Ao longo
de quase toda a história da humanidade, as condições humanas foram de penúria e
pobreza abjetas. Sim, havia reis, príncipes e ordens religiosas que viviam
melhor que todo o resto da massa humana. Porém, olhando em retrospecto o padrão
de vida deles, mesmo o mais privilegiado e poderoso líder político ou chefe
tribal viveu sob condições materiais que a maioria de nós, hoje, consideraria
horripilantes, algo meramente acima da subsistência.
Por
milhares de anos, essas foram as circunstâncias da raça humana. A pobreza
dantesca era a norma; era a condição natural e permanente de cada ser humano.
E então,
começando a partir de menos de trezentos anos atrás, as condições humanas
começaram a mudar — primeiro, lentamente e de maneira desigual, em pontos
localizados da Europa; depois, na América do Norte. Desde então, essas
melhorias foram se espalhando por todo o globo.
Historiadores
econômicos já estimaram a intensidade em que a pobreza foi abolida ao redor do
mundo. Há apenas 200 anos, em
1820, aproximadamente 95% da população mundial vivia na pobreza, com uma
estimativa de que 85% vivia na pobreza "abjeta". Em 2015, o Banco Mundial
calculou que menos
de 10% da humanidade continua a viver em tais circunstâncias.
Agora,
10% de 7,4 bilhões de pessoas que vivem neste planeta ainda equivalem a 740
milhões de homens, mulheres e crianças. É um número alto? Extremamente. Mas se
levarmos em conta que, em 1820, toda a população humana totalizava um bilhão de
pessoas, e que a vasta maioria vivia na pobreza absoluta, então aproximadamente
6,4 bilhões de pessoas foram acrescentadas à população global. Destas, "apenas"
740 milhões (três quartos de um bilhão) ainda têm de ser retiradas da pobreza,
dentro de um total de 7,4 bilhões de pessoas.
O
surgimento do capitalismo — e a revolução industrial gerada por este — foi o
responsável por essa estrondosa melhoria na qualidade de vida das pessoas.
A feição característica
do capitalismo que o distinguiu dos métodos pré-capitalistas de produção era o
seu novo princípio de distribuição e comercialização de mercadorias.
Surgiram as fábricas e começou-se a produzir bens baratos para a
multidão. Todas as fábricas primitivas foram concebidas para servir às
massas, a mesma camada social que trabalhava nas fábricas.
Elas serviam às massas
tanto de forma direta quanto indireta: de forma direta quando lhes supriam
produtos diretamente, e de forma indireta quando exportavam seus produtos, o
que possibilitava que bens e matérias-primas estrangeiros pudessem ser
importados. Este princípio de distribuição e comercialização de
mercadorias foi a característica inconfundível do capitalismo primitivo, assim
como é do capitalismo moderno.
O capitalismo, em
conjunto com a criatividade tecnológica, foi o que livrou o Ocidente do
fantasma da armadilha malthusiana. Antes da Revolução Industrial,
as populações crescentes pressionavam inexoravelmente os meios de
subsistência. Porém, quando as fábricas de Manchester, na Inglaterra,
começaram a atrair um volume maciço de pobres que estavam ociosos no meio
rural, e quando elas passaram a importar trigo barato, Malthus se tornou um
profeta desacreditado em sua própria Grã-Bretanha.
Como acabou ocorrendo,
toda a criatividade e inventividade que o capitalismo desencadeou se refletiu
nas estatísticas de natalidade: pessoas de classe média que não mais
necessitavam gerar famílias grandes para ter filhos que trabalhasse e ajudassem
no sustento começaram a limitar a quantidade de filhos.
Essa combinação entre
famílias menores e uma aplicação mais engenhosa da ciência à agricultura acabou
com o problema da inanição no Ocidente. A partir daí, a pobreza deixou de
ser predominante e passou a ficar restrita a um número cada vez menor de
pessoas.
Não
obstante esse estrondoso feito na redução da pobreza e no aumento da liberdade e da
dignidade de bilhões de pessoas ao redor do mundo, o clima político e
cultural ao redor do mundo ainda é virulentamente anti-capitalista e anti-livre
iniciativa. No entanto, foi exatamente
onde as forças do capitalismo e da livre-iniciativa estiveram mais livres para operar,
em conjunto com a aceitação
e até mesmo respeito aos empreendedores, que os mais dramáticos avanços
foram feitos em termos de abolir as piores e mais esquálidas condições
materiais da humanidade.
A condenação moral dos empreendedores
A
produção em massa se torna lucrativa quando o empreendedor demonstra saber como
satisfazer as necessidades e desejos da população. No passado, a massa humana
se mantinha presa às terras nas quais eram obrigadas a servir a seus mestres e
senhores feudais, os quais, por meio da conquista e da espoliação, viviam como
senhores de engenho. Hoje, sob o capitalismo e o livre mercado, aqueles que
assumem o papel de empreendedores não possuem outra fonte de ganhos senão a sua
competência em atender e satisfazer os desejos e necessidades do público, que
voluntariamente opta por consumir seus bens e serviços. E este público somos
todos nós.
