quinta-feira, 29 jan 2015
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Praia particular nas Ilhas Virgens Britânicas
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A Constituição Federal de 1988 está cheia de
aberrações, mas nenhuma delas é pior do que o artigo 5º.
Lá
diz:
XXII — garantido o direito de propriedade;
XXIII — a propriedade atenderá a sua função
social;
XXIV — a lei estabelecerá o procedimento
para desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse
social, mediante justa e prévia indenização em dinheiro, ressalvados os casos
previstos nesta Constituição;
XXV — no caso de iminente perigo público, a
autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao
proprietário indenização ulterior, se houver dano;
Podemos
dizer que, por meio dele, o direito de propriedade privada não existe. Obrigar
a propriedade privada a atender uma função social não significa outra coisa
senão a coletivização da propriedade. É nada mais do que uma total violação do
direito de propriedade, uma vez que é totalmente contraditório garantir o
direito de propriedade ao mesmo tempo em que se impõe uma função social a ela.
Nenhuma
constituição, nenhuma lei, nenhuma instituição que se sustenta de forma
criminosa garante o direito de propriedade.
A
conclusão que podemos tirar com isso é que o estado não sobrevive de outra
forma senão violando o direito a propriedade privada.
Primeiramente,
temos de entender uma coisa: tudo o que é escasso necessariamente tem que ser
apropriado. Tudo o que é escasso necessariamente tem se tornar propriedade
privada.
O
direito de propriedade privada tem que ser absoluto.
Definindo
a propriedade
Podemos
definir como propriedade o título de posse sobre qualquer bem escasso que damos
para um indivíduo.
O
nosso corpo, por ser obviamente escasso, é a nossa propriedade original. É com
ele que produzimos e adquirimos a propriedade. A terra, como um bem escasso, por exemplo,
necessariamente deve ser apropriada. Porém,
nem todos pensam assim.
Jean-Baptiste
Say foi duramente criticado por Pierre-Joseph Proudhon por defender a
apropriação de terras cultiváveis na sua obra Economie Politique[1].
Proudhon não hesita em chamar a
propriedade de terras de roubo e inclusive diz que ar e água, por exemplo, não
são apropriáveis não por serem "fugitivos", mas por serem "essenciais".
John
Locke definiu que para uma propriedade ser legítima deve haver o trabalho
misturado do homem àquilo que ele tirou do seu estado natural:
Ainda que a terra e todas as criaturas
inferiores pertençam em comum a todos os homens, cada um guarda a propriedade
de sua própria pessoa; sobre esta ninguém tem qualquer direito, exceto ela.
Podemos dizer que o trabalho de seu corpo e a obra produzida por suas mãos são
propriedade sua. Sempre que ele tira um objeto do estado em que a natureza o
colocou e deixou, mistura nisso o seu trabalho e a isso acrescenta algo que lhe
pertence, por isso o tornando sua propriedade.
Ao remover este objeto do estado comum em
que a natureza o colocou, por meio do seu trabalho adiciona-lhe algo que
excluiu o direito comum dos outros homens. Sendo este trabalho uma propriedade
inquestionável do trabalhador, nenhum homem, exceto ele, pode ter o direito ao
que o trabalho lhe acrescentou, pelo menos quando o que resta é suficiente aos
outros, em quantidade e em qualidade.[2]
Porém,
a contradição se evidencia a partir do momento em que advogam a necessidade do
estado. Para Proudhon, a propriedade não
existiria sem o estado[3],
já que sempre coube a ele legitimá-la. Mas não é bem assim. O estado,
antes de tudo, não é uma estrutura que surgiu de maneira voluntária. Ele é,
acima de tudo, uma estrutura coercitiva que sempre nos violará os direitos.
O
fato de ele ser aceito pela maioria de maneira praticamente bovina não legitima
a sua existência e muito menos o seu crime mais comum: a violação da
propriedade.
Existe
uma função social da propriedade?
Sendo
bem enfático: não. Ou, ao menos, ela não
seria necessariamente imposta.
A
propriedade privada só tem uma função: servir ao proprietário. É ele quem
decide a sua função.
Rothbard
já mostrou que um dos maiores equívocos dos estatistas é confundir sociedade
com estado.[4]
Tendo a sua propriedade garantida, ela necessariamente atenderá à função
principal: atender ao proprietário.
O
proprietário, para manter a sua propriedade e para se manter, acabará
realizando trocas com outros proprietários. Alguém que seja dono de uma
plantação de maçãs, por exemplo, cedo ou tarde, necessitará de algo que não
seja maçã. Se ele quiser queijo, necessariamente terá de se desfazer de parte
das maçãs para obter o queijo. Ele trocará essas maçãs pelo queijo ou por
dinheiro, que será usado na compra do queijo.
Esse
é o princípio da sociedade, e são essas trocas voluntárias que fazem a sociedade
funcionar.
O
proprietário das maçãs não apenas conseguiu o que queria, os queijos, e deu ao
fabricante de queijos o que ele queria, maçãs ou o que for, como ainda
contribuiu com a possível remuneração da mão-de-obra que trabalha na fabricação
desse queijo — considerando que o fabricante de queijo não os tenha produzido
sozinho.
