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Economia

Quanto mais o capitalismo se difunde, menores são as chances de um colapso social

E menos os pobres se tornam reféns dos políticos

11/07/2016

Quanto mais o capitalismo se difunde, menores são as chances de um colapso social

E menos os pobres se tornam reféns dos políticos

A característica proeminente de um colapso social é sempre a mesma: uma profunda contração na divisão do trabalho. Onde não há contração da divisão do trabalho, não há colapso.

Já a característica proeminente do progresso social é exatamente oposta: um aumento na divisão do trabalho.

A Venezuela está vivenciando um colapso social. Está havendo uma profunda contração da divisão do trabalho naquele país (veja dois exemplos aqui e aqui).

Já o resto do mundo -- com a exceção de Coreia do Norte e, por enquanto, Cuba (que rapidamente entrará na economia) -- está testemunhando um aprofundamento da divisão do trabalho e um consequente progresso social como jamais havíamos visto na história da humanidade. 

Qualquer pessoa que acredite que está por vir um colapso econômico tem de demonstrar que (1) há uma causa plausível, e (2) o mundo está enfrentando condições em que essa causa está se tornando cada vez mais provável.

A possibilidade de haver uma grande reversão na divisão do trabalho está em declínio. A difusão da tecnologia e dos aplicativos de celular que transformam a todos em empreendedores, em conjunto com a Lei de Moore (que diz que o poder de processamento da informática em geral dobra a cada 18 meses, e com custos decrescentes), está acelerando a divisão do trabalho ao aumentar o número de empreendedores e ao reduzir o custo da informação.

Estamos de volta à observação feita por Hayek, ainda em 1945, em seu artigo O uso do conhecimento na sociedade. O conhecimento é descentralizado. O livre mercado cria incentivos para que aquelas pessoas que possuem informação especializada possam colocar esse conhecimento para usos lucrativos. Disse ele:

O caráter peculiar do problema de uma ordem econômica racional é determinado exatamente pelo fato de que o conhecimento das circunstâncias sob as quais temos de agir nunca existe de forma concentrada e integrada, mas apenas como pedaços dispersos de conhecimento incompleto e frequentemente contraditório, distribuídos por diversos indivíduos independentes.

O problema econômico da sociedade, portanto, não é meramente um problema de como alocar "determinados" recursos -- se por "determinados" entendermos algo que esteja disponível a uma única mente que possa deliberadamente resolver o problema com base nessas informações. Em vez disso, o problema é como garantir que qualquer membro da sociedade fará o melhor uso dos recursos conhecidos, para fins cuja importância relativa apenas estes indivíduos conhecem. Ou, colocando sucintamente, o problema é a utilização de um conhecimento que não está disponível a ninguém em sua totalidade. [...]

Hoje, é quase uma heresia sugerir que o conhecimento científico não corresponde à totalidade do conhecimento. Mas um pouco de reflexão irá mostrar que, sem sombra de dúvida, existe um corpo importantíssimo de conhecimento desorganizado que não pode ser chamado de científico, entendendo "científico" como o conhecimento de certas regras gerais: o conhecimento de certas circunstâncias particulares de tempo e lugar.

É em relação a isso que praticamente todo indivíduo tem alguma vantagem comparativa em relação a todos os outros, pois ele possui informações únicas sobre que tipos de usos benéficos podem ser feitos com certos recursos; usos estes que só acontecerão se a decisão de como utilizá-los for deixada nas mãos desse indivíduo ou for tomada com sua cooperação ativa.

Basta apenas nos lembrarmos do quanto precisamos aprender em qualquer profissão depois de termos completado nossa formação teórica, quão grande é a parte da nossa vida profissional em que passamos aprendendo habilidades específicas, e quão valioso, em todas as circunstâncias da vida, é o conhecimento das pessoas, das condições locais e de certas circunstâncias especiais.

Conhecer e saber operar uma máquina que não estava sendo adequadamente explorada, ou explorar a habilidade de alguém que poderia ser mais bem aproveitado, ou estar consciente de um excedente de reservas que pode ser usado durante uma interrupção temporária do fornecimento é tão útil socialmente quanto o conhecimento das melhores técnicas alternativas. O transportador que ganha sua vida descobrindo como melhor aproveitar seu espaço de carga que ficaria vazio, o agente imobiliário cujo conhecimento consiste quase que exclusivamente em encontrar oportunidades temporárias, ou o indivíduo que faz arbitragem, que lucra a partir das diferenças locais entre os preços de certos bens -- todos eles realizam trabalhos eminentemente úteis que são baseados em um conhecimento especial das circunstâncias de um momento fugidio, desconhecido por outros.

Vale repetir: ao redor do mundo, as instituições de mercado estão se espalhando.  E as exceções provam a regra de Hayek: a Coreia do Norte, a Venezuela e Cuba (que logo adotará uma economia de mercado).

