quinta-feira, 20 out 2016
Foi
ainda em 2006 que uma exploração na Bacia de Campos descobriu o pré-sal, uma camada
geológica extremamente profunda contendo petróleo de alta qualidade.
A
descoberta foi anunciada com grande euforia. Políticos diziam que a descoberta lançaria
o país em uma nova era. O então presidente Luiz Inácio Lula da Silva descreveu
o pré-sal como um "bilhete
premiado" para os brasileiros.
E
quando, em 2008, a Petrobras extraiu pela primeira vez petróleo do pré-sal, a
promessa era a de que todos os problemas do Brasil já estavam
solucionados. Bastava apenas extrair o petróleo lá das profundezas, e
todos os
problemas da educação e da pobreza seriam miraculosamente resolvidos com o
dinheiro que seria obtido com a exportação deste petróleo.
Hoje,
porém, dez anos após a descoberta, o Brasil se encontra em uma profunda crise econômica
e política. O desemprego alcançou
12 milhões de pessoas. No setor petrolífero, decisões ruins tomadas pelo
governo transformaram os supostos benefícios do pré-sal em uma grande ficção. Tem havido uma hemorragia nos investimentos
privados. As atividades de pesquisa e inovação nos parques tecnológicos minguaram.
Engenheiros formados nas melhores universidades do país já abandonaram sua área
de formação e, por falta de oportunidades, migraram
para outras áreas que pagam menos. Vários pensam
em sair do país.
E
o pré-sal jamais chegou perto de entregar o prometido, se transformando em uma
grande decepção.
Quem ofuscou o ouro negro?
A
jornada petrolífera brasileira, da euforia ao fracasso, pode ser mais bem
compreendida ao se analisar as transformações no quadro regulatório do setor nos
últimos vinte anos.
Até
meados da década de 1990, a Constituição Federal brasileira estipulava que a
exploração e produção de petróleo deveriam ser monopólios da União. E esse
monopólio seria exercido pela Petrobras. Com efeito, a Petrobras já exercia
esse monopólio desde sua criação, em 1954.
No
ano de 1995, foi aprovada uma emenda constitucional flexibilizando esse
monopólio, possibilitando
à União a contratação de empresas privadas — nacionais e estrangeiras —
para a realização das atividades, em um ambiente competitivo.
Dois
anos depois, em 1997, o processo de abertura do setor de petróleo no Brasil
alcançou seu amadurecimento com a Lei nº 9.478/97,
instituindo o regime de concessão por licitação. A Wikipédia traz um bom
resumo:
A lei nº 9.478 extingue o monopólio
estatal do petróleo nas atividades relacionadas à exploração, produção, refino
e transporte do petróleo no Brasil, e passa a permitir que, além da Petrobrás,
outras empresas constituídas sob as leis brasileiras e com sede no Brasil
passem a atuar em todos os elos da cadeia do petróleo, ou seja, do poço ao
posto (em inglês, from well to wheel), em regime de concessão ou mediante
autorização do concedente — a União.
Até o advento desta lei, outras
empresas só podiam atuar no downstream, isto é, apenas na venda dos derivados
do petróleo. A Petrobras perdeu, assim, o monopólio da exploração e do refino
de petróleo no Brasil.
Ou
seja, este regime concedeu a empresas privadas o direito de explorar petróleo
no país, desde que pagassem o bônus da assinatura, royalties e participação
especial.
O
bônus de assinatura é um valor pago pela empresa concessionária vencedora da
licitação para poder explorar determinado campo. O valor desse bônus é definido
em leilão.
Os
royalties são uma espécie de imposto pago sobre o faturamento total. Hoje,
todos os campos de exploração pagam em média 10% de royalties.
Já
a participação especial (regulamentada pelo decreto n° 2.705
de 1998) é cobrada somente em campos com alta produtividade. Vale ressaltar
que, com esse regime, aumentou-se a participação acionária de investidores
privados na Petrobras.
