A água é um recurso renovável, fácil de captar e muito mais abundante que
petróleo. Mas então por que as represas
estão vazias e os tanques de petróleo transbordam?
Não só o Brasil ou países pobres sofrem com a seca. Faltou água nos
Estados Unidos em 1999, quando uma seca de verão atingiu a costa leste. Na
Austrália, em 2007, a falta de chuvas levou à ruína produtores de frutas à base
de irrigação.
Já as reservas de petróleo só crescem — e o preço do barril está em
queda porque a produção está alta demais em relação à demanda mundial. De vez
em quando o petróleo encarece; mas faltar, não falta.
A resposta para esse mistério é uma simples palavra: preço.
A beleza do mercado de petróleo, onde há concorrência e preços livres, é que
a escassez leva à abundância. Se a oferta de petróleo diminui, o preço sobe.
Com preço alto, há incentivo para a economia de gasolina entre os consumidores
e para a pesquisa de fontes alternativas, novas reservas e processos de
extração.
Foi o que aconteceu de 1973 para cá. A crise do petróleo empurrou o mundo
para motores mais econômicos, etanol, carros elétricos, pré-sal e petróleo de
xisto. O resultado é abundância e preços baixos em 2015.
O petróleo confirma o que economistas já sabem há algum tempo: o mecanismo
de informação e de incentivos criado pelos preços é o melhor sistema de alocação
de recursos existente. Não é exagero
falar em beleza, como fiz ali acima, pois esse fenômeno é dos mais bonitos da
economia.
O mecanismo de preços funciona todo dia no setor de alimentação, o mais
essencial de todos. Se falta tomate, o
preço sobe. É como se emitissem um
alerta a todos os envolvidos, desencadeando uma série de mudanças de atitude. No supermercado, a dona de casa se assusta com
o preço e coloca menos tomates na sacola. O dono do restaurante reduz o
desperdício de tomates e sobe o valor do espaguete ao sugo,
empurrando clientes para a pizza quatro-queijos. O importador aumenta o pedido de tomates
enlatados da Itália. O agricultor
brasileiro percebe que lucraria mais se destinasse parte da fazenda à plantação
de tomates. De repente há tomate demais
para uma demanda menor. Pronto: a
varinha de condão dos preços livres transformou a escassez em abundância.
O chato é que o mercado de água não é assim. A concorrência entre sistemas
de água encanada é difícil, pois é caro demais haver empresas com encanamentos
paralelos competindo entre si. [Nota do IMB: isso não é necessariamente
verdade, como mostra este
artigo. Para um relato histórico
sobre como havia concorrência nesse mercado, veja este artigo.]
Por isso empresas de água geralmente são monopólios públicos ou privados.
Para evitar abusos da empresa dona do monopólio, o preço é regulado ou tabelado
pelo governo.
Com o tabelamento, os superpoderes do preço desaparecem. Ele perde a capacidade de distribuir
informação e incentivo. As pessoas
utilizam demais o recurso mesmo quando ele é escasso. Fornecedores não têm incentivos para pesquisar
novas fontes, pois a água é barata demais. No caso dos tomates, é como se a dona de casa
continuasse comprando como antes, sem que ninguém se interessasse em aumentar a
produção. Uma hora todos percebem que há
uma crise de tomates no país.
Nos anos 80, o
congelamento de preços deixava prateleiras vazias no mercado. Em 2015,
a regulação do preço da água resulta em torneiras secas. Nos anos 80, o mercado
negro vendia, com ágio, a carne e o leite que ninguém encontrava no mercado. Em
2015, serão os caminhões-pipa, vendendo a preço livre, que vão nos livrar do
desabastecimento causado pela seca — e pela regulação do preço da água.
Três mitos sobre a Sabesp
Muitas
falhas podem ser atribuídas à Sabesp, a estatal de saneamento de São Paulo. Mas entre acusações justas há equívocos que
exalam pura ignorância econômica. Vejo muita gente dizer, por exemplo, que a
seca em São Paulo
se agravou porque a Sabesp, ao vender parte
de suas ações na Bolsa, "passou a seguir a lógica do mercado", "maximizando
lucros e reduzindo investimentos", para "privilegiar acionistas em detrimento
do interesse público".
Há
nesse raciocínio pelo menos três equívocos graúdos.
Mito
1: "Seguindo a lógica do mercado, a Sabesp reduziu investimentos"
Se
a lógica do mercado levasse empresas a reduzir investimentos e privilegiar o
lucro dos acionistas, o mundo viveria uma escassez generalizada. Enfrentaríamos
falta de Coca-Cola, pois a empresa teria transferido dividendos a acionistas em
vez de construir novas fábricas. Supermercados
seriam lugares tristes repletos de prateleiras vazias, porque a Nestlé, a
Ambev, Unilever e os produtores de frutas e verduras embolsariam lucros em vez
de investir o necessário para atender o aumento da demanda.
