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Direito

Dilma promete mais “direitos” e governador petista privatiza supermercado estatal

09/01/2015

Dilma promete mais “direitos” e governador petista privatiza supermercado estatal

Em seu discurso de posse, Dilma falou que não pode dar passos atrás, e nem tirar direitos.  Que os direitos devem ser sempre mais.

Ao dizer isso, a presidente ecoa as convicções de muita gente bem-intencionada.  Já eu, que suspeito das boas intenções como que por instinto, penso que a criação de direitos -- isto é, coisas boas que a lei determina que sejam estendidas a todos -- é um obstáculo para a qualidade de vida geral.

Entendo que esse é o modo petista de medir o sucesso: pelo esforço gasto; pelo papel gasto.  Se está lá no papel que o salário mínimo subiu, ou que domésticas agora têm direitos trabalhistas, isso é bom em si, posto que é o justo; e tudo que está fora disso é inaceitável, mesmo se o salário mínimo maior não fizer os trabalhadores mais ricos, e mesmo se as novas leis de domésticas tiverem dificultado muito encontrar postos de trabalho nessa função.

O efeito que o discurso de direitos tem na mentalidade é também deletério.  Se algo é um direito, ele deveria estar vigorando para todos os casos.  Se não está, então uma injustiça foi feita.  E se uma injustiça foi feita, temos que encontrar o culpado: alguma classe que não contribui como deveria, alguma instância do governo que é corrupta ou lenta, o egoísmo da cultura em geral, "todos nós que jogamos papel de bala no chão" etc.

Isso serve para gerar raiva e indignação, sentimentos que levam à impotência, posto que nada podemos fazer contra as gritantes injustiças de todo um sistema.  Em nada ajudam a encontrar soluções criativas que melhorem efetivamente aquilo que consideramos ainda insatisfatório.  Encontrar culpados e bater o pé no chão para que "algo seja feito" roubam os esforços que deveríamos dedicar a fazer algo.

O direito também fossiliza nossa concepção sobre como o mundo deve ser.  Direitos trabalhistas eternizaram relações de trabalho que estão cada vez mais datadas.  Mas como o estado não é capaz de aceitar seus próprios limites, ele precisa exigir que todas as outras relações se pautem pelos critérios que ele estabeleceu.  O resultado cultural disso é gente jovem em pleno século XXI sonhando com carteira assinada ou -- o que é a lógica dos direitos levada a seu extremo -- o funcionalismo público.  Trabalho assegurado, bem remunerado, fácil, de baixa intensidade e com amplo tempo livre.

O mesmo vale para outros campos: o direito à educação nos internalizou a ideia de que todos necessitam de 11 a 15 anos de estudo formal em salas de aula, com conteúdos pré-determinados pelo estado e sendo submetidos a constantes avaliações, seguindo um modelo muito particular de educação que se universalizou como sendo o único possível.

O direito à saúde nos fez todos adotar a ideia de que serviços de tratamento devem estar prontamente disponíveis e gratuitos a todas as pessoas.  O que, com o aumento da tecnologia e da longevidade, revela-se uma impossibilidade técnica.

E, mais do que isso, associou-se "direito à saúde" a tratamento, e não à prevenção ou à busca de uma vida saudável.  Se esses crescerem em importância na cultura, a velha ideia do direito à saúde irá se enfraquecer -- principalmente agora que até o próprio governo federal encara os planos de saúde privados como o melhor jeito de diminuir seus próprios custos com os cuidados à população.

O direito legal tenta materializar uma instância fictícia da nossa imaginação: o dever ser.  As pessoas "devem" ter saúde, educação, lazer, cultura etc.  Mas ele não faz nada para criar e manter esses bens desejados socialmente.  Nada além de instilar um vago sentimento de obrigação, justamente o pior tipo de motivador da conduta.

Pensando nisso, minha dica para 2015 a todos que querem um mundo melhor é que gastem menos tempo lutando para colocar direitos no papel, menos tempo exigindo que direitos que já existam sejam concretizados, e mais tempo pensando, criando, produzindo e espalhando as coisas boas que queremos ver sendo difundidas.

Que o eterno "dever ser" ceda espaço para um "é" cada vez melhor.