Essa
quebra do monopólio estatal e a subsequente abertura do setor — ainda que
tímida — a empresas privadas geraram resultados expressivos. A participação do
setor de petróleo e gás no PIB brasileiro evoluiu de 2,7% em 1997 para 10,5% em
2005. Enquanto a economia brasileira cresceu 14,22% entre 1998 e 2004, o setor
petrolífero, incluindo a indústria petroquímica, cresceu
318%.
Isso
significou a expansão de empregos e oportunidades para os brasileiros nesta área.
Sob a pressão de uma maior concorrência, a Petrobras começou a produzir
tecnologia de ponta para atividades em águas profundas.
Foi
neste contexto que ocorreu a descoberta da camada do pré-sal em 2006. O
potencial de produção de petróleo e gás natural advindo desta descoberta se mostrava
muito superior a
qualquer outra já realizada no Brasil. Com efeito, o pré-sal da Bacia de Santos,
descoberto em 2007, era a maior
descoberta ocorrida no Ocidente em décadas.
E
então houve o inevitável. O governo Lula,
pressentindo uma inaudita oportunidade de ganhos políticos, tomou uma decisão fatídica:
decidiu mudar o marco legal do setor de petróleo do Brasil.
A política que selou o destino do
Brasil
No
dia 22 de dezembro de 2010, a Lei
nº 12.351 concretizou a mudança no marco legal petrolífero do país. Um novo modelo de produção foi instituído: em
vez do regime de concessão até então em vigor, agora haveria o "regime de
partilha".
O
regime de partilha era uma modalidade contratual caracterizada:
1)
pela partilha, entre o consórcio produtor e a União, de um percentual do óleo
produzido;
2)
pela obrigatoriedade da Petrobras de participar como operadora nos consórcios;
e
3)
pelo papel preponderante da Pré-Sal
Petróleo S.A. (PPSA), uma empresa estatal, nas decisões desses
consórcios.
O
objetivo claro era aumentar o controle do estado sobre a produção de petróleo,
especialmente na área do pré-sal.
Este
regime também previa a cobrança de royalties e de bônus de assinatura. Uma das
diferenças entre os dois regimes é que, na partilha, mesmo a empresa
concessionária tendo extraído petróleo, este ainda é de propriedade da União.
Estipulou-se,
adicionalmente, que a Petrobras seria a operadora obrigatória em toda e
qualquer atividade de extração. Ficou legalmente estabelecido que a estatal teria
participação mínima de 30% em todos os consórcios, o que significava que as
demais empresas poderiam atuar apenas como sócias da Petrobras. Consequentemente, os leilões de licitação dos
campos do pré-sal seriam referentes apenas às parcelas de participação das
outras empresas, uma vez que a operadora, a Petrobras, já era definida por lei.
O
novo marco regulatório também regulava as decisões operacionais dos consórcios.
A PPSA, estatal que tinha a finalidade de representar a União nos contratos de
partilha, participaria das decisões do consórcio tendo 50% dos votos no órgão
deliberativo. Teria também o voto decisório (voto de minerva) e poder de veto
em toda e qualquer decisão.
Tais
mudanças limitaram severamente o papel do capital privado nos blocos do
pré-sal: não havia motivos para empresas privadas concorrerem por um contrato
de licitação sabendo que a Petrobras já possuía, por lei, a maior fatia. Sob esse arranjo, as principais decisões do
consórcio nem sequer seriam tomadas pelo investidor. Assim que o leilão fosse ganho, o(s) vencedor(es)
teria(m) de acertar com a estatal brasileira como ocorreria o cumprimento do
contrato de partilha celebrado.
Não
havia por que o capital privado demonstrar grande interesse por esse arranjo. E
o resultado do primeiro leilão, o de Libra, foi exatamente como o esperado pela
teoria econômica.
Propagandeado
como a maior reserva de petróleo do Brasil e a
maior área para exploração de petróleo no mundo, cujo potencial poderia
se aproximar dos 12 bilhões de barris, o governo brasileiro esperava atrair
pelo menos 40 empresas para o leilão de Libra, no dia 21 de outubro de 2013.