Perceba
que, mesmo sem querer e ao mesmo tempo sem nenhuma coerção, ambos interagem
para adquirirem aquilo lhes interessa. Ambos
usam a sua propriedade — ou seja, o fruto do seu trabalho — para realizar as
trocas e cumprir a tal "função social".
Porém,
o que vemos na constituição brasileira é que a função social da propriedade tem
de ser aquilo que o estado determinar. Um
ótimo exemplo são as praias.
Graças
à constituição, elas não podem ser de uso particular. No entanto, sendo elas um espaço escasso,
deveriam ser apropriadas não apenas para garantir o direito de propriedade, como
também para evitar conflitos e garantir uma melhor administração delas.
Na
Lei 7.661/88, nós vemos no artigo 10 do Código Civil:
Art. 10. As praias são bens públicos de uso
comum do povo, sendo assegurado, sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar,
em qualquer direção e sentido, ressalvados os trechos considerados de interesse
de segurança nacional ou incluídos em áreas protegidas por legislação
específica.
§ 1º. Não será permitida a urbanização ou
qualquer forma de utilização do solo na Zona Costeira que impeça ou dificulte o
acesso assegurado no caput deste artigo.
§ 2º. A regulamentação desta lei determinará
as características e as modalidades de acesso que garantam o uso público das
praias e do mar.
§ 3º. Entende-se por praia a área coberta e
descoberta periodicamente pelas águas, acrescida da faixa subseqüente de
material detrítico, tal como areias, cascalhos, seixos e pedregulhos, até o
limite onde se inicie a vegetação natural, ou, em sua ausência, onde comece um
outro ecossistema.
Este
certamente é um ótimo exemplo da nocividade do estado, que usa como
justificativa a proteção ambiental e a garantia de acesso ao público como
pretexto para se apropriar de maneira ilegítima de recursos escassos, como, por
exemplo, o território nacional.
Proibir
a apropriação de praias é simplesmente proibir qualquer tipo de empreendimento
que possa gerar bens de capital que tornam a sociedade mais rica. No que mais, isso provavelmente ajudaria, e
muito, na sua preservação.
Mas
é claro que o principal argumento que podemos usar contra essa lei nefasta é a
moral: nenhum tipo de recurso escasso deve estar livre de apropriação. É a
apropriação privada de tais recursos que ajuda a evitar conflitos. Não a apropriação do estado.
Ainda
assim, o leitor deve se perguntar: as praias, ao serem apropriadas, atenderiam
algum tipo de função social?
Depende,
é claro, do que definimos como função social. Quando algo é apropriado, o proprietário tende
a buscar lucro com isso. O proprietário
de uma praia pode alugá-la para os banhistas ou deixá-la aberta e alugar
espaços para vendedores ou mesmo moradores.
Mesmo
que isso restrinja de certa forma o acesso generalizado de pessoas, quando
comparado às praias "públicas", isso ajudará muito mais na sua preservação.
Certamente a maioria dos proprietários não quererá uma praia imunda ou mesmo
superlotada, já que nem todos os visitantes que estiverem ali necessariamente darão
algum lucro. Uma praia superlotada pode
significar, caso não haja uma cobrança no acesso, um prejuízo para o seu
proprietário.
No
caso de uma praia pública superlotada, o prejuízo será de quem habita o local.
Com a total possibilidade dessa praia, por exemplo, ser soterrada por lixo, os
moradores terão de organizar mutirões para recolher o lixo que sempre
aparecerá.
Ou
pior, toda população terá de pagar pelo recolhimento de lixo todos os dias. Em uma praia privada, os serviços de limpeza
seriam custeados pelo proprietário, tal como a fiscalização para que ninguém
jogue lixo no local.
Afinal,
você iria querer uma praia suja, se você fosse dono dela?
A
apropriação de praias pode ser inconstitucional, mas proibi-la viola o nosso
direito natural de propriedade. Sem o direito de propriedade e com tais
recursos sendo "bens públicos", podemos considerar que as praias são
verdadeiras terras de ninguém e onde conflitos acabam sendo comuns. Afinal,
arrastões são exemplos disso.
Não
existem recursos escassos que não podem ser apropriados. Eles devem ser
apropriados justamente por serem escassos. Apenas assim haverá uma
administração racional de tal recurso. Um recurso escasso apropriado pelo
estado é um recurso roubado e que não pertence a ninguém.
Se
você estiver numa praia particular e que é sua, não cuidaria bem dela? Você
cuida melhor daquilo que é seu. Portanto, se querem praias melhores e gostam
delas, privatizem todas!
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Leia também:
O fundamento lógico para a
privatização total
Se você gosta da natureza,
privatize-a
[1] PROUDHON,
Pierre-Joseph, O que é propriedade? (Editorial Estampa, Lisboa, 1975, p.
77)
[2] LOCKE,
John, O segundo tratado sobre o governo civil (Editora Vozes, p. 42)
[3] PROUDHON,
Pierre-Joseph, O que é propriedade? (Editorial Estampa, Lisboa, 1975, p.
218)
[4] ROTHBARD,
Murray N., Por Uma
Nova Liberdade: O Manifesto Libertário (Intituto Ludwig von Mises
Brasil, São Paulo, 2010).