Filosofia
Para desmantelar o estado, temos de ser “oportunistas” e não “gradualistas”
O estado não vai desaparecer, mas isso não significa que não devemos ser abolicionistas
Para desmantelar o estado, temos de ser “oportunistas” e não “gradualistas”
O estado não vai desaparecer, mas isso não significa que não devemos ser abolicionistas
No que tange às possíveis estratégias para diminuir radicalmente o governo, ou até mesmo aboli-lo, muitos libertários se perdem ao recorrerem a uma falsa dicotomia: o estado, dizem eles, pode ou ser esmagado com um só golpe ou ser diminuído gradualmente de acordo com um plano pré-determinado.
Estas são, segundo eles, as únicas duas alternativas.
Só que há vários problemas em se abordar a questão desta maneira. Primeiro e acima de tudo, esse "demolicionismo" não é uma estratégia, mas sim uma fantasia adolescente. É o produto de reflexões preguiçosas feitas por entusiasmados (normalmente jovens) recém-convertidos ao libertarianismo. Os meios e os fins do demolicionismo nem sequer podem ser proclamados de uma maneira coerente.
Por exemplo, o objetivo dos demolicionistas seria fazer com que o estado suma literalmente da noite para o dia, ou eles concederiam algum tempo para que os políticos, os burocratas e os militares fizessem suas malas e liberassem seus gabinetes? Ou, ainda, eles prefeririam que esses burocratas fossem forçosamente ejetados de seus cargos e enviados para a cadeia?
E quais medidas os demolicionistas adotariam para induzir todos os ocupantes do aparato estatal a simultaneamente abandonarem seus cargos? Estariam os demolicionistas contando com uma brilhante campanha propagandística, a qual geraria uma espontânea conversão ao libertarianismo entre os juízes e todos os membros do legislativo e do executivo? Ou irão os demolicionistas incitar uma "rebelião tributária" populista e possivelmente um motim entre os níveis hierárquicos mais baixos das forças armadas, colocando um fim abrupto ao estado?
Toda essa noção de se derrubar abruptamente o estado -- especialmente um estado poderoso, abrangente e visto como o salvador por milhões de cidadãos -- é tão ilógica, que é difícil acreditar que algum libertário defenderia essa posição.
Com efeito, a posição demolicionista é um espantalho. Ela é criada para fazer a estratégia gradualista parecer a única sensata e razoável. É difícil identificar um atual pensador libertário eminente que já tenha, em algum momento, defendido o demolicionismo como estratégia.
O que Rothbard realmente disse
No entanto, alguém pode responder dizendo que Murray Rothbard, em seu artigo "Você odeia o estado?", apresentou uma distinção entre o que ele rotulou de "gradualistas" e "abolicionistas".
Mas, no artigo, ele não estava fazendo uma distinção entre estratégias, mas sim entre atitudes intelectuais e emocionais em relação ao estado. Ele então descreveu o "abolicionista" -- seja ele um anarcocapitalista ou um minarquista -- como sendo "um 'apertador de botões' que pressionaria seu polegar contra um botão que abolisse o estado imediatamente, se tal botão existisse".
Rothbard prosseguiu e afirmou que, no entanto, "o abolicionista também sabe que, infelizmente, tal botão não existe." Observe a ênfase de Rothbard na palavra "não". Logo, embora Rothbard fosse um abolicionista que detestava passionalmente o estado, rotulando-o de "inimigo bestial e espoliador" da humanidade, ele enfaticamente rejeitou o demolicionismo como estratégia realista.
Em termos de atitude, o completo oposto do abolicionista "apertador de botões", para Rothbard, seria o economista formado na Escola de Chicago que "dá conselhos em prol da eficiência", e que vê o estado como sendo um arranjo meramente menos eficiente do que a economia de livre mercado para fornecer todos os -- ou, para o minarquista, a maioria dos -- "bens públicos".
Os chicaguistas e os friedmanianos entusiastas da eficiência não têm nenhum grande ódio pelo estado, o qual está, afinal, provendo a sociedade com bens e serviços necessários, embora a custos mais altos do que aqueles que seriam cobrados em um mercado concorrencial.
Temos de ser "oportunistas"
Dado que a irreal e inútil abordagem demolicionista deve ser descartada, qual seria então a alternativa realista à estratégia gradualista? Antes de respondermos a essa pergunta, temos de analisar mais minuciosamente o gradualismo.
De acordo com um recente artigo gradualista, o gradualismo possui duas características essenciais.
