"Estou trabalhando em um novo
sistema de dinheiro eletrônico que é completamente
peer-to-peer, sem nenhum terceiro de confiança",
anunciou
um usuário desconhecido em uma lista de discussão online de criptografia, no
dia 1º de novembro de 2008. Seu nome era Satoshi Nakamoto. "A monografia está disponível
no link
http://www.bitcoin.org/bitcoin.pdf",
escreveu o autor.
Até então, Nakamoto jamais havia
escrito nada na internet. Jamais havia publicado uma monografia. Tampouco havia
participado de qualquer discussão de qualquer espécie. Muito menos projetado ou
criado qualquer programa de computação. Era um ilustre estranho, anunciando ao
mundo uma ideia não original, já tentada no passado, e cuja taxa de sucesso era
bastante questionável. Invariavelmente, quase todos os intentos de moedas
privadas digitais fracassaram, cedo ou tarde.
A inovação do Bitcoin, segundo
seu criador, estava na rede P2P descentralizada, por meio da qual os usuários
validariam as transações e emitiriam novas moedas sem precisar de nenhum
intermediário.
Um dia depois da mensagem de Nakamoto,
veio a primeira
resposta na lista de discussão. "Precisamos muito muito de um sistema como
esse", replicou James A. Donald, "mas na forma que entendo a sua proposta, não
parece que vá alcancar o tamanho necessário". John
Levine, o segundo a contribuir no tópico iniciado por Nakamoto, mostrou
igual ceticismo.
Outros usuários passaram a
participar da discussão, porém, abundavam as dúvidas, e a descrença era geral.
O programador até então desconhecido respondeu a todas, e a troca de mensagens
durou mais duas semanas até Nakamoto afirmar:
"Acredito que trabalhei todos esses pequenos detalhes ao longo do último ano, enquanto
eu escrevia o código, e havia muitos. Os detalhes funcionais não estão cobertos
pela mnonografia, mas o código-fonte será disponibilizado logo". No dia
seguinte, o moderador da lista de discussão encerrou o thread.
Naquele instante, meados de
novembro de 2008, o Bitcoin não passava de uma ideia audaciosa com ínfimas
chances de êxito. Nem os especialistas da área levavam fé. A ideia de uma moeda
digital não era original, mas a forma pela qual Nakamoto afirmava ter projetado
era, sim, um tanto inovadora. Mas será que funcionaria? Se algum programador
daquela lista tivesse que apostar, a maioria diria que não.
Mas, contra todas as
probabilidades, em janeiro de 2009, Nakamoto cumpriu sua promessa e disponibilizou
o software para quem quisesse baixá-lo para começar a construir a rede do
Bitcoin. Embora agora já se tratasse de um software de fato, e não apenas uma
ideia ousada, o ceticismo ainda prevalecia.
Hal Finney, um dos poucos
entusiasmados pela invenção de Nakamoto, levantou
pontos pertinentes com relação aos enormes obstáculos que o projeto teria para
decolar: "Um problema imediato com qualquer nova moeda é como valorá-la. Mesmo
ignorando o problema prático de que virtualmente ninguém a aceitará no começo,
ainda há a dificuldade de inventar um argumento razoável em favor de algum
valor acima de zero para as moedas".
Mas Hal também especulou algo
instigante: "Como um experimento mental divertido, imaginem que o Bitcoin tenha
sucesso e se torne o sistema de pagamentos dominante mundo afora. O valor total
da moeda, então, deveria ser igual ao valor total de toda a riqueza na Terra.
Estimativas recentes situam a riqueza total mundial entre US$ 100 trilhões e
US$ 300 trilhões. Com 20 milhões de moedas, daria um valor de US$ 10 milhões
por cada bitcoin".
Nakamoto não deu muita atenção
para o experimento mental do Hal, mas sugeriu
que "Talvez fizesse sentido conseguir alguns [bitcoins] caso a tecnologia ganhe
tração".
