quinta-feira, 23 abr 2015
Quase dois meses após o presidente do
Banco Central Europeu, o italiano Mario Draghi, anunciar o novo programa de
quantitative easing
na Europa, os primeiros efeitos
previstos por este site
já começam a aparecer.
À época, havia mais de € 2 trilhões de títulos
sendo negociados com rendimentos negativos; agora, há quase €
5 trilhões de títulos com rendimentos
abaixo de zero. Mais da metade de todos os títulos governamentais globais rendem 1% ou menos. "Sta funzionando!",
é o que pensa o presidente do Banco Central Europeu (BCE).

Isso é o que estão pensando também os
investidores e traders do mercado.
Acompanhem comigo.
Na semana do anúncio do QE europeu, os German Bunds de 10 anos — títulos do
governo alemão —, rendiam cerca 0,40%; atualmente são negociados por 0,15%,
tendo chegado ao mínimo histórico de quase 0,05% nesta semana.

Quem surfou essa onda em pouco mais de
um mês conseguiu realizar um belo de um lucro. Agradeça ao Mario Draghi por
essa. É nesse contexto que o famoso investidor americano de títulos, Bill Gross,
afirmou no Twitter, no início da semana, que os vender a descoberto [short] os
German Bunds de 10 anos é "uma oportunidade única"

A única questão, porém, é o timing e o QE do BCE, como bem apontou
Gross.
Não custa lembrar outro "short of a
lifetime", o notório "widowmaker trade"
— vender a descoberto a dívida do governo japonês (to short JGBs) —, que
segue fazendo viúvas desde 1990.
E nesse quesito, concordo com o site ZeroHedge,
os German Bunds não são ainda o
"short of a lifetime", apenas o serão quando tocarem o piso
de 0,20% negativo, imposto pelo próprio BCE no programa de compra de
títulos públicos, o PSPP. Enquanto a curva de juros dos Bunds estiver acima
desse piso, haverá espaço para os rendimentos caírem ainda mais.

Assim, os investidores têm o incentivo —
e a garantia firme do BCE, até o momento — para acumular mais dívida soberana
alemã, já que Bunds com rendimentos de
0,05% ainda são atrativos — contrariando qualquer bom senso.
A lógica vale para os demais países da
Europa cujos títulos públicos seguem a mesma tendência dos Bunds alemães. E se
baixarem de zero? "Non c'è problema", afirma Draghi. O BCE seguirá adquirindo
títulos públicos do mercado até o limite de 0,20% negativo.
Não é exagero concluir que estamos
vivendo uma verdadeira insanidade nos mercados financeiros — façanhas que
somente os bancos centrais podem perpetrar. Não indefinidamente, é claro. Mas
por alguns anos mais, sem dúvida alguma.
No caso da Europa, dados os fluxos de
resgates e emissões de dívida programadas para o ano de 2015, é provável que
Draghi precise rever seus objetivos mais cedo do que pensava. Das duas uma: ou
testemunharemos a curva de juros de diversos países europeus perto ou abaixo de
zero, ou o chefe do BCE jogará a toalha — como o fez o Banco Nacional da Suíça há
poucos meses, ao decretar subitamente o fim da política de piso para cotação do
franco suíço — e puxará o tapete dos investidores, contendo a sandice dos
programas de QE e privando o mercado de novos estímulos monetários.
Continuar surfando essa onda poderá
render um bocado. Mas não é uma onda livre de risco, apesar de grande parte dos
títulos soberanos assim serem
qualificados. Quando o Bund alemão de
10 anos chegar perto do piso de 0,20% negativo, é bastante provável que ele
venha a ser o "short of a lifetime". Não podemos prever, contudo, por quanto
tempo mais ele ficará nesse nível. É o velho problema do timing.
Mas se chegarmos de fato a esse estágio,
a magnitude das distorções nos mercados será tão descomunal que talvez seja
melhor assistir a esse jogo arriscado da arquibancada. Uma coisa é o título
suíço ter um rendimento de 0,20% negativo; outra coisa bem diferente é um
German Bund ter um rendimento nesse
patamar, considerando que o estoque de dívida da Alemanha no mercado é quase dez
vezes maior que o da Suíça. Haja afrouxamento quantitativo para turbinar os
Bunds.
Resumo da ópera: os bancos centrais não
têm tudo sob controle. Mario Draghi não tem superpoderes. E as leis de mercado
e da economia não podem ser revogadas para sempre.
Se estiver correta a tese de que estamos
testemunhando a formação da maior bolha de ativos que o mundo já viu — e acho
que está —, logo surgirão diversos "shorts of a lifetime" (França? Itália?
Espanha?) nessa bolha de títulos soberanos.
Quantos trilhões de euros mais estaria
Mario Draghi disposto a despejar nos mercados? Por quanto tempo seguirá o BCE
firme na sua estratégia? Essas respostas valem trilhões de euros.
Ganham aqueles que souberem ler e antecipar
bem as ações das autoridades monetárias. Mas arrisco-me a dizer que a maioria
sairá chamuscada desse mercado eufórico e insano. A tempestade perfeita segue
sendo gestada justamente por quem promete combatê-la: os próprios bancos
centrais.