É
verdade que investir em novas tubulações para evitar vazamentos não é tão
rentável quanto uma nova fábrica de refrigerantes. No entanto, pela lógica da "maximização de
lucros" no longo prazo, a pior coisa que pode acontecer a uma empresa é não ter
o que oferecer aos consumidores, como é o caso da Sabesp hoje em dia. A melhor é crescer e
conquistar mercados. Por isso previsões
de demanda, aquisições, estudos de ampliação e análises do "capex" (o capital
destinado a investimentos) são parte do dia a dia de empresas que buscam lucro.
Quem
acompanha o mercado financeiro sabe que toda a semana o preço de ações cai
porque empresas anunciam projetos e aquisições. Como investimentos geralmente
significam menos lucros ou dividendos nos meses seguintes, acionistas
interessados no gráfico de curto prazo se livram dos papéis. Isso aconteceu
recentemente com ações do Facebook, da Intel, da Microsoft, da Vale, da Lenovo,
da Tim, entre muitas outras. O preço da ação costuma se reerguer depois de
algumas semanas. Os acionistas mais ligados ao longo prazo entendem que, se a
empresa está investindo, terá melhores fundamentos no futuro.
Mito
2: "A Sabesp enriqueceu os acionistas"
Só
existe um motivo para uma empresa evitar investimentos e privilegiar os
acionistas: se o principal acionista for o próprio governo. No caso de empresas estatais, uma distribuição
maior de dividendos resulta em caixa mais gordo aos políticos no poder. E o que político gosta de fazer é gastar
dinheiro o mais rápido possível. Diferentemente
de donos de empresas, políticos têm um objetivo de curto prazo: a próxima
eleição. Poucos resistem à tentação de sacrificar o futuro de estatais ou das
contas públicas para gastar em obras ou propaganda.
Foi
esse o caso da Sabesp? Se a empresa não
sofreu da lógica do mercado, teria sido vítima da lógica da política? Difícil dizer. Segundo esta
reportagem da Exame, a Sabesp é uma das empresas de saneamento que
mais pagam dividendos no mundo. O governo de São Paulo, dono de 50,3% das
ações, é o maior beneficiário desses repasses.
No
entanto, entre 2008 e 2013, de
acordo com a consultoria Economática, a Sabesp ficou em 28º lugar entre as
30 maiores pagadoras de dividendos do Brasil. O retorno médio aos acionistas
foi de 4,9%. É uma boa média, mas bem inferior à Eletropaulo (23%) ou estatais
administradas pelo governo federal, como o Banco do Brasil (6,9%).
Sem
contar o rendimento das ações, que depende da sorte, os acionistas da Sabesp
ganharam de dividendos menos do que se tivessem investido na poupança. "A
Sabesp é uma boa pagadora de dividendos, mas não é um caso excepcional", me
disse Gianmarcelo Germani, da MoneyMark. "Outras estatais, como a Copel ou a
Cemig, pagam dividendos muito superiores."
Mito
3: "Distribuir dividendos vai contra o interesse público"
Se
você tem uma empresa e precisa de dinheiro para ampliar o negócio, é geralmente
mais barato lançar ações na Bolsa que emprestar no banco. De um dia para o
outro, investidores jogam milhões de reais na sua mão. Em troca, esperam uma
remuneração anual que, segundo a lei, precisa ser no mínimo 25% dos lucros que
você conseguir. As empresas costumam pagar um pouco mais do que manda a lei,
para ficar em paz com os acionistas e poder captar mais dinheiro da próxima vez
que precisarem.
Se
o governo paulista quisesse manter a Sabesp 100% estatal e se recusasse a vender
ações, teria que emprestar do BNDES ou de bancos internacionais, ou bancar do
próprio bolso investimentos para a ampliação de represas e da rede de
abastecimento. Isso significa tirar dinheiro de hospitais e escolas para
colocar numa empresa que poderia andar com as próprias pernas. Diversas
estatais de saneamento dão prejuízo no Brasil: o rombo que elas causam acaba
sendo pago com o imposto dos cidadãos.
É
tentador imaginar um acionista milionário nadando no dinheiro enquanto o povo
morre de sede, mas isso não passa de ficção marxista. Se a empresa é bem
administrada, a participação de investidores provoca melhoria e ampliação de
serviços.
É
uma tremenda loucura legar a uma estatal algo tão importante quanto o
abastecimento de água. Água potável só será abundante quando arranjarmos um
jeito de haver concorrência nesse setor, pois monopólios legais (públicos ou
privados) sempre vão decepcionar.
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Este artigo foi originalmente publicado no
blog do autor hospedado no site da Revista
Veja.
Leia também: A solução para a
escassez de água