Durante todo o ano de 2009, não
houve preço de mercado para a moeda digital. Uma unidade de bitcoin valia
exatamente zero. Mas, mais de um ano depois do início do protocolo —precisamente
em maio de 2010 —, o usuário "lazlo" entrou para a
história ao comprar uma pizza com bitcoins, realizando assim a primeira troca da
moeda digital por um produto real. O preço? Nada menos que 10.000 BTC. Isso
colocaria o valor de uma unidade de bitcoin ao redor de US$ 0,001, menos que um
centavo de dólar. Pouco? Quase nada, na verdade. Mas já era algo acima de zero.
Usando a cotação de mercado atual
— cerca de US$ 380/BTC —, a pizza custaria o equivalente a US$ 3.800.000,00.
Será que foi um péssimo negócio? Em retrospectiva, é fácil dizer que sim. Mas a
realidade em maio de 2010 era completamente distinta da que temos hoje.
Há seis anos, muitos conseguiam
minerar com um simples PC, acumulando algumas centenas ou milhares de bitcoins
em questão de semanas. Mas quando um bem digital vale zero, tanto faz ter um
saldo de 50 ou 10.000 BTC. A probabilidade de que essa quantia continuasse
valendo nada — ou muito pouco — por bastante tempo ainda era muito elevada. Naquele
tempo, não se sabia nem sequer se o projeto duraria uma semana mais. Cada dia
de vida do blockchain, cada novo bloco
minerado, já era uma vitória.
Olhando para trás, lá no início
do Bitcoin, em 2009, e colocando em perspectiva o tamanho das barreiras que
precisaria superar para ter alguma chance de sucesso, o mais fácil e prudente
seria aliar-se aos céticos, "a ideia é genial, mas dificilmente daria certo".
Pois o que era o Bitcoin naquela
época? Não passava de um mero projeto criado misteriosamente por um programador
desconhecido, provavelmente sem qualquer financiamento formal, sem apoio de
nenhum governo, empresa ou qualquer entidade; uma inovação da ciência da
computação sem nenhum respaldo acadêmico, cujos princípios econômicos contradizem
o que ensina grande parte dos cursos de economia ao redor do globo. Enfim, era uma obra de tecnologia com quase
nada a seu favor, a não ser os méritos da própria invenção.
Contudo, contrariando todas as
probabilidades, o Bitcoin decolou.
Sete anos após a publicação da monografia de Satoshi Nakamoto, a tecnologia do Bitcoin agora é apreciada e
reverenciada pelas principais instituições financeiras do planeta, as quais têm
buscado formas de incorporar a inovação de registro distribuído do blockchain às suas operações. Bolsas
como a NYSE e a Nasdaq investem em startups e testam projetos-piloto,
reconhecendo o potencial promissor de revolucionar os mercados financeiros.
Iniciado como um obscuro projeto
de computação com um punhado de interessados, o Bitcoin é hoje a maior rede de
computação distribuída do planeta, com uma força de processamento incomparável
de mais de 450 milhões de GH/s (ou 450 PH/s).
Para alguns, o enorme potencial reside
no blockchain, a tecnologia de registro distribuído. Para outros, é a moeda
digital bitcoin o grande protagonista. Em realidade, essa é uma falsa dicotomia,
pois ambos são inseparáveis. Não existe bitcoin sem blockchain, e vice-versa. Ambas
as partes são intrínsecas à tecnologia. Bitcoin é o nome da invenção.
É verdade que as aplicações de
uma tecnologia de registro distribuído são infindáveis, e por isso o mercado
financeiro como um todo tem buscado entender e introduzir o blockchain em seus
negócios.
Para alguns entusiastas, o que
falta para o Bitcoin realmente decolar e chegar ao mainstream é um killer app. Honestamente, discordo. O
killer app do Bitcoin é o grande elefante na sala que todos têm se recusado
a enxergar: um dinheiro digital apolítico e sem fronteiras. Essa é a função
original do invento de Nakamoto e é a primeira aplicação da tecnologia de
registro distribuído.