Primeiro, ele tem o objetivo de "diminuir" o estado "passo a passo" e não o de "pular, de uma só vez, para o estado mínimo ou para uma sociedade sem estado". De acordo com essa forma de pensamento, essa postura estratégica permitiria que os libertários construíssem coalizões com grupos não-libertários que tenham em comum o objetivo de diminuir ou eliminar intervenções estatais em determinadas áreas -- por exemplo, a guerra às drogas ou a imposição de um salário mínimo --, mas que não aceitam o objetivo libertário supremo de abolir o estado ou radicalmente minimizar seu poder e escopo.
Mas praticamente nenhum libertário -- e muito menos o abolicionista -- negaria que colaborar com grupos que possuem agendas políticas distintas é algo estrategicamente sensato quando há o objetivo comum de se reduzir a intervenção estatal em uma determinada área.
É a segunda característica da posição gradualista que apresenta um sério problema e que a torna não apenas inútil, mas também contraproducente. Trata-se da ideia de que a retração do estado deve ser conduzida pelo seguinte princípio moral: os programas do governo devem ser eliminados em uma sequência especificamente criada para proteger, dentre todos os explorados pelo estado, aqueles mais empobrecidos e evitar que eles sofram uma perda abrupta dos privilégios e subsídios que eventualmente recebam.
É nesse quesito que o problema com a estratégia gradualista se torna imediatamente evidente. Gradualistas pressupõem que podem planejar, a priori, a ordem na qual as intervenções poderão ser eliminadas, sem levar em conta a realidade sócio-política. Mas essa seria uma postura utópica, beirando o pensamento fantasioso. No mundo real, o máximo a que podemos aspirar é aproveitar e agarrar cada pequena oportunidade de desmantelamento do estado que eventualmente surja ao longo do desenrolar dos eventos da realidade histórica.
Aquilo que podemos chamar de "oportunismo" nada mais é do que a estratégia de aproveitar e agarrar cada rara oportunidade eventualmente surgida de fazer retroceder o estado, independentemente da natureza da oportunidade ou da estrutura das outras intervenções vigentes.
O oportunista, portanto, não quer nem demolir o estado da noite para o dia e nem seguir um plano -- delineado a priori -- extravagante e fantasioso de diminuir o estado de uma maneira mais "humana". Ao contrário, ele quer desmantelar o estado o mais rapidamente possível, tirando proveito de toda e qualquer oportunidade que eventualmente surja em meio ao infindável e instável fluxo de circunstâncias sociais, econômicas e políticas.
A característica definidora do gradualismo, portanto, não é sua propensão a fazer concessões em termos táticos, nem a de baixar o tom de sua retórica radical, e nem a de cooperar com grupos não-libertários sempre que isso for resultar na eliminação de programas de governo (com efeito, essas medidas são a própria essência do oportunismo). Não, o elemento essencial do gradualismo é o seu atemporal imperativo ético que estipula uma ordem pré-definida na qual as intervenções estatais devem ser reduzidas e eliminadas.
A diferença entre oportunismo e gradualismo pode ser ilustrada no seguinte exemplo.
Suponha que uma crítica massa de pagadores de impostos de classe média se torne profundamente ressentida com todo o esquema de assistencialismo estatal para os pobres (via programas de redistribuição de renda) e para os grandes empresários (via programas de subsídios e empréstimos subsidiados). Suponha também que, por algum motivo imprevisto, torne-se politicamente factível eliminar por completo toda essa rede de assistencialismo.
No entanto, as seguintes intervenções estatais continuariam firmemente intactas: as leis estipulando
um salário mínimo, os encargos sociais e trabalhistas, as regulamentações
de profissões (todas elas dificultam os mais pobres, agora desassistidos, de conseguirem empregos), as tarifas
de importação criadas para proteger as grandes
empresas da concorrência estrangeira, e as agências reguladoras voltadas
para cartelizar o
mercado e garantir uma reserva de mercado para
as empresas já estabelecidas (o que significa que não haveria reduções nos preços, também possivelmente prejudicando os pobres que ficaram desassistidos).
Nesse caso, um gradualista consistente e coerente, que defende uma redução ordenada e planejada do estado, teria de abrir mão dessa chance de reduzir o estado.
Já o oportunista, em profundo contraste com o gradualista, iria aprovar e ansiosamente promover a eliminação desses programas, adaptando e até mesmo moderando com satisfação sua retórica anti-estado ao se juntar a grupos não-libertários para formar uma frente unida em prol da abolição desses programas.
Conclusão
A estratégia do oportunismo anda de mãos dadas com a atitude do abolicionismo.
O oportunista agiria o mais rapidamente possível em busca do seu objetivo de abolir o inimigo odiado -- o estado --, sendo restringido apenas pela escassez de meios e pelo ritmo do surgimento de condições políticas e sociais concretas.
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