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Economia

O cenário político italiano e seu sistema bancário: a grande encrenca para a União Europeia

As perspectivas futuras não são nada boas para Bruxelas

05/12/2016

O cenário político italiano e seu sistema bancário: a grande encrenca para a União Europeia

As perspectivas futuras não são nada boas para Bruxelas

No dia 23 de junho, os eleitores do Reino Unido deram um não à permanência do país na União Europeia. Os defensores do Brexit saíram vitoriosos, assustando o establishment e temporariamente abalando os mercados financeiros. Aquele ato jogou ainda mais gasolina em uma fogueira italiana, que estava ainda incandescente -- uma fogueira que pode acabar se transformando em incêndio.

Em julho, os resultados dos testes de estresse (testes para ver a robustez dos balancetes) feitos em 51 bancos europeus mostraram que o Banca Monte dei Paschi di Siena, o terceiro maior da Itália, é o que está em situação mais delicada. Tendo tomado vários calotes -- o que significa que ele está com ativos (empréstimos) que, na prática, valem zero --, o banco terá de declarar, até o final do ano, uma redução de 28 bilhões de euros em seus ativos.

Uma redução de 28 bilhões nos ativos sem uma igual redução em seus passivos significa uma profunda descapitalização, que pode deixar o banco totalmente insolvente.

O Banco Central Europeu, por conseguinte, ordenou que o Monte dei Paschi conseguisse levantar pelo menos 5 bilhões de euros para se recapitalizar. Ato contínuo, o Monte Paschi anunciou que iria fazer isso (elevar seu capital) por meio de três etapas: transformar passivo em patrimônio líquido (capital), emitir mais ações na bolsa de valores, e retirar de seus balancetes os empréstimos inadimplentes.

A etapa de transformar passivo em patrimônio líquido começou na segunda-feira passada e foi até sexta-feira. O Monte dei Paschi pediu a todos que estivessem em posse de títulos do banco [como CDBs e RDBs] que aceitassem trocar 4,3 bilhões de euros por ações do banco. Os detentores dos títulos concordaram em converter apenas um quarto deste valor.

Estava programada para esta semana a segunda etapa, que era a emissão de ações. Porém, com o resultado negativo do referendo ocorrido neste fim de semana e com a subsequente renúncia do atual governo, não se sabe qual será a continuação dada a esse programa pelo futuro novo governo.

Apenas se a emissão de ações fosse bem sucedida é que a terceira etapa seria implantada: um total de 27,7 bilhões em empréstimos inadimplentes seria retirado do balancete do Monte dei Paschi e direcionada para um entidade separada, a qual transformaria essas dívidas ruins em títulos e venderia no mercado secundário para investidores dispostos a assumir o risco. O programa de emissão de ações estava condicionado à venda desses empréstimos inadimplentes. Um não irá ocorrer sem o outro.

O governo do agora demissionário primeiro-ministro Matteo Renzi anunciou que não iria haver nenhum pacote de socorro para os bancos italianos. Como nada se sabe quanto ao futuro governo, tudo agora fica em aberto.

O futuro

Desde 2008, o Monte dei Paschi já recebeu 4 bilhões de euros dos pagadores de impostos e mais 8 bilhões de euros dos investidores. Todo o valor foi queimado. E, agora que mais de um terço de seus empréstimos concedidos estão inadimplentes, o banco precisa de uma nova rodada de capitalização.

As nuvens pesadas já estão a pleno no horizonte. Se o banco queimou 12 bilhões de euros, por que não irá queimar outros 5 bilhões?

Pior: dado que vários bancos italianos estão repletos de empréstimos inadimplentes (o total chega a aproximadamente 200 bilhões de euros), e dado que suas ações estão em valores historicamente baixos, é necessário ser bastante otimista para acreditar que o programa de emissão de ações será bem-sucedido.

O fato é que se o Monte dei Pasche não conseguir se recapitalizar no mercado, o futuro governo italiano e a União Europeia irão entrar em conflito. E aí jaz a potencial tormenta: pelas novas regras da União Europeia, caso um banco em dificuldades não consiga se recapitalizar no mercado, seus correntistas é que terão de fazer o serviço. Na prática, o dinheiro que está na conta-corrente, na conta-poupança ou em CDBs será confiscado de seus proprietários e incorporado ao patrimônio líquido do banco, aumentando seu capital.  Aquele dinheiro que até então era contabilizado como um passivo para o banco torna-se um patrimônio líquido do banco.  [Foi isso o que aconteceu no Chipre em 2013.]