Mas então por que, a despeito de
todas as adversidades, o Bitcoin deu certo?
Porque é simplesmente uma
invenção brilhante. Nakamoto não criou os algoritmos usados pelo protocolo. Não
concebeu a arquitetura de rede peer-to-peer.
Tampouco inventou o sistema de prova de trabalho hashcash, fundamental para a inviolabilidade do registro histórico
das transações. Mas ele soube juntar cada uma dessas partes, agregando um
conjunto de regras e incentivos — aplicando com maestria conceitos de teoria
dos jogos e da ciência econômica —, fazendo do todo um sistema de estrutura simples,
porém, incrivelmente robusto e nada frágil.
Inverteu-se o modelo tradicional de
segurança de redes — centralizado, fechado e com controle de acesso — por um modelo
em que a confiança é alcançada de forma consensual por meio da força
computacional, em uma rede aberta e distribuída.
Essa combinação de diversas
tecnologias com conceitos de teoria dos jogos e de economia faz do Bitcoin uma
invenção revolucionária, sem precedentes e com implicações transformadoras.
Nakamoto idealizou e tornou
realidade uma moeda puramente digital, cujo lastro são suas propriedades
matemáticas criptográficas, baseada em uma rede global sem fronteiras, que não
depende de governos ou instituições financeiras; um sistema aberto,
transparente e incrivelmente seguro, em que as transações ocorrem diretamente
entre duas partes sem o envolvimento de intermediários.
Pare por um momento e pense no
feito de Nakamoto. A ideia em si já é sensacional, mas colocá-la em prática e
torná-la real é de arrepiar. E quando consideramos a forma pela qual o projeto
foi desenvolvido — anonimamente, sem financiamento, sem apoio formal algum,
com base no voluntarismo —, o advento do Bitcoin é uma façanha ainda mais
extraordinária.
Não é por menos que a criação de
Nakamoto antagoniza tanto muitos economistas, pois se trata de muito mais do que
apenas uma teoria, ou de algum modelo econométrico sem uso prático; o Bitcoin é a
prova cabal de que uma moeda privada pode surgir do mercado, por meio da livre
escolha dos indivíduos, sem a mínima necessidade de um decreto governamental —
algo que contraria as teorias monetárias dominantes na academia.
A tecnologia do Bitcoin causa
perplexidade inclusive entre os economistas da Escola Austríaca de Economia —
muitos deles julgavam inconcebível um dinheiro não material, uma commodity não-física,
uma moeda digital, abstrata. A tangibilidade, segundo estes, era um pressuposto
inalienável de uma moeda saudável e sólida.
O fato inconteste é que um mero nerd
da informática, um programador misterioso, demonstrou que muitos economistas
estão equivocados: o dinheiro pode emergir do livre mercado, e a materialidade
não é um atributo vital para uma boa moeda.
Em virtude disso tudo, o professor
de finanças da UCLA Bhagwan
Chowdhry nomeou Nakamoto para o Prêmio Nobel de Economia de 2016.
Merecimento definitivamente não falta; o Bitcoin é nada menos que a maior
invenção desde a internet. Mas essa distinção dificilmente lhe será concedida;
é altamente improvável. Isso em nada apequena a sua obra, porém. Porque Nakamoto
não se interessa pelos créditos; ele não almeja a fama ou os aplausos. A sua
criação não é para consumo próprio, é um legado para o mundo.
Daqui a uns 10 ou 15 anos, o
Bitcoin será visto como uma das grandes invenções deste século, e o nome
Satoshi Nakamoto estará ao lado de Johannes Gutenberg, Isaac Newton, Samuel
Morse, Thomas Edison, Alexander Graham Bell, Albert Einstein, Tim Berners-Lee;
enfim, na companhia das mentes mais brilhantes da humanidade.