Seria de
se imaginar que um sistema econômico que gera um arranjo no qual os mais
criativos, industriosos e inovadores membros da sociedade possuem incentivos
para direcionar seus talentos e habilidades para a melhoria das condições de
vida de terceiros — em vez de utilizar suas qualidades superiores para pilhar
o que seus vizinhos produziram — seria aclamado e aplaudido como o maior dos arranjos
institucionais já criados pelo homem.
Seria de
se imaginar que um arranjo que é capaz de domar as pessoas mais egoístas,
ambiciosas e talentosas da sociedade, fazendo com que seja do interesse
financeiro delas se preocuparem dia e noite com novas maneiras de agradar
terceiros, seria louvado por todos como uma brilhante criação.
No
entanto, quanto mais os criativos e industriosos prosperam neste arranjo
produtivo e pacífico, mais eles são condenados e acusados de cometer algum tipo
de "crime contra a humanidade" por causa dos lucros que auferem ao melhorar as
circunstâncias das pessoas ao seu redor.
Neste
arranjo, aqueles que buscam a liderança nos negócios, aqueles que demonstram
excelência empreendedorial em criar, dirigir e comercializar produtos melhores,
produtos novos e produtos mais baratos se tornam alvos de condenação, escárnio
e até mesmo ódio daquelas mesmas pessoas cujo padrão de vida foi melhorado
substancialmente em decorrência destas criações empreendedoriais.
Os
intelectuais, os acadêmicos, os jornalistas e os auto-proclamados "críticos" da
atual condição humana estão sempre apontando dedos para os empreendedores como
se estes fossem a fonte e a causa de todas as misérias, frustrações, decepções
e insatisfações da humanidade.
As
elites sociais e intelectuais sonham com "um mundo melhor", mas
acreditam que este mundo melhor só virá se elas estiveram no comando de todos
os arranjos sociais da humanidade. "O grande mal do mundo é que eu não estou
mandando", pensam elas.
Para
essas pessoas, empreendedores representam um obstáculo à utópica "revolução
social" que tanto almejam, pois as instituições da propriedade privada e da
acumulação de riqueza são um empecilho para aqueles que sonham ter livre acesso
às posses e à riqueza de terceiros, e utilizá-la de modo a implantar sua
própria "utopia".
Empresários
e empreendedores honoráveis
A baixa
estima que empresas usufruem perante várias pessoas ao redor do mundo é
preocupante. Afirmo isso porque empreendedores que operam no livre mercado
estão em uma dimensão completamente diferente da daqueles que ganham a vida por
meio da política, isto é, por meio dos impostos confiscados da população.
Com efeito,
digo que não há maneira mais honrada e moral de ganhar a vida do que sendo um empreendedor na arena
concorrencial e competitiva do livre mercado, ganhando seu dinheiro
exclusivamente por meio da satisfação das pessoas, e não por meio de
privilégios, subsídios e proteções concedidas pelo governo — com o dinheiro
confiscado de terceiros — a seus favoritos.
Utilizando
uma frase bíblica, muitos são os chamamentos, mas poucos são os escolhidos para
assumir o papel de empreendedor. Eleitores não vão às urnas para alçar o
empreendedor à sua posição de líder de uma empresa. Ele ganha sua posição não
por meio de promessas aos eleitores, mas sim por meio dos serviços efetivamente
entregues aos seus consumidores.
Em uma
economia de mercado, aqueles que imaginam, projetam, criam, implantam e dirigem
empreendimentos não precisam, inicialmente, da aceitação, da aprovação ou do
consentimento de um grande número de coalizões de indivíduos ou de grupos, como
têm de fazer os políticos em um processo eleitoral.
O
empreendedor que opera no livre mercado é, inicialmente, auto-escolhido e
auto-nomeado. Com efeito, suas idéias — que o levam a criar, organizar e
implementar suas atividades, levando assim à produção de bens e serviços —
podem não ser nem sequer entendidas e acreditadas pela grande maioria das
pessoas. Antes de seu produto estar finalizado e ser oferecido aos
consumidores, que podem livremente rejeitá-lo, o empreendedor não tem a mínima
ideia sobre se será bem sucedido ou um fracasso retumbante.
Aceitar
a tarefa de liderança empresarial, portanto, requer visão, arrojo, confiança,
determinação e disciplina. Acima de tudo, requer apoio financeiro: ou de sua
própria poupança, ou daqueles que ele consegue persuadir a lhe emprestar os
fundos necessários, ou de eventuais sócios que ele consiga convencer a se
arriscar junto a ele para levar suas idéias ao mercado.
O
empreendedor é, portanto, alguém que está disposto a correr riscos em busca de
lucros. E que pode acabar perdendo tudo.
Em
contraste, políticos e funcionários públicos, tão logo escolhidos, têm renda e
até mesmo aposentadoria garantidas.
