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A empiria comprova a boa teoria: desvalorizar o câmbio piora a economia e reduz as exportações

05/04/2016

A empiria comprova a boa teoria: desvalorizar o câmbio piora a economia e reduz as exportações

Foi em 2010 que o então Ministro da Fazenda do Brasil, Guido Mantega, cunhou a expressão "guerra cambial" para reclamar do dólar barato (à época, 1 dólar custava aproximadamente R$ 1,70) e, principalmente, do baixo preço do renminbi chinês (à época, 1 RMB custava R$ 0,25).

Especificamente sobre a China, o senhor Mantega alegou que um renminbi barato fornecia ao país uma injusta vantagem no comércio internacional.  Como ele dissera ao Financial Times, "estamos em meio a um guerra cambial internacional, uma desvalorização generalizada das moedas.  Isso ameaça o Brasil porque acaba com a nossa competitividade".

Isso foi em 2010.  Hoje, em 2016, os brasileiros estão ostensivamente em silêncio, pois o jogo se inverteu.  Do final de 2010 até hoje, o real já desvalorizou nada menos que 55% em relação ao renminbi chinês e 54% em relação ao dólar.  E a guerra cambial continua tão intensamente quando estava em 2010, quando Mantega cunhou a frase.

Como se comportaram as exportações brasileiras?  De maneira totalmente inversa ao que diz o "senso comum" dos economistas convencionais: enquanto o real estava se apreciando perante as outras moedas (período 2003-2011), as exportações aumentavam continuamente.  Tão logo o real começou a se desvalorizar (a partir do final de 2011), as exportações estagnaram.  E quando o real começou a realmente desabar (2015), as exportações despencaram.

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Gráfico 1: exportações brasileiras.  Fonte: Banco Central (série temporal nº 2946)

No entanto, em defesa do senhor Mantega, vale enfatizar que esse senso comum sobre as maravilhas de um câmbio desvalorizado já era tratado como algo inquestionável desde muito antes de o ex-ministro brasileiro surgir em cena -- há séculos, economistas e líderes políticos vêm enganando o povo a respeito das vantagens de desvalorizações cambiais.

São dois os objetivos declarados de uma desvalorização: de um lado, um câmbio desvalorizado encarece os preços dos bens estrangeiros, o que reduz suas importações e diminui a concorrência sobre a indústria nacional.  De outro, um câmbio desvalorizado faz com que os bens nacionais fiquem mais baratos para os estrangeiros, o que aumentaria as exportações. 

Adicionalmente, com as importações mais caras, a população nacional, ao deixar de importar, passaria a consumir mais dos bens produzidos nacionalmente, o que aumentaria duplamente as vendas das indústrias nacionais.

Para o público leigo, esse argumento realmente possui algum apelo intuitivo.  Afinal, uma desvalorização é vista como sendo nada mais que uma redução dos preços dos bens produzidos domesticamente para os estrangeiros, e reduções de preços sempre são vistas como uma forma de aumentar a quantidade de bens vendidos -- daí viria o aumento das exportações.

O problema, no entanto, é que, no que diz respeito à mecânica das desvalorizações cambiais, seus efeitos diretos não são tão simples assim.  Mais ainda: há efeitos colaterais que são totalmente ignorados nesta análise.

O primeiro grande erro consiste em imaginar que os efeitos de uma desvalorização cambial podem ser completamente isolados do resto da economia, como se o câmbio em nada influenciasse todos os outros preços da economia.  Este modelo de "desvalorização estimula exportação" ignora o fato de que, em um mundo globalizado, no qual boa parte dos bens de consumo e dos insumos industriais é importada, uma desvalorização gera um aumento geral de preços em todos os bens da economia

Se entendermos que um câmbio desvalorizado significa moeda com menos poder de compra, e que moeda com menos poder de compra significa preços em ascensão e renda menor para a população, e que renda menor significa que a demanda por bens de consumo diminui, então, por definição, isso irá afetar todo o setor industrial.

Adicionalmente, se entendermos que vários exportadores são também grandes importadores, e que, para fabricarem seus bens exportáveis eles têm de importar máquinas, matérias-primas e peças de reposição, então torna-se claro que a desvalorização cambial fará com que os custos de produção aumentem, o que retirará todas as supostas vantagens geradas pela desvalorização.

Portanto, uma desvalorização afeta a demanda interna pelos bens industriais e afeta também os custos de produção da indústria.  Difícil imaginar uma combinação pior.

Por tudo isso, e contrariamente à conclusão dos economistas convencionais e do público leigo, uma desvalorização frequentemente resultará em uma redução das exportações, em uma estagnação (ou mesmo contração) do setor industrial e, pior ainda, na deterioração do poder de compra da população como um todo, reduzindo seu padrão de vida. 

