quarta-feira, 23 nov 2016
A França é o segundo país mais
importante da zona do euro e da União Europeia (considerando a saída do Reino Unido).
Em abril de 2017, o país escolherá seu próximo presidente. Os desdobramentos
dessa eleição serão cruciais para o futuro tanto do euro quanto da União
Europeia.
Eis cinco fatos de crítica
importância.
1.
Os Republicanos estão prestes a nomear um candidato com uma plataforma de
cortar gastos do governo
Domingo passado, o Partido
Republicano francês (Les Républicains) realizou, pela primeira vez em sua história,
primárias para definir quem será seu candidato a presidente. Neste primeiro
turno, 7 candidatos concorreram. As pesquisas previam que o prefeito de
Bordeaux, Alain Juppé, um político tradicional
de centro-direita com grande apreço pela União Europeia, venceria com
tranquilidade, sendo seguido pelo ex-presidente Nicolas Sarkozy.
Em uma surpreendente reviravolta, o
ex-primeiro ministro de Sarkozy, François Fillon, sagrou-se
vencedor com 44,1% do votos, ao passo que Juppé terminou em segundo, com 28,6%.
A surpresa não somente foi a
vitória de um candidato que não é um político profissional — desta maneira
invalidando as pesquisas e os comentaristas políticos —, como também o fato de
que as propostas deste candidato giram em torno de uma redução do tamanho do
estado (algo atípico e impopular na França).
François Fillon deixou claro que
quer demitir 500.000 funcionários públicos
em cinco anos, reduzir impostos e contribuições à seguridade social em um montante € 50 bilhões, e
reduzir os gastos totais em € 100 bilhões. Fillon também fala em aumentar consideravelmente a
autonomia das escolas (deixando-as mais livres das imposições estatais) e
quer abolir em definitivo o aumento de impostos implantado por François Hollande
sobre as rendas mais altas — chamado de "imposto de
solidariedade sobre as grandes fortunas".
Mas nada
de ficar animando. Esse bem-vindo corte de gastos anunciado por Fillon oculta o
fato de que ele defende
um aumento de 2% nos impostos sobre o consumo. Ele também quer intensificar a guerra
às drogas, é a favor de que o parlamento introduza uma
cota anual nas imigrações, e quer proibir
o burkini.
Fillon
foi o primeiro-ministro de Sarkozy de 2007 a 2012, um período caracterizado por
aumentos de impostos e um volumoso pacote de socorro aos bancos.
2. François Hollande pode ser derrubado pelo
seu próprio partido
Na mais recente pesquisa de
popularidade, apenas 4% dos franceses
consideravam o desempenho do atual presidente socialista François Hollande como
"satisfatório".
Com uma taxa de aprovação menor que
a porcentagem de álcool em uma garrafa de Bordeaux tinto, Hollande causou
sérios problemas para si próprio e para seu partido. Pesquisas atuais mostram que
Hollande, que busca a reeleição, seria trucidado no primeiro turno das eleições
de 2017, o que vem dividindo seus colegas partidários.
É comum na França que o atual presidente,
ao tentar a reeleição, não seja desafiado dentro de seu partido por outro
candidato que queira tentar sua vaga. No entanto, a impopularidade
historicamente baixa de Hollande levou o Partido Socialista a marcar sua
primária para janeiro de 2017. Os principais rivais de Hollande
nessa disputa são seu próprio primeiro-ministro Manuel Valls e seu ex-ministro da economia Arnaud Montebourg, conhecido por seu inflexível
keynesianismo na defesa de mais gastos governamentais.
De acordo com as pesquisas,
ambos derrotariam facilmente Hollande nas primárias de janeiro.
3.
Sim, Marine Le Pen tem grandes chances de vitória
Ela provavelmente é o grande
elefante na loja de porcelana. Marine Le Pen, líder da Frente Nacional, um partido nacionalista, disparou tão acentuadamente
nas pesquisas, que seu partido nem sequer se preocupou em organizar uma
primária. Ela já é a candidata natural.
As pesquisas mostram que, hoje,
ela estaria tranquilamente no segundo turno, deixando-a tão perto da presidência
quanto seu pai, Jean-Marie Le Pen, em 2002. Ela
tem o dobro de votos de Hollande.