Tal prática tornou-se conhecida no jargão financeiro como bail-in -- em oposição ao bail-out, que é quando o governo utiliza dinheiro de impostos para socorrer os bancos, não mexendo no dinheiro dos correntistas.

O bail-in, obviamente, é politicamente suicida para qualquer governo. O bail-out, embora também impopular, tende a ser mais popularmente palatável. Mas vai contra as novas regras da União Europeia.

Caso um governo populista de esquerda contrário à União Europeia e ao euro -- como o hoje popular Movimento 5 Estrelas, liderado pelo comediante Beppe Grillo -- assuma o comando do país, tudo se torna ainda mais imprevisível. De um lado, não mais haveria segurança política para que o mercado recapitalizasse os bancos. De outro, provavelmente não haveria nem bail-ins (impopular para os correntistas do terceiro maior banco italiano) e nem bail-outs (impopular por ser visto como "governo salvando banqueiro").

O problema é a economia

Partindo do princípio de que será difícil o banco se recapitalizar no mercado, sobram o bail-in (que é o que manda a União Europeia) e o bail-out (que a EU proíbe).

Os argumentos contra o bail-out são sólidos: eles representam a premiação da incompetência e o aumento do risco moral. Por que um banco seria prudente se ele sabe que o governo sempre irá socorrê-lo com o dinheiro de impostos?

Já os argumentos contra o bail-in, especialmente no caso italiano, são mais frágeis: seus críticos dizem que imputar perdas aos investidores abalaria a confiança nos bancos, aumentaria os saques dos correntistas, e, consequentemente, afetaria a capacidade futura dos bancos italianos em seguir concedendo crédito barato. 

Sim, só que esta é exatamente a própria política que gerou o problema.  Ao contrário do que ocorreu na Espanha ou na Irlanda, em que o descalabro bancário esteve vinculado a uma bolha imobiliária que estourou e gerou calotes maciços, a situação italiana não decorre de nenhum boom econômico artificial: a renda per capita do país está literalmente estagnada há 20 anos.  Todo o crédito bancário que foi direcionado a famílias e empresas se materializou em investimentos de baixíssimo retorno, incapazes de gerar os fundos suficientes para amortizar as dívidas.  Daí os calotes, mesmo com os juros baixíssimos.

O problema econômico da Itália, portanto, nunca foi de escassez de crédito, mas sim de falta de oportunidades sensatas de investimento.  Isso fez com que o país crescesse exiguamente em decorrência de endividamento insolvente.  Em vez de se preocuparem com a restrição creditícia que seria acarretada pelo bail-in, seus governantes deveriam se preocupar em impulsionar um ambicioso pacote de liberalizações que multiplique as oportunidades reais de investimentos. 

Conclusão

O Monte dei Paschi não é o único banco italiano encrencado. Por causa da fraca atividade econômica e dos calotes que ela gerou, todos os bancos italianos precisam (ou precisarão em breve) de capital adicional. Só que emitir novas ações não seria uma ideia muito atraente porque as ações de todos os bancos valem hoje menos que seu valor contábil. Os bancos Intesa Sanpaolo, UniCredit, UBI Banca, Banco Popolare e o próprio Monte dei Paschi estão com sua ações valendo menos que seu patrimônio.

Sem recapitalização via mercado, um socorro governamental se torna a fonte mais politicamente viável de recapitalização. Mas isso é proibido pela UE. Sobra então para os correntistas e investidores detentores de títulos bancários socorrer os bancos, mas isso é impopular.

Enquanto isso, o Movimento 5 Estrelas é o favorito para assumir o governo nas próximas eleições, segundo as pesquisas. Ele é a favor da saída da Itália da UE e do euro. Isso, sim, pode trazer inquietação para os garotos de Bruxelas.

 

Sobre o autor

Steve Hanke

É professor de Economia Aplicada e co-diretor do Institute for Applied Economics, Global Health, and the Study of Business Enterprise da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, EUA.

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