Quando os modelos econômicos se tornam mais gerais e inclusivos, eles deixam claro como são errados e contraditórios os argumentos em prol da desvalorização.  Clamores por desvalorização cambial, por mais populares que seja, não passam de uma burla.

Na mais branda das hipóteses, um país que desvalorize seu câmbio será imediatamente "retaliado" pelos outros países, que também desvalorizarão suas respectivas moedas, gerando desta forma uma espécie de desvalorização competitiva.  Sendo assim, aquele país que der início a uma guerra cambial pode ser, e será, prontamente neutralizado.  Xeque-Mate.

Vejamos agora alguns dados empíricos ainda mais fortes.  Vejamos o que acontece quando há não apenas uma desvalorização nominal do câmbio, mas também uma desvalorização real do câmbio.  Uma desvalorização real do câmbio ocorre quando a desvalorização nominal supera a taxa de inflação.  Ou seja, o câmbio desvaloriza, digamos, 40%, mas a inflação de preços aumenta "apenas" 10%.  Segundo os modelos, este arranjo -- justamente por fazer com que a moeda nacional se torne mais barata para os estrangeiros sem um concomitante aumento dos preços na mesma intensidade -- deveria ser propício ao aumento das exportações.

(Afinal, se taxa de inflação de preços fosse idêntica à taxa de desvalorização cambial, então desde o início já não haveria vantagem nenhuma para as exportações).

As evidências da Indonésia, no período 1995 -- 2014, são típicas.  Quando a rúpia se desvalorizou em termos reais contra o dólar americano (ou seja, a desvalorização foi maior que a inflação de preços), as exportações caíram.  Por outro lado, quando a rúpia se apreciou em termos reais (ou seja, a apreciação foi maior que a inflação de preços), as exportações aumentaram.  Isso é exatamente o oposto da relação propagandeada pelos especialistas que defendem a estratégia da desvalorização.  Eles alegam que a desvalorizações reais farão as exportações aumentar, e que uma apreciação real da moeda irá acabar com elas.

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Gráfico 2: exportações da Indonésia (eixo Y) em relação à taxa real de câmbio (quanto mais à direita no eixo X, mais depreciado é o câmbio)

O caso da China, assim como o da Indonésia, vai contra a sabedoria convencional.  A China, de 1995 a 2014, é um exemplo de interesse e importância especiais porque o renminbi está no centro da chamada guerra cambial.  Como mostra o gráfico abaixo, o renminbi, em termos reais, se apreciou (ao contrário do que afirmam os críticos, que dizem que a China mantinha uma moeda artificialmente desvalorizada) modestamente em relação ao dólar.  Como consequência, as exportações chinesas explodiram.

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Gráfico 3: exportações da China (eixo Y) em relação à taxa real de câmbio (quanto mais à direita no eixo X, mais depreciado é o câmbio)

Esses dados não apenas afetam profundamente as noções a respeito das maravilhas de uma moeda desvalorizada, como também ilustram por que a maioria dos políticos e até mesmo dos economistas é ignorante em relação a fatos básicos.  Tais pessoas poderiam ser facilmente processadas por propaganda falsa.

Mas tudo fica ainda mais interessante: quando analisamos, em vez de exportações, o comportamento do PIB, a conclusão é a mesma: desvalorizações cambiais andam de mãos dadas com redução do PIB.  (Óbvio: é impossível ter uma economia forte com uma moeda fraca). 

O economista David Ranson, H.C. Wainwright & Co, estudou a relação entre desvalorizações cambiais e crescimento do PIB para dezenove países durante o período 1980 -- 2012.  Os resultados são claros: se você quer reduzir seu crescimento econômico, clame por uma desvalorização cambial.

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Gráfico 4: Crescimento médio da economia (eixo Y, colunas verdes) versus desvalorização cambial (eixo X; quanto mais à direita, maior a desvalorização cambial).

Conclusão

Se desvalorizações cambiais -- além de gerarem mais inflação de preços e juros maiores -- não geram mais exportações e comprovadamente diminuem o PIB, por que elas continuam sendo receitadas como uma panacéia para estimular uma economia?

Eu gostaria de saber.

O fato é que, além de toda a teoria, a empiria também comprova que os argumentos em prol de desvalorizações cambiais são completamente infundados e contraditórios.  Não há fundamentos nem na teoria econômica e nem na evidência empírica que suportem a tese de que desvalorizações cambiais são benéficas para a economia.

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Sobre o autor

Steve Hanke

É professor de Economia Aplicada e co-diretor do Institute for Applied Economics, Global Health, and the Study of Business Enterprise da Universidade Johns Hopkins, em Baltimore, EUA.

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