado não pode emitir grandes quantias de títulos da dívida. Com
esse poder de tributar, o estado pode se endividar e se expandir, hipotecando
desta forma o futuro da próxima geração de pagadores de impostos. Essas
gerações futuras terão de pagar essa dívida com seu trabalho e poupança, o que
irá impedir que elas tenham uma maior qualidade de vida. Ademais, sendo um
grande devedor e detendo o monopólio da moeda, o estado passa a ter um
incentivo para pagar suas dívidas com um dinheiro de menor poder de
compra. O poder de tributar estimula o estado a desvalorizar continuamente
a moeda, da qual ele é o monopolista. Daí o grande incentivo, criado pelo próprio
governo, para que haja uma inflação contínua, gerando todos os malefícios relacionados
a este ato fraudulento.
Quarto, o poder de tributar dá aos governantes o
incentivo de se instituir programas que distribuem riqueza e criam
dependência. Esquemas distributivistas só foram crescer
enormemente (em qualquer país do mundo) após o estado ter adquirido o poder
de tributar a renda. Esses programas nocivos beneficiam os
governantes. Eles criam dependência e, consequentemente, fazem com que os dependentes se tornem
entusiásticos defensores do estado, uma vez que eles passam a temer a
hipótese de perder suas esmolas estatais. Esse apoio complica enormemente
qualquer esforço de se reduzir o poder do estado.
Quinto, o poder de tributar é o poder de vender ou
negociar abatimentos e isenções fiscais em troca de favores ou doações de
campanha, bem como o poder de extorquir dinheiro do setor produtivo (propinas)
em troca da promessa de que os impostos não serão aumentados ou de que novos
impostos não serão criados. Esse ambiente estimula a corrupção de
funcionários do governo. Adicionalmente, essas atividades criam tributações
diferenciadas e, por conseguinte, custosas ineficiências econômicas.
Sexto, os governantes têm um incentivo para camuflar
os impostos que criam, de modo que os governados nem mesmo saibam o quanto de
impostos estão pagando. Os governantes aprendem a dispersar o fardo tributário
mais amplamente, de modo que ele se torne mais suportável. É por isso que
os governantes instituem impostos retidos na fonte, encargos sociais,
trabalhistas e previdenciários,
impostos sobre a
gasolina, impostos
sobre vendas, impostos
sobre a cadeia produtiva etc. Adicionalmente, eles fazem com que os códigos
tributários sejam tão impossivelmente complexos, que até mesmo os fiscais da
Receita são incapazes de entendê-los.
Após algum tempo, a atenção do público é absorvida
pela complexidade do código tributário, deixando-se de se concentrar nos
impostos propriamente ditos. Aqueles que debatem a necessidade de
simplificar o código tributário frequentemente afirmam que suas propostas irão
reduzir os impostos. Isso pode acontecer; assim como os porcos podem algum
dia colonizar Marte. Os governantes não têm o menor incentivo para adotar
simplificações tributárias, a menos que esperem obter disso algum ganho —
ganho de receita, de poder ou de algum outro benefício.
Sétimo, com o intuito de persuadir os pagadores de
impostos de que suas receitas tributárias serão gastas em boas causas, os
governantes têm um incentivo para mentir sobre os benefícios e custos de seus
projetos, e relatá-los de maneira confusa e distorcida. Obras
superfaturadas, programas de renda mínima, hospitais públicos, escolas
públicas, emendas que geram privilégios para determinados setores, subsídios, criação
de ministérios e agências
reguladoras etc.: tudo pode ocorrer sob o manto de se estar fazendo o bem
para alguém. Qualquer pedido de maior transparência torna-se imediatamente
"insensibilidade para com o social". A verdade é uma fatalidade
para o poder de tributação.
Oitavo, o poder de tributar estimula os governantes
a adotar medidas que funcionam ineficientemente. Ou, colocando de outra
forma, eles possuem poucos incentivos para prover eficientemente seus serviços
com os impostos arrecadados, pois eles não têm de arcar pessoalmente com as
consequências e com o custo total de seus erros. Afinal, eles sempre poderão
arrecadar mais dinheiro de impostos para então "melhorar" os serviços prestados.
Donde se conclui que todos os programas financiados por impostos serão menos
eficientemente geridos do que seriam caso a oferta desses mesmos serviços fosse
feita pela iniciativa privada em ambiente de livre concorrência.
Finalmente, os governantes possuem um nono
incentivo: manter indefinidamente o poder de tributar. Pelo menos três
atividades destrutivas resultam disso:
a) A fabricação contínua de propaganda para
justificar os impostos. Governantes estão sempre fazendo alarido sobre os
perigos e problemas iminentes que podem irromper a qualquer minuto caso
descuidemos dos impostos. Eles propagandeiam "necessidades"
desesperadoras que são essenciais para a nossa sobrevivência: programas anti-pobreza
para impedir a inquietação social, a baderna ou a criminalidade; a proibição
das drogas para impedir ameaças à saúde pública do país; subsídios para impedir
colapsos na oferta de alimento ou prejuízos para a indústria, que é a espinha
dorsal da nação; e a existência de um Banco Central para impedir catastróficas
quebras bancárias. Basicamente, os governantes apelam para os temores e
inseguranças mais básicos dos governados, bem como para seus profundos desejos
nacionalistas, patrióticos e religiosos, tudo com o intuito de justificar suas
ações.
b) Os governantes recrutam todo um exército de propagandistas,
dentro e fora do governo, para que eles apregoem e elogiem suas diretivas
políticas e, em troca, recebam dinheiro, favores, privilégios e outras
compensações e agrados que eles porventura valorizem, inclusive o poder e a
sensação de importância. A consequência perversa disso é a corrupção do
processo de informação da sociedade.
c) O abafamento de todas as críticas efetivas aos
governantes. Caso as rebeldes vozes anti-impostos ganhassem influência,
os governantes ficariam em situação difícil. Consequentemente, eles fazem
de tudo para obstruir e suprimir tais críticas. Lamentavelmente, a
liberdade de expressão e o poder de tributar são incompatíveis, e os
governantes irão restringir a liberdade de expressão sempre que possível e sob
qualquer justificativa engenhosa que eles conseguirem inventar.
Resumo e conclusão
Escolhas propositadas feitas no âmbito do
comportamento voluntário entre pessoas comuns tendem a melhorar a vida
destas. Já as escolhas propositadas feitas por governantes tendem a
destruir vidas, pois os governantes agem de acordo com seus caprichos, e não de
acordo com os desejos dos pagadores de impostos.
O poder de tributar envolve o poder de
destruir. Mesmo se ignorarmos o argumento moral de que todo imposto é
roubo e ignorarmos os argumentos consequencialistas de que impostos obstruem a
busca da felicidade e reduzem a eficiência econômica, o poder de tributar gera
inúmeros incentivos perniciosos que, com efeito, estimulam várias formas de
destruição.
O ponto principal é este: não deposite esperança
alguma de melhorias na simples troca do partido que está no poder, pois,
enquanto os governantes usufruírem o poder de tributar, eles utilizarão esse
mecanismo estatal em detrimento de seus governados. O poder de tributar fornece
à serpente do estado suas vítimas: nós.
Impostos alimentam o monstro cujo crescimento espalha
veneno para todos os lados. Impostos, com ou sem representação, sempre irão
fomentar danos e destruição. A única coisa sensata a se fazer é tornar a
besta impotente, acabando com seu poder de tributar.