Economia
Como a expansão monetária orquestrada pelo governo piora artificialmente a desigualdade de riqueza
Como a expansão monetária orquestrada pelo governo piora artificialmente a desigualdade de riqueza
De um lado, é importante ressaltar que o fenômeno da desigualdade sempre será natural e inevitável em uma sociedade livre. Sempre haverá indivíduos que conseguem gerar muito valor para seus empregadores e sempre haverá indivíduos que geram pouco valor para seus empregadores. E também sempre haverá aqueles que simplesmente não conseguem gerar nenhum valor.
Um executivo bem-sucedido gera muito valor para seus empregadores. Logo, sua remuneração tende a ser alta. Jogadores de futebol e estrelas da música e do cinema também geram muito valor para seus empregadores (e o que você pensa em particular dessas profissões não interessa ao resto da população, que voluntariamente consome os produtos dessas pessoas), e por isso suas remunerações também são altas.
Já empregadas domésticas e faxineiras não geram tanto valor para seus empregadores (sua função principal é poupar-lhes dos afazeres domésticos), por isso sua remuneração é menor.
Não é com esse tipo de desigualdade que devemos nos preocupar, pois ela ocorre de maneira natural e ética. Ninguém está roubando ninguém.
A abordagem, portanto, tem de ser outra. Temos de investigar aquela desigualdade gerada artificialmente por alguma intervenção do estado. Uma coisa é a desigualdade gerada exclusivamente pelo mercado, que premia quem cria valor e pune quem não cria. Outra coisa, totalmente distinta, é a desigualdade gerada pelo estado.
Consequentemente, o ponto de partida para qualquer discussão séria sobre a questão das desigualdades sociais tem necessariamente de começar pela questão da expansão monetária e do crédito.
No atual sistema monetário e bancário, o dinheiro é criado monopolisticamente pelo Banco Central e é em seguida entregue ao sistema bancário. O sistema bancário, por sua vez, por meio da prática das reservas fracionárias, se encarrega de multiplicar este dinheiro (eletronicamente) por meio da expansão do crédito.
Falando mais diretamente, o dinheiro criado pelo Banco Central é multiplicado pelo sistema bancário e entra na economia sempre que uma pessoa, uma empresa ou o governo recorre ao sistema bancário para pedir empréstimos. Ou seja, o dinheiro entra na economia por meio do endividamento de pessoas, empresas e governos.
Isso gera um aumento da quantidade de dinheiro na economia.
Só que, obviamente, este aumento da oferta monetária não acontece de forma uniforme e homogênea. A quantidade de dinheiro não aumenta para todos, na mesma proporção.
O dinheiro sempre entra, primeiramente, na conta bancária de alguém. Essa pessoa agora possui mais dinheiro e, consequentemente, um poder de compra mais alto. Os preços dos bens e serviços ainda não se alteraram.
Vale repetir: a quantia adicional de dinheiro que entra na economia não vai parar diretamente nos bolsos de todos os indivíduos: sempre haverá aqueles que estão recebendo esse dinheiro antes de todo o resto da população.
As pessoas que primeiro receberem esse novo dinheiro estão agora em posição privilegiada: elas podem gastar esse dinheiro comprando bens e serviços a preços ainda inalterados. Se a quantidade de dinheiro em seu poder aumentou e os preços ainda não se alteraram, então obviamente sua renda aumentou. Essas são as pessoas que ganham com a inflação monetária.
No entanto, à medida que esse dinheiro é gasto e vai perpassando todo o sistema econômico, os preços vão aumentando (afinal, há mais dinheiro na economia). E é aí que começa a haver uma discrepância: os preços vão subindo, mas este novo dinheiro ainda não chegou às mãos de todas as pessoas que compõem a economia. Essas são as pessoas que perdem com a inflação.
Somente após esse novo dinheiro ter perpassado toda a economia -- fazendo com que os preços em geral tenham subido -- é que ele vai chegar àqueles que estão em último na hierarquia social. Assim, quando a renda nominal desse grupo subir, os preços há muito já terão subido.
Logo, houve uma redistribuição de renda: aqueles que receberam primeiro esse novo dinheiro obtiveram ganhos reais. Com uma renda nominal maior, eles puderam comprar bens e serviços a preços ainda inalterados. Já aqueles que receberam esse novo dinheiro por último tiveram perdas reais. Adquiriram bens e serviços a preços maiores antes de sua renda ter aumentado. Houve uma redistribuição de renda do mais pobre para o mais rico.
Objeções
Essa expansão da oferta monetária orquestrada pelo Banco Central e pelo sistema bancário de reservas fracionárias (que opera sob proteção e regulação do Banco Central) é o que realmente pressiona a inflação de preços e, por conseguinte, gera um declínio na renda das pessoas em termos reais.
Quando os preços aumentam em decorrência de uma expansão da oferta monetária, os preços dos vários bens e serviços não aumentam com a mesma intensidade, e também não aumentam ao mesmo tempo.
Como consequência, a expansão do crédito cria ganhadores e perdedores. Os ganhadores são aqueles que podem utilizar em primeira mão o dinheiro recém-criado, pois, neste momento, os preços de todos os bens e serviços ainda estão inalterados.
Em decorrência desses gastos possibilitados por esse dinheiro recém-criado, os preços e a renda nominal das pessoas vão gradualmente aumentando à medida que esse dinheiro vai perpassando toda a economia.
