Não adianta, é sempre igual: no momento em que o aplicativo Uber começa a
operar em alguma cidade, a polêmica é instaurada.
Os taxistas que querem proibir por se sentirem pessoalmente lesados — o que ocorre de fato —
logo elevam o tom e as exigências perante as autoridades para que estes algo
façam. Que se proíba. Que se coíba. Que se regulamente. Que se faça algo para
impedir essa "concorrência desleal, predatória e ilícita". Normalmente são esses
o pleito e a justificativa de quem é contra a tecnologia.
Reconheço o quão prejudicial pode ser — para os já estabelecidos — quando novos entrantes chegam ao
mercado e passam a disputar o mesmo cliente. Não há dúvidas de que a
concorrência sacode o mercado e afeta os ofertantes que já estão nele há mais tempo. Mas será que isso
deve fundamentar uma eventual proibição? Seria esse o caminho a seguir?
Não tratarei aqui da questão técnica legal e nem se os parceiros da Uber
têm de arcar com todas as exigências das municipalidades, isentando-os de
inúmeros custos. Há diversos pareceres jurídicos e análises comparativas para
quem desejar se ater a esse tema (ver aqui, aqui e aqui).
O ponto aqui é outro. A reflexão aqui é mais profunda e transcende um
simples aplicativo de smartphone.
Todos somos, em princípio, a favor da livre concorrência. Quem não quer ter
ao seu dispor diversas opções de pães, bebidas, vestimentas, restaurantes,
carros, telefones, enfim, de qualquer produto ou serviço ofertado no mercado?
Quem seria contra isso? O problema surge quando a concorrência bate à nossa
porta, "roubando-nos" potenciais clientes. Aí tudo muda de figura. A partir
desse momento, a concorrência passa a ser negativa, nociva e contrária ao "bem
público".
Se tanto apreciamos a abundância de bens e serviços à disposição para nosso
consumo, por que lutamos ferozmente contra a abundância dos bens e serviços
produzidos no setor em que somos ofertantes? Não seria um paradoxo?
Se todos os produtores adotarem a mesma postura nos seus respectivos
mercados, reduziremos artificialmente a oferta de bens e serviços na economia.
No lugar de abundância, teremos escassez. O "direito de escolher" será inócuo,
pois não haverá alternativas. Será como as opções de refeições em um voo: sim
ou não.
A Uber incomoda porque qualquer concorrência incomoda. Quem compete no
mercado pelo mesmo cliente tem de se empenhar para proporcionar o melhor
serviço, o melhor atendimento, enfim, a melhor experiência ao cliente. Restringir
artificialmente, por decreto estatal, a oferta de algum serviço no mercado
jamais fará dele um produto de qualidade. O temor da concorrência impele os
ofertantes a buscarem a excelência. A concorrência repele a mediocridade.
Não são a regulamentação e as obrigações legais que elevarão a qualidade de
um serviço. A municipalidade pode coagir os taxistas a atuar dentro de diversos
parâmetros impostos desde cima, mas o que melhorará o serviço de fato é o medo
de "perder" o cliente, ou, dito de outra forma, a necessidade de "ganhá-lo"
todos os dias.
Isso foi precisamente o que aconteceu na cidade de Nova York, notória pelos táxis sujos com motoristas antipáticos.
"Não foram os reguladores da cidade que ordenaram que o serviço de táxi
melhorasse, foram os meros cidadãos de Nova York que preteriram os táxis em
favor de uma alternativa melhor."
Curiosamente, o resultado não-premeditado da atitude dos nova-iorquinos é
que o próprio serviço de táxi melhorou consideravelmente desde que Uber e
similares passaram a operar na cidade. O mesmo fenômeno está acontecendo nas cidades brasileiras.
Contudo, o desconforto não acomete apenas os produtores do mercado de
transporte individual. A Uber causa embaraço também nos entes públicos.
Porque o interessante sobre a questão dos aplicativos de carona paga é que,
em última instância, é imputado ao estado o ônus de justificar não apenas por
que a Uber tem de ser proibida, como também por que um serviço como o de táxi
precisa ter licença controlada pelo município.
Por que a oferta desse simples serviço de transporte individual deve ser
regulada pelo município e não pode ser regulada pelo próprio mercado, com livre
entrada de empresas e livre escolha dos consumidores? Por quê? De onde vem a
sabedoria dos reguladores capaz de determinar com exatidão de quantos táxis uma
cidade precisa? E como definem esses senhores a tarifa a ser cobrada dos
usuários?
Se, em algum momento da história, o controle e a regulação estatal para o
serviço de transporte individual foram necessários, a tecnologia está nos
mostrando que hoje esse já não é mais o caso.
Ao estado, ter que se justificar é sempre um grande incômodo. E acaba sendo
vexatório quando fica claro para a sociedade a aparente ausência de qualquer
justificativa cabível.
Sejamos honestos: a concorrência nos amedronta. É verdade. Mas ela também
beneficia a nós próprios. De que forma? Fazendo com que nos superemos
produzindo com mais rapidez e eficiência ou nos forçando a buscar novos meios
de encantar o cliente. Testando a nossa capacidade de criar e inovar e conceber
soluções antes inimagináveis. Ensinando-nos a sermos corteses e simpáticos, inclusive
naqueles dias em que acordamos com o pé esquerdo.
Por outro lado, o monopólio ou a reserva de mercado nos acomodam. Fazem com
que a mediocridade floresça. Já a concorrência tem o efeito oposto. Ela nos
desafia, nos instiga, nos impulsiona a extrair o melhor de nós mesmos e favorecer
o próprio convívio em sociedade.
Que os parceiros da Uber sejam livres para operar nas cidades brasileiras.
E que sejam abolidas as regulações e licenças exigidas dos taxistas — defendo
e desejo liberdade para eles também. Não sou apaixonado pela Uber. Defendo-o
pelo que hoje representa: a liberdade, a livre concorrência. Mas amanhã será
outra empresa, noutro setor, com outra tecnologia, e a polêmica será a mesma —
e serei obrigado a republicar este texto apenas alterando os nomes dos
protagonistas.
O grande problema da liberdade é que ela vale para ambos os lados. Se
queremos ser livres para escolher, devemos exigir e defender a mesma liberdade
para produzir, para ofertar aos nossos semelhantes novas soluções, por mais que
estas venham a abocanhar uma fatia da nossa clientela e, consequentemente, de
parte dos nossos rendimentos. Se, como taxista, não quero abrir mão de usar o WhatsApp
para fazer chamadas, não posso exigir que seja censurado um aplicativo como a Uber.
A Uber incomoda tanta gente porque assim é a liberdade. A liberdade
incomoda. Defender a liberdade é fácil. Praticá-la, no entanto, requer esforço,
empenho e retidão moral. Praticar a liberdade significa defender a liberdade
dos outros mesmo quando ela pode não nos beneficiar diretamente. Hoje são os
taxistas os que devem atentar a essa lição. Mas ela é válida para todos. Todos,
sem exceção. Inclusive você que está lendo este artigo. Porque, se, em algum
momento, no futuro, a tecnologia vier a ser usada para revolucionar o seu
mercado, você deverá ser o primeiro a defendê-la e a adotá-la. E essa tarefa
não será nada fácil.
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