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Iluminados planejando a economia - o sonho dos socialistas
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Para os intelectuais do início do século XX, o
capitalismo parecia uma anarquia. Por
que — eles se perguntavam — deveríamos aceitar ordens e comandos deliberativos
ao construirmos uma casa, mas não devemos aceitar essas mesmas ordens e
comandos para construir uma economia?
Era moda entre esses intelectuais socialistas
defender o "planejamento" como sendo uma maneira muito mais racional de organizar
a atividade econômica. (F.A. Hayek escreveu um
famoso ensaio sobre este fenômeno). Mas essa ênfase dada à necessidade de um
planejamento central era totalmente incoerente, tanto conceitualmente quanto
empiricamente.
Ludwig von Mises forneceu a mais óbvia réplica, demonstrando
que, na economia de mercado, também há "planejamento". A diferença é que, no mercado, o planejamento
é descentralizado, e está difuso por milhões de empreendedores, proprietários
de recursos, e principalmente trabalhadores e consumidores.
Diariamente, há inúmeros empreendedores planejando expandir
ou reduzir suas empresas; planejando introduzir novos produtos
ou suspender antigos; planejando abrir novas filiais ou fechar
algumas existentes; planejando alterar seus métodos de
produção ou continuar com seus atuais; planejando contratar novos
empregados ou demitir alguns atuais.
E, também diariamente, há inúmeros trabalhadores planejando aprimorar
suas habilidades, mudar de ocupação ou de lugar de trabalho, ou continuar
exatamente como estão. E há também consumidores, que diariamente planejam comprar
imóveis, carros, eletroeletrônicos, carnes ou sanduíches, além de também planejarem como
melhor utilizar os bens que já possuem — por exemplo, se devem ir para o
trabalho de carro ou utilizar ônibus ou taxi.
Portanto, no debate entre socialismo e capitalismo,
a questão não é se "deveria haver planejamento econômico". A real pergunta a ser feita é: "deveríamos
restringir o planejamento econômico exclusivamente a alguns supostos
especialistas escolhidos pelo processo político, ou deveríamos abrir as
comportas e receber informações de milhões de pessoas que podem saber de algo
vital?"
Essa segunda pergunta passou a ser conhecida como "o problema do conhecimento". Hayek demonstrou que, no mundo real, a
informação está dispersa entre uma imensidão de indivíduos. Por exemplo, apenas o proprietário de uma
fábrica em Novo Hamburgo pode saber de detalhes muito específicos sobre as máquinas
de sua linha de produção; é impossível que os planejadores centrais
encastelados em Brasília tenham esse mesmo conhecimento. É impossível que esses planejadores
socialistas encastelados em Brasília tenham como levar em conta esses detalhes conhecidos
apenas pelo proprietário da linha de produção. E é impossível que, não sabendo destes
detalhes, eles possam planejar "eficientemente" a economia, direcionando, por
meio de decretos, os recursos e os fatores de produção do país para as
finalidades que julgam ser as mais desejadas.
Hayek argumentou que o sistema de preços em uma
economia de mercado pode ser visto como um gigante "sistema de telecomunicações",
o qual rapidamente transmite os fragmentos essenciais do conhecimento de um
ponto localizado até outro. Tal arranjo
de "rede" só funciona bem se não for obstaculizado por uma hierarquia burocrática,
através da qual cada fragmento de informação teria de fluir até o topo da
cadeia de comando, ser processado pelos planejadores centrais, e então fluir de
volta até os subordinados.
[N. do E.: Jesús Huerta de Soto foi quem resumiu com
brilhantismo a questão:
É
impossível que o órgão planejador encarregado de exercer a coerção para
coordenar a sociedade obtenha todas as informações de que necessita para
fornecer um conteúdo coordenador às suas ordens. [...] O planejador
da economia necessita receber um fluxo ininterrupto e crescente de informação,
de conhecimento e de dados para que seu impacto coercivo — a organização da
sociedade — tenha algum êxito.
Mas
é obviamente impossível uma mente ou mesmo várias mentes obterem e processarem
todas as informações que estão dispersas na economia. As interações
diárias entre milhões de indivíduos produzem uma multiplicidade de informações
que são impossíveis de serem apreendidas e processadas por apenas um seleto
grupo de seres humanos.]
Como complemento a essa teoria do "problema do
conhecimento disperso" de Hayek, Mises enfatizou o problema do cálculo econômico
em um arranjo de planejamento socialista.
Mesmo se supusermos, pelo bem do debate, que os planejadores socialistas
fossem capazes de ter acesso, diariamente, a absolutamente todas as mais
recentes informações técnicas sobre os recursos, e também fossem dotados do
conhecimento processual (know-how) a respeito de todas as linhas de produção existentes
no país, ainda assim seria impossível que eles pudessem "planejar"
racionalmente as atividades econômicas desta sociedade. Eles estariam, utilizando as próprias palavras
de Mises "tateando no escuro".