Os perdedores desse processo serão aqueles que somente receberão esse dinheiro muito tempo depois de ele ter sido criado e já ter sido gasto pelos seus primeiros usuários. Essas pessoas que recebem esse dinheiro por último, embora tenham agora uma renda monetária maior em termos nominais, tiveram de arcar com preços maiores antes de receberem esse novo dinheiro. Todos os preços da economia já haviam subido antes de esse novo dinheiro chegar a elas.
E, obviamente, há aquele grupo de pessoas a quem esse novo dinheiro nem sequer chega.
Esses efeitos distributivos gerados pela criação de dinheiro existem em todos os tipos de arranjos monetários. Mesmo que o dinheiro fosse o ouro e este tivesse de ser escavado do chão, ainda assim tais efeitos distributivos existiriam. No entanto, no caso do ouro (ou da prata), esse impacto distributivo da produção do dinheiro seria extremamente limitado devido aos seus altos custos. Minerar ouro não é uma atividade corriqueira. Tampouco ela é barata. Ao contrário do atual sistema, em que o dinheiro é criado majoritariamente de forma eletrônica (são meros dígitos em um computador) e a custo zero, retirar ouro do chão e transformá-lo em moeda está longe de ser uma atividade de baixo custo.
Em nosso atual sistema monetário e bancário, a criação de dinheiro ocorre em um volume muito além do que ocorreria em um arranjo de livre mercado, em que a produção de dinheiro fosse uma atividade tão empreendedorial e concorrência quanto escavar ouro do chão. Como resultado, no atual arranjo, a redistribuição de renda e de riqueza monetária ocorre em um nível muito além do que ocorreria em um livre mercado.
No entanto, alguns economistas não concordam com isso. O argumento deles é o seguinte: em nosso atual sistema monetário, o dinheiro é, como dito anteriormente, produzido na forma de crédito. O Banco Central e os bancos comerciais não escavam dinheiro do chão e o jogam na economia; eles criam dinheiro ao criarem crédito, ou seja, ao fazerem empréstimos para pessoas, empresas e governos.
Até aí, tudo certo.
Sendo assim, prosseguem eles, não faz diferença quem recebe esse novo dinheiro primeiro, pois esse beneficiário não estará mais rico do que antes. Afinal, esse novo dinheiro foi emprestado, e não dado. A riqueza bruta do beneficiário aumenta, é verdade, mas sua dívida também aumenta na mesma quantidade. Por exemplo, se o senhor Batista pega um empréstimo de $ 1 milhão para comprar um imóvel, sua riqueza líquida não aumentou nenhum centavo. Sua riqueza bruta de fato está maior -- aumentou em $ 1 milhão --, mas suas dívidas também aumentaram exatamente no mesmo tanto.
Até aí, de novo, tudo certo.
No entanto, mesmo levando-se em conta a diferença entre
riqueza líquida e riqueza bruta, a verdade é que faz sim uma grande diferença o
fato de que o senhor Batista comprou o imóvel por meio da criação de
dinheiro. E a diferença é que agora ele
vive em um imóvel bom e elegante, o qual teria sido vendido para outra pessoa,
a um preço menor, caso não tivesse havido essa criação de dinheiro. Mais ainda: caso a expansão de crédito continue, o senhor Batista poderá revender seu imóvel a um preço ainda maior, conseguindo assim um belo lucro.
O senhor Batista foi privilegiado pela criação de dinheiro.
Se analisarmos a questão em termos de financiamento de empresas, o impacto é ainda maior. Aqui, novamente, é verdade que a criação de dinheiro não necessariamente gera mudanças na riqueza líquida da empresa. No entanto, a criação de dinheiro influencia o tipo de produto que agora entra no mercado.
Um empréstimo para uma empresa que fabrica sapatos masculinos de couro permite que ela realize seus projetos. Por causa desse empréstimo, a empresa agora obtém uma vantagem em relação àquela outra empresa que fabrica, digamos, bolsas femininas de couro. A empresa que fabrica sapatos masculinos de couro poderá agora, por causa do empréstimo, pagar salários mais altos para seus funcionários e preços maiores para seus fornecedores. Consequentemente, ela estará absorvendo mais mão-de-obra e recursos escassos, podendo assim inviabilizar as operações da empresa que fabrica bolsas femininas de couro. Esta terá de pagar preços maiores pelo couro e pela mão-de-obra, mas sem ter o dinheiro adicional para isso.
Consequentemente, a empresa que fabrica sapatos masculinos de couro irá se expandir. Já a empresa que fabrica bolsas femininas de couro irá se estagnar ou até mesmo encolher.
A oferta de sapatos masculinos de couro é melhorada. A oferta de bolsas femininas de couro é degradada.
Portanto, a conclusão anterior se mantém: a criação de dinheiro sempre afeta a distribuição de riqueza e de renda reais. O primeiro usuário do dinheiro recém-criado é o ganhador; o último, o perdedor.
[N. do E.: no caso do Brasil, em que o crédito é concedido via bancos estatais às empresas favoritas do governo, e a juros subsidiados pelos pagadores de impostos, a distorção em prol das grandes empresas e contra as pequenas empresas é ainda mais pronunciada, como descrito em detalhes neste artigo.]
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