Também ao redor do mundo, os custos de comunicação estão caindo. Eis um exemplo impressionante disso.  Parece até impossível.

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Gráfico 1: porcentagem da população que possui telefone celular

Um relatório do Instituto de Pesquisa Pew Research afirma que:

Dentre os proprietários de telefones celulares na África, a atividade mais popular é o envio de mensagens de texto.  No geral, uma mediana de 80% dos proprietários de celulares em sete países da África sub-saariana pesquisados dizem fazer isso com seus celulares.  Isso inclui 95% na África do Sul e 92% na Tanzânia.  Em todos os países, pelo menos metade dos donos de telefones celulares afirma que enviam mensagens de texto por meio de seus aparelhos. [...]

Ao passo que as redes de telefonia celular na África sub-saariana vêm se espalhando rapidamente, a penetração da telefonia fixa nos sete países pesquisados é perto de zero.  Uma mediana de apenas 2% da população desses países diz possuir uma linha de telefonia fixa em seus domicílios, com uma mediana de 97% dizendo não possuir nenhuma.  Dentre todos os países pesquisados, a variância de pessoas que dizem ter uma linha fixa é muito pequena.  Linhas fixas são simplesmente raras no continente.

A África está entrando no século XXI. Quando as baterias solares se tornarem mais baratas -- e isso é garantido --, a África irá superar a barreira econômica imposta pelo complexo geração-linhas de transmissão-distribuição.  Quando os sistemas de purificação de água se tornarem baratos o suficiente para que os vilarejos possam comprar, o continente irá superar a barreira econômica imposta pela necessidade de se ter encanamentos. 

O inventor e empreendedor Dean Kamen está trabalhando no sistema de purificação de água: o Slingshot. Dê a ele mais dez anos. Se ele fracassar, outros irão descobrir uma solução.  É apenas questão de tempo.

O que é válido para a África subsaarina se aplica também às áreas rurais da Índia e da China.

Próxima etapa: Wi-Fi gratuita fornecida pela Google ou pela Amazon ou pelo Facebook.  Quando? Não mais tarde do que 2025.

E então teremos a penetração maciça dos smartphones:

[...] analistas em geral concordam que a penetração de smartphones na África dobrará dentro de três a quatro anos.  É difícil discordar dessa análise se você levar em conta a crescente presença de fabricantes de smartphones no continente, bem como os decrescentes preços cobrados pelos aparelhos mais simples e até mesmo medianos.

Por exemplo, a Huawei, a terceira maior fabricante de smartphones do planeta, está presente em todas as regiões da África.  A empresa chinesa tem sido agressiva em sua estratégia de introduzir smartphones android por menos de US$ 100.  E seus Huawei Ascend Y220, vendidos por US$ 70, têm sido muito populares no Zimbábue.

A Samsung já possui uma presença dominante no continente, e a gigante coreana tem a meta de manter uma fatia de 50% dos 22 milhões de smartphones vendidos na África em 2014.

Com isso, rapidamente todo o mundo terá acesso à educação gratuita: a Khan Academy. E essa terá a concorrência de todos os cursos já disponibilizados no Coursera.

A divisão do trabalho intelectual está só aumentando.  Isso é uma evidência de que não haverá colapso econômico.

Infraestrutura e centralização

A infraestrutura sempre foi a justificativa para uma maior centralização estatal. De que outra maneira as pessoas conseguiriam água e saneamento básico, eletricidade, linhas telefônicas e estradas?, perguntam os estatistas. Temos de ter serviços de utilidade pública, os quais devem ser estritamente regulados pelo estado, afirmam eles.

Mas e se a energia solar fornecer 80% da energia de nossa casa -- tudo exceto o ar condicionado?

E se os satélites fornecerem 90% da nossa conexão de internet?

Com isso, sobrariam apenas as estradas e os serviços de água e saneamento.

Ao redor do mundo em desenvolvimento, linhas telefônicas e elétricas não mais são necessárias para o desenvolvimento de comunidades modernas.  Se houver água subterrânea (como poços artesianos), encanamentos podem ser dispensados.  Se houver um eficiente sistema de purificação de água, os complexos sistemas de tratamento também podem ser dispensados.

A educação já é livre na internet. Hoje. Nenhuma escola estatal é necessária (a menos que o estado obrigue os pais a colocarem suas crianças na escola).

Por causa dos dígitos eletrônicos, grandes fatias de infraestrutura que antes dependiam de impostos e burocratas não mais são necessárias. Isso significa que sociedades do terceiro mundo serão capazes de entrar no século XXI mais rapidamente. As principais barreiras serão políticas, éticas e tribais, não tecnológicas.

Isso significa que a pobreza do terceiro mundo será superada rapidamente. Isso significa que a produtividade de pessoas criativas irá produzir mais riqueza para o resto de nós.