Por definição, sob o socialismo, um grupo (formado
por aquelas pessoas que detêm o controle do aparato estatal) detém todos os
importantes recursos produtivos do país — as fábricas, as florestas, as terras
cultiváveis, os poços de petróleo, os navios cargueiros, as ferrovias, os armazéns,
os serviços de gás, luz, telefone etc.
Sendo assim, se um único grupo de pessoas (que detém o poder estatal) é
o proprietário de todos esses recursos, então não existe nenhum mercado no qual
esses recursos possam ser comercializados (afinal, você não comercializa
consigo próprio). E sem um mercado para
esses "meios de produção" (para utilizar o termo de Karl Marx), não há uma genuína
formação de preços para cada um destes itens.
E sem formação de preços, é impossível fazer qualquer
cálculo sobre a viabilidade de um determinado processo de produção. Não há cálculo de lucros e prejuízos. Não há racionalidade econômica.
Por causa desses fatos inevitáveis, argumentou
Mises, nenhum administrador socialista é capaz de avaliar a eficiência do seu
plano econômico, mesmo após ele ter sido implantado.
O administrador socialista seria, sim, capaz de
especificar o que ele quer produzir e o que ele quer utilizar na produção. Ele seria capaz de fazer uma lista com todos
os insumos necessários para um determinado processo de produção (tantas
toneladas de aço, borracha, madeira e operários para vários tipos de trabalho). Ele poderia comparar os insumos utilizados
com os bens que eles produziram (tantas casas, ou carros, ou garrafas de
cerveja).
Mas como esse planejador socialista saberia se essa produção
fez sentido? Como o planejador socialista seria capaz de
saber se ele deveria manter essa mesma operação no futuro, em vez de expandi-la
ou reduzi-la? Um uso diferente desses
mesmos recursos produziria um resultado melhor?
A resposta mais simples é que ele não teria a mais mínima ideia. Sem preços de mercado, não existe uma maneira
não-arbitrária de comparar os recursos utilizados em um determinado processo de
produção com os bens e serviços que eles produziram.
Em contraste, quando há um mercado no qual os fatores
de produção podem ser livremente transacionados, há formação de preços. Havendo preços livremente formados, torna-se possível
fazer o cálculo econômico. Torna-se possível
fazer cálculos sobre a viabilidade de cada projeto, seus eventuais lucros ou prejuízos. Passa a haver racionalidade econômica.
Em uma economia de mercado, esse mecanismo de lucros
e prejuízos fornece as informações essenciais para cada projeto. O empreendedor torna-se capaz de pedir a seus
contadores para atribuírem preços tanto
aos recursos utilizados quanto aos bens e serviços produzidos em um determinado
processo de produção. Embora não seja
perfeito e à prova de falhas, tal método ao menos fornece orientação.
De maneira mais coloquial, um empreendimento
lucrativo é aquele que é capaz de direcionar, de maneira eficiente, recursos
escassos para linhas de produção que irão produzir aquilo que os consumidores
mais demandam. Se os resultados contábeis
desse processo apontarem lucro, então o empreendimento está sendo bem sucedido
em satisfazer os desejos dos consumidores — os quais estão demonstrando, por
meio de sua decisão de consumir ou de se abster de consumir, que aprovam os
bens e serviços produzidos.
Por outro lado, se os resultados contábeis apontarem
prejuízos, então os recursos estão sendo mal utilizados, e deve haver mudanças nessa
linha de produção. Prejuízos significam
que os consumidores não estão dispostos a gastar dinheiro nos bens produzidos a
um volume que seja o suficiente para compensar os gastos monetários (incluindo
juros) incorridos na compra dos insumos.
E o motivo de estes insumos terem preços de mercado atribuídos
a eles decorre do fato de que outras
linhas de produção também estão ofertando dinheiro para adquiri-los. Sendo assim, na interpretação de Mises, um
empreendimento não-lucrativo está retirando
recursos escassos de outros empreendimentos que poderiam estar produzindo
bens e serviços que os consumidores realmente querem. Ao consumir esses recursos que poderiam estar
mais bem empregados em outras linhas de produção, este empreendimento não-lucrativo
está destruindo riqueza da
sociedade. Sendo assim, para o bem-estar
de todos, ele deve ir à falência.
Jamais devemos nos esquecer de que o real problema econômico
não está na dicotomia "utilizar x deixar ocioso". O raciocínio que deve ser feito não é o de "em vez de deixar esses
recursos escassos ociosos, direcioná-los para um projeto X fará com que ao
menos algumas pessoas fiquem em melhor situação." Isso é errado. A real dicotomia está na seguinte pergunta: "será
que direcionar estes recursos escassos ao projeto X deixará as pessoas em
melhor situação do que utilizar esses mesmos recursos em outro projeto Y?"
Para responder a essa pergunta, é necessário haver
uma maneira de fazer com que todos os insumos e produtos existentes no mundo
sejam classificados de acordo com um mesmo denominador comum: preços.
É por isso que Mises nunca se cansou de enfatizar a primazia
da propriedade privada e do uso de uma moeda forte como sendo os pilares de uma
alocação racional de recursos. Apenas isso
permite um planejamento econômico racional e eficaz.