Na Bahia, ainda existia um supermercado estatal

Cesta_do_Povo_4464700401-636x395.jpg"Não há sentido em tirar dinheiro da saúde e da educação para sustentar um supermercado". É com essas palavras, racionais, simples, límpidas, que o governador eleito da Bahia, Rui Costa, anuncia a privatização (se parcial ou total, ainda não se sabe) da rede de supermercados Cesta do Povo, única rede de supermercados estatal do Brasil.

A estatal foi criada, vejam só, por Antônio Carlos Magalhães nos anos 1970.  A esquerda privatizando a estatal da direita.

Esquerda e direita não descrevem a realidade, apenas nomeiam grupos rivais em luta pelo poder.  E em face de um supermercado estatal que só no ano passado custou 15 milhões de reais aos cofres públicos, não há partidarismo que discorde: é preciso vender.

Quando o governador diz que a rede não tem como competir com a agilidade e liberdade de negociação das empresas privadas, ele está dizendo a mais pura verdade. O Cesta do Povo tem um sistema pra lá de antiquado para encontrar e admitir novos fornecedores, e adota uma política de preços que segue conveniências políticas, mas que, ao mesmo tempo, não oferece preços muito mais baixos que a concorrência. Por que a diferença?

O Cesta do Povo, como a maioria das empresas estatais, vê-se numa encruzilhada: por um lado não pode ser apenas mais uma empresa maximizadora de lucro (pois pra isso o estado não é necessário); por outro, precisa de mecanismos que impeçam que os recursos públicos que o sustentam sejam desviados em esquemas de corrupção.

A empresa não tem um dono, não tem acionistas e não tem doadores voluntários que se sentiriam lesados caso gastasse mal seu dinheiro, e que portanto têm todo o incentivo para torná-la mais eficiente.  Em vez disso, ela conta apenas com os procedimentos burocráticos de qualquer atividade estatal, que por um lado são engessantes e não permitem mudanças bruscas ou inovações sem longas diligências e licitações, e por outro são facilmente burláveis.

Ao mesmo tempo, ninguém ali dentro tem incentivos para melhorar a empresa, torná-la mais eficiente, inovar.  Se ela der lucro ou prejuízo, a vida de seus gestores não muda em nada.  E já que é bem mais fácil ser ineficiente…

"O Cesta do Povo não é capaz de concorrer com as redes privadas de supermercado. As grandes do setor têm agilidade na hora de negociar e definir preços, muito diferente de uma empresa pública", justificou Costa.

A rede chegou a fechar em meados da década passada, e foi reaberta pelo governador Jaques Wagner, também do PT, em 2007, que encontrou aquela massa falida e apostou que ela era viável se gerida com mais eficiência e menos corrupção. Agora o sonho acabou. Para o contribuinte baiano, o pesadelo.  

O lampejo de lucidez de Rui Costa foi além do mero reconhecimento de que a rede não tem condições de se viabilizar no mercado; ele toca, talvez sem que o próprio perceba, em um ponto mais importante: o da prioridade do gasto estatal.

Vamos aceitar por um segundo a premissa utópica de que o estado serve, ou visa a servir, o bem comum.  As pessoas dizem isso e se contentam com um estado que promove -- e gasta recursos com -- uma série de causas e atividades boas.  Em um mundo de recursos escassos (dica: como o nosso), só isso não é o suficiente.  Que algo seja bom, desejável, não é critério suficiente para concluir que o estado deva investir naquilo.  Precisamos ir uma pergunta além: aquele gasto traz o melhor retorno possível em termos de bem comum? O real ali investido produz o máximo bem para o maior número de pessoas? Se não, que seja cortado.

O estado da Bahia, que já sofre com uma segurança pública em frangalhos e com desempenhos muito ruins na educação (mesmo para a média brasileira), não pode se dar ao luxo de esbanjar recursos para subsidiar um supermercado.

Se aceitarmos essa lógica -- e parece impossível não aceitá-la --, nossa forma de encarar o governo muda.  Não é porque algo é desejável que ele deve ser subsidiado com dinheiro público.  Não basta ser bom; tem que saber utilizar da melhor maneira possível os recursos escassos.  E isso o estado já demonstrou que não sabe fazer.

Pensando assim, pode ter certeza de que há muitos "Cestas do Povo" por esse Brasil aguardando nosso corte.


Texto originalmente publicado no site do Spotniks


Sobre o autor

Joel Fonseca

Economista e filósofo. Colunista da Folha e Exame Hoje. Integrante do MyNews. Youtuber em formação.

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