As qualidades dos empreendedores que operam
no livre mercado
Ao
contrário do processo político, o sucesso de um empreendedor não é mensurado
pelas urnas, mas sim de acordo com o êxito do empreendedor em conquistar a
preferência voluntária dos consumidores pelo seu produto. E o grau dessa
preferência será mensurado pelo total de receitas em relação ao total de custos
incorridos pelo empreendedor para levar seu produto ao mercado.
Será que
esse empreendedor conseguirá antecipar a direção e a tendência das demandas
futuras dos consumidores? Mais ainda: será que ele conseguirá fazer isso de
maneira mais precisa que seus concorrentes no mercado? Será que ele está alerta
às oportunidades de lucro que outros não conseguiram perceber? Será que ele
saberá como introduzir novos e melhores produtos no mercado — ou então
produtos bons e mais baratos — para assim conseguir os "votos" dos
consumidores por meio do dinheiro que estes gastam?
Acima de
tudo: será que ele conseguirá fazer com que os consumidores voluntariamente
gastem seu dinheiro em seus produtos e não nos produtos de outros concorrentes?
Não
importa se um empreendedor vende geladeiras, pentes ou computadores: sua
concorrência serão todos os outros empreendedores que estejam vendendo qualquer outro bem ou serviço no mercado.
Para um empreendedor conseguir o dinheiro dos consumidores, estes terão
necessariamente de abrir mão de algum gasto em alguma outra área.
Por
isso, pode-se dizer que o mercado é uma democracia na qual cada centavo permite
o direito de votar. Por meio de seus votos, mensurados em unidades monetárias,
os consumidores determinam qual empreendedor continuará no mercado e qual
perderá sua posição.
Embora o
empreendedor inicialmente se auto-nomeie e se auto-escolha para incorrer o
risco de uma atividade até então desconhecida, sem o consentimento prévio e o
apoio financeiro do público consumidor, são os consumidores quem, em última
instância, determinarão se ele manterá ou não sua posição empreendedorial nesta
divisão de trabalho criada pelo mercado.
A determinação e o impulso empreendedorial
O líder
empreendedorial tem de ser distintivamente obcecado e passionalmente dedicado
ao seu papel na divisão do trabalho. Outros em sua empresa podem se dar ao luxo
de chegar ao trabalho às nove da manhã e sair às 6 da tarde. Ele, não. Ele tem
de trabalhar 24/7, mesmo quando está longe do seu local de trabalho.
A cadeia
de fornecimentos da empresa está operando eficientemente? Os executivos e
gerentes estão supervisionando corretamente suas divisões? Estas estão
funcionando adequadamente? O que seus concorrentes estão planejando fazer? O
que sua própria empresa está planejando fazer em termos de campanha
publicitária, melhoria de produtos, inovações tecnológicas, e adaptação às
constantes alterações no padrão de demanda dos consumidores?
O fardo
de manter em dia a folha de pagamento de seus empregados — pelos quais ele é
responsável e cujo salário tem de chegar pontualmente mesmo que a empresa tenha
vultosos prejuízos — em conjunto com as obrigações que ele assumiu de entregar
os bens e produtos aos seus consumidores e clientes significam que, como líder
de seu negócio, sua mente simplesmente não pode descansar e desligar quando a
jornada de trabalho de seus empregados acaba.
Uma
grande parte da ética da livre iniciativa, portanto, é refletida na
integridade, na disciplina, e na qualidade do caráter daqueles que optam por
esse papel na divisão do trabalho.
Conclusão
Todos aqueles que já tiveram um negócio próprio, e fizeram grandes sacrifícios para isso, sabem bem o drama do primeiro dia: será que o mundo quer aquilo que tenho a oferecer? Seja um imigrante abrindo um simples salão de beleza ou Steve Jobs vendendo um computador da Apple, o sucesso está longe de ser garantido. Com efeito, a única coisa realmente garantida é o fracasso, o qual inevitavelmente ocorrerá caso você não saiba agradar aos outros.
Essas corajosas almas, os empreendedores que são a alma do capitalismo e que nos fornecem infindáveis benefícios materiais, desde caixas eletrônicos a remédios que salvam vidas, deveriam ser venerados, e não malhados.
São
essas pessoas, por meio deste trabalho, que elevam o padrão de vida das massas.
Foram elas, por meio de seus bens criados e serviços oferecidos, que reduziram
a penúria das pessoas ao longo dos séculos, levando conforto, bem-estar e maior
expectativa de vida para todos.
Acima de
tudo, são elas que sustentam uma economia, que fornecem um meio de vida para
todas as pessoas e que, de quebra, ainda têm de bancar toda a máquina pública.
Elas são
seres humanos como eu e você, que utilizam o melhor de suas habilidades para
servirem aos seus semelhantes e, com isso, moldarem seu próprio destino.
E são
essas pessoas que são desprezadas pelos seus próprios beneficiários — os quais
levam uma vida cada vez mais pujante.