Mas
houve apenas com um único lance. Um único consórcio apresentou proposta, oferecendo
o lance mínimo estipulado no edital: 41,65% de óleo excedente para a União.
O
consórcio era formado, além da Petrobras, por apenas
outras quatro empresas: duas
estatais chinesas (CNPC e CNOOC), uma empresa francesa (Total) e a anglo-holandesa
Shell. As quatro formaram um único consórcio, o que significa que não
houve nenhuma concorrência no leilão. Gigantes do setor, como Chevron,
Exxon Mobil, BHP Billiton, Statoil, BP e Repsol não se interessaram.
Com
os investimentos na área desabando, rapidamente ficou claro que a mudança do
quadro regulatório do setor, com a introdução do modelo de partilha, foi um dos
maiores fracassos estratégicos da história brasileira. No entanto, todo o
debate político a respeito dessa mudança foi interditado. Não havia
racionalidade, mas sim chavões e frases de efeito. Qualquer proposta visando a
corrigir as distorções do modelo de partilha eram prontamente rotuladas de
"entreguistas" e "neoliberais", atacadas por políticos do PT, PCdoB e PSOL,
pelos intelectuais de internet a soldo destes partidos, e até mesmo pela Federação
Única dos Petroleiros, uma federação sindical
aparelhada por petistas.
Para
piorar, em paralelo a tudo isso, um mastodôntico esquema
de corrupção já ocorria na Petrobras, destruindo o capital da
empresa. O mesmo governo que introduziu as mudanças que deram errado
também se revelou uma máfia envolvida em gigantesco escândalo de corrupção que
engolfou a estatal, cujos dirigentes (indicados pelo PT) recebiam propinas de
empreiteiras e, em troca, contratavam essas mesmas empreiteiras para fazer
obras superfaturadas para estatal, destruindo seu capital.
Mas
não acabou por aí: ao mesmo tempo em que tudo isso ocorria, o governo também obrigou
a Petrobras a vender às distribuidoras gasolina
abaixo do preço pelo qual ela foi importada. E a obrigou também
a produzir utilizando uma determinada
porcentagem de insumos fabricados no Brasil. O capital da Petrobras,
portanto, sofre um triplo ataque. E ela se torna a empresa mais
endividada do mundo.
Mas
o monopólio da Petrobras sobre todas as operações do pré-sal mascarou a real situação
periclitante da estatal, ofuscando todas as urgentes necessidades de se
reformar a empresa. E a falta de concorrência nestes últimos anos a distanciou
da necessidade de investir em inovação tecnológica.
A
empresa se esfacelou. Suas ações, que
chegaram a bater em R$ 51 em 2008, desabam para R$ 4 ao final de 2015,
aniquilando a poupança dos incautos que investiram na empresa confiando na
propaganda do governo.

Conclusão
Recentemente,
o Congresso acabou
com essa obrigatoriedade da Petrobras de participar da extração de petróleo da
camada pré-sal. O novo governo também anunciou
que irá revogar algumas restrições à participação de capital estrangeiro nos
empreendimentos da Petrobras, com o intuito de atrair os tão necessitados
investimentos. Mas isso está sendo feito
após uma década de estragos auto-infligidos.
A
descoberta do pré-sal poderia ter representado para o Brasil o que a jazida Ekofisk — operada por várias empresas estrangeiras privadas — significou
para a Noruega: o início de um novo ciclo de desenvolvimento, trazendo
prosperidade para o país. Poderia ter significado oportunidades de sucesso e
realização profissional para os brasileiros que trabalhariam e empreenderiam na
rede de empresas que envolve toda a cadeia de produção e distribuição de
petróleo, indo desde a venda de marmitas até a sofisticada engenharia offshore.
As
mudanças que se sucederam à descoberta do pré-sal, e toda a corrupção estimulada
por ela, afugentaram investimentos, destruíram o capital da empresa, reduziram
empregos e estão por levar o país ao patamar exploratório da
década de 1970. Um governo fracassado, que levou o país à bancarrota,
transformou o pré-sal em uma ficção.
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