A grande questão é se há mais espaço
para Marine Le Pen continuar crescendo, pois sua agenda política sempre foi muito
clara: interromper a imigração, abandonar o euro e sair da União Europeia, e
reintroduzir o velho e ineficiente protecionismo. Logo, nenhuma mudança de
discurso ou de mensagem aumentaria sua preferência. Quem a apoia e quem é
contra já sabem muito bem o que ela defende.
Ironicamente, o único fator que
pode conferir novo impulso a Le Pen e à Frente Nacional são os seus opositores políticos.
De um lado, a derrota de Nicolas
Sarkozy nas primárias republicanas significa que seus apoiadores mais radicais
podem migrar para Le Pen. Como disse o jornal Le Figaro: "A Frente Nacional almeja
adotar os órfãos de Sarkozy".
De outro, a baixíssima popularidade
do Partido Socialista pode ser também um grande ativo para Le Pen, que poderá
ganhar o apoio de socialistas desiludidos. Afinal, sua agenda econômica é
altamente intervencionista (bem ao gosto dos socialistas) e contrasta com a
abordagem mais liberal de François Fillon e com as convicções pró-União
Europeia de Alain Juppé.
Brigas entre vários grupos
políticos e desilusões ideológicas sempre favorecem a ascensão de nacionalistas
mais extremistas.
4.
Um candidato independente e simpático ao livre mercado já está com dois dígitos
nas intenções de voto
Emmanuel Macron, que chegou a ser ministro da economia no
governo socialista por um curto período de tempo, renunciou e agora está
concorrendo como candidato independente. Na França, ele é amplamente conhecido por
ter criado a Lei Macron (oficialmente: Lei
para o Crescimento, Eficácia e Igualdade de Oportunidades Econômicas).
Tal lei contém uma ampla
variedade de alterações nas regulamentações econômicas, trabalhistas e de
transporte.
Macron abriu o mercado de ônibus intermunicipais,
acabando com os monopólios protegidos pelo estado e permitindo a entrada de
novos concorrentes. Tal medida gerou mais concorrência no mercado, reduziu os preços
das passagens e criou 13 mil novos empregos no
setor privado.
Adicionalmente, houve também uma
reforma nas leis trabalhistas que versavam sobre a proibição de trabalhar aos
domingos: Macron não apenas ampliou as exceções a essa lei (o que possibilitou
que mais negócios pudessem abrir aos domingos), como também aumentou o número
de permissões concedidas pelas autoridades locais.
Outra medida foi a introdução de
maior flexibilidade na profissão dos notários (profissionais
que emitem notas, certidões e que fazem protestos de títulos; também conhecidos
como tabeliães) por meio da criação de 247 zonas chamadas de "zonas de
livre estabelecimento" ao redor de toda a França. Nestas zonas, os tabeliães não
precisam ser regulados pelo governo, podendo exercer livremente sua profissão. Isso
basicamente liberaliza o mercado de notários e reduz o preço para seus
consumidores.
Macron está atualmente com dois
dígitos na preferência dos eleitores, os quais, notavelmente, são oriundos de todos os lados do espectro
político.
5.
O ponto de virada para o país chegou
A segurança nacional se tornou um
assunto extremamente importante para os franceses após vários terroristas islâmicos terem cometido horrendos ataques que
resultaram na morte de centenas de pessoas.
Adicionalmente, o PIB per capita
do país não aumentou entre 2007 e 2015.
E, embora sucessivos governos
tenham prometido combater o desemprego, a taxa não consegue ficar abaixo de 10%.
E um número alarmante de pessoas desempregadas não mais conseguiu trabalhar
desde a crise de 2008. O número
absoluto de desempregados é recorde histórico.
A dívida do governo em relação ao
PIB está perigosamente perto de 100%, e os déficits financeiros do governo estão
entre os maiores da zona do euro ("estranhamente", os déficits nada fizeram
para aditivar a economia, como defendem os keynesianos).
A social-democracia francesa
chegou ao limite. Há muito tempo.
Porém, por causa do enorme poder político
dos sindicatos, qualquer reforme visando a reduzir gastos com assistencialismo praticamente
não tem chances reais.
Conclusão
A França chegou a uma conjuntura
crítica. Não há dúvidas de que as consequências desta eleição serão por
décadas.
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