quarta-feira, 10 dez 2014
Recentemente,
ao entrar em um restaurante, pedi para que o garçom me arrumasse uma mesa na
seção de não-fumantes. O garçom
respondeu: "Sem problemas. Por lei,
todos os restaurantes agora proíbem o fumo.
Pode me acompanhar, por favor".
Meu
primeiro pensamento, enquanto me encaminhava para a mesa, foi o de alívio. "Ótimo! Sem chance de sequer sentir o cheiro
de cigarro. Gosto assim!"
Mas
aí, logo em seguida, fui tomado por um sentimento de vergonha. Percebi que havia me quedado vítima
exatamente do mesmo impulso estatizante que acomete os progressistas de
hoje. Por mais de 40 anos, sempre me vi
como um apaixonado e inflexível defensor da sociedade livre. E, no entanto, por alguns breves segundos, cá
estava eu sentindo prazer em ver o governo solapando não apenas uma liberdade
empreendedorial (o dono do estabelecimento estava proibido de sequer ter um
ambiente separado para fumantes), como também a liberdade de adultos
consensuais em um arranjo privado.
Esse incidente me afetou. Por que escorreguei dessa maneira? Por que meu primeiro instinto foi o de
abandonar princípios sólidos, pelos quais lutei durante boa parte de minha
vida, em troca de alguns minutos de conveniência?
Pior
ainda: se um indivíduo comprometido com a liberdade como eu foi tão facilmente
seduzido para o mau caminho, como querer que os não-comprometidos não caiam em
tentações similares ou ainda mais pavorosas?
De
início, procurei uma forma de suavizar minha falha. Pensei em todos os malefícios, tão propagados
por médicos, do fumo passivo. Talvez,
quem sabe, não seja errado o governo proteger os não-fumantes caso haja alguém
impondo uma danosa externalidade. Porém,
rapidamente percebi duas contradições: ninguém me obrigou a entrar naquele
restaurante, e o restaurante não pertencia nem ao governo e nem a mim.
O
fato inegável é que, em uma sociedade genuinamente livre, o proprietário de um
estabelecimento privado que queira permitir que algumas pessoas fumem em seu
estabelecimento tem tanto direito de permitir isso quanto eu tenho de não
entrar no recinto dele e ir para outro lugar.
Ninguém
é obrigado a entrar em um restaurante cujo proprietário permita o fumo. Ponto.
E nenhum indivíduo tem o direito de obrigar outro indivíduo a lhe
fornecer um restaurante livre de fumaça de cigarro. Isso não é um direito natural.
No
que mais, conheço vários outros comportamentos arriscados que
adultos praticam de maneira livre e voluntária, os quais eu jamais pediria que
o governo banisse: paraquedismo e bungee jumping são apenas dois deles. Aliás, estatísticas mostram que frequentar
escolas públicas em periferias violentas também é uma prática extremamente
arriscada — talvez mais arriscada do que ocasionalmente inalar a fumaça de
cigarro de outra pessoa.
Veja
como esse caminho é traiçoeiro. Tão logo
você aceita que seja correto o governo ditar quais atividades uma pessoa pode
fazer, qual o limite? Muitas pessoas
lêem livros realmente nefastos.
Deveríamos então proibi-las disso?
Um progressista irá apoiar que o governo proíba livros de ideologia
socialista com o intuito de proteger a mente das pessoas?
Aplicar
e zelar por direitos de propriedade (tanto sobre seu corpo quanto sobre os bens
físicos que você possui) produz regras comportamentais muito mais precisas e
previsíveis para uma sociedade civilizada.
Em vez de decretar leis que coercivamente ajustem nosso comportamento à
maneira que um burocrata do governo julgue ser a mais apropriada, não faria
mais sentido definir direitos de propriedade e então impingi-los?
Que
se permita as interações pacíficas e voluntárias, e que se puna somente aquelas
ações que agridam os direitos e a propriedade de terceiros. Frequentar um restaurante sem cheiro de
cigarro não é um direito. Por outro
lado, se o proprietário do estabelecimento determinou que ali não é permitido
fumar, o fumante não pode fazê-lo. Qual
a dificuldade?
O
problema é que, quanto mais as coisas se tornam "socializadas", mais invasivo e
intrusivo o estado irá necessariamente se tornar. Por exemplo, se há um sistema de saúde
estatal, no qual todo mundo paga pela saúde de todo mundo, então passa a
existir um nefasto incentivo para que todo mundo regule e denuncie o comportamento
de todo mundo. Se estou pagando por sua
saúde, não quero que você fume e nem que coma bobagens. Agora, se é você quem está pagando com seu
próprio dinheiro, então isso não é problema meu.
Quanto
mais as relações humanas se tornam pautadas por políticas estatais, mais as
pessoas se tornam intrusivas, raivosas e ditatoriais.
O
impulso estatizante é uma preferência pelo uso da força do estado para a
consecução de um benefício — real ou imaginário, para si próprio ou para os
outros — em detrimento de alternativas voluntárias e mais intelectualmente
desafiadoras, como persuasão, educação ou liberdade de escolha. Se as pessoas vissem as coisas nesses termos
tão contrastantes, ou se elas percebessem que o apoio a intervenções governamentais
é uma opção que aniquila as liberdades, o apoio a medidas coercivas para se
solucionar questões comportamentais diminuiria bastante.
O
problema é que as pessoas frequentemente são incapazes de equiparar intervenção
a força e coerção. E é exatamente isso o
que ocorre. Veja, o governo não pediu que os restaurantes proibissem o
fumo; ele simplesmente deu essa ordem
e ameaçou com multas e até mesmo encarceramento quem descumprir seu mandado.
Já
tentei essa argumentação com alguns amigos.
Exceto aqueles que já tinham propensões libertárias, eis algumas típicas
reações e como elas foram expressas:
Ilusão: "Não é bem uma 'coerção' se a
maioria das pessoas aprova a medida."
Paternalismo: "Nesse caso, a coerção foi
algo positivo, pois foi para o seu próprio bem."
Dependência: "Se o governo não fizer
isso, quem fará?"
Miopia: "Você está fazendo tempestade em
copo d'água. Como é que banir o cigarro
em restaurantes pode representar uma ameaça às liberdades? Mesmo que representasse, seria algo tão
ínfimo que não incomoda."
Impaciência