Como o marxismo já foi abandonado na esmagadora maioria dos países, o mundo evitará esse obstáculo ao progresso.  Ninguém quer viver na Coreia do Norte.

O keynesianismo está no banco do motorista hoje. Mas já está perdendo força até mesmo na América do Sul.

Nosso desafio será o de apresentar uma defesa da liberdade de maneira clara para a vindoura nova geração de empreendedores do terceiro mundo. Os comunistas não serão nossos concorrentes na internet. Nem os socialistas.

O volume de materiais especializados promovendo a liberdade é enorme hoje. Não era assim há 50 anos. O momento está sendo providencial. As tecnologias estão do lado da descentralização. Os custos de comunicação estão caindo. Portanto, a combinação de conteúdo e formato digital é ideal.

A infraestrutura está cada vez mais digital. E está em busca do lucro. Ela pode estender seu domínio sem subsídios e regulações estatais. Ela pode ser instalada rapidamente. Qualquer resistência será fútil.

Os dígitos estão expulsando a infraestrutura física. A alavancagem política que governos nacionais e regionais têm nessa área será cada vez mais insignificante. A Lei de Moore está em ação.

À medida que a liberdade se espalha, a riqueza aumenta. Essa é uma mensagem de libertação.

O que poderia atrapalhar?

Portanto, o que poderia atrapalhar tudo isso e reduzir essa divisão do trabalho?

Tarifas de importação (marginalmente), um sistêmico colapso do sistema bancário (não é possível), hiperinflação (improvável), uma grande depressão (possível), e pragas (possível, mas improvável -- a última foi em 1348-50), e guerrilhas (ainda existem na África sub-saariana).

Um colapso sistêmico do sistema bancário não é possível. Por que não? Porque os 20% dos correntistas que detêm 80% dos depósitos volumosos não podem sacá-los e convertê-los em cédulas. Sim, um banco pode quebrar. Mas todo o sistema bancário não pode. O banco que quebrar será adquirido a um preço de barganha por outro banco.

Pode haver hiperinflação? Sim. Ela pode durar mais do que alguns anos? Não. Nenhum Banco Central minimamente sério permitiria uma hiperinflação. E por um motivo simples: uma hiperinflação seria péssima para os próprios burocratas do governo. Pense: esse pessoal quer se aposentar e receber suas magnânimas pensões. Uma hiperinflação destroçaria todo o poder de compra de suas pensões. Não há a menor chance de eles fazerem isso consigo próprios. Adicionalmente, eles sabem que uma hiperinflação deixará a economia em pandemônio. Isso irá afetar sobremaneira a qualidade de vida deles próprios. Por que deixariam isso ocorrer?

Portanto, a ameaça número um é uma depressão econômica. Qual é a cura? Mais e melhores informações sobre empregos e oportunidades. Com a difusão da informação e com a queda dos seus custos, isso está aumentando. O segredo é ter flexibilidade de preços e descoberta de preços guiada pelo livre mercado. Isso pode ser afetado pelas políticas monetárias do Banco Central e pelas políticas fiscais keynesianas.

Sim, uma grande recessão está por vir. Haverá uma contração econômica. Haverá uma redução marginal na divisão do trabalho. Mas os custos de informação são baixos e estão caindo. Se não houver uma guerra comercial entre os países, vendedores encontrarão compradores na internet.

Haverá uma distribuição de riqueza. As maiores perdas percentuais serão sofridas pelos ricos do primeiro mundo, cuja riqueza está majoritariamente concentrada em mercados sustentados pelas políticas monetárias dos Bancos Centrais (ver aqui e aqui). Mas isso não será um colapso. Eles irão sobreviver. Não terão de fazer malabarismos nas ruas ou virar camelô. Terão apenas de cancelar umas férias nas Bahamas. E talvez mandar os filhos para universidades públicas em vez de particulares. A vida será mais difícil. Marginalmente.

O Ocidente já vivenciou uma década em que a divisão do trabalho encolheu marginalmente: a década de 1930. As pessoas não morreram nas ruas (exceto as que pularam dos prédios por vergonha). Adicionalmente, a riqueza do mundo àquela época era bem menor. Uma depressão realmente derrubava acentuadamente a qualidade de vida das pessoas. Hoje, com toda a riqueza já existente, uma depressão econômica irá reduzir apenas marginalmente a qualidade de vida. Ninguém passará fome (exceto na Venezuela, que adotou o socialismo, o qual representa a abolição direta da divisão do trabalho).

Haverá milhões de pessoas donas de imóveis que terão de se desfazer deles e ir morar de aluguel. Mas isso não é um colapso. Isso é uma oportunidade para aqueles que têm poupança e bons históricos de crédito. Esses irão aumentar seu patrimônio. Esteja entre eles.


Sobre o autor

Gary North

é Ph.D. em história, ex-membro adjunto do Mises Institute, e autor de vários livros sobre economia, ética, história e cristianismo. Visite http://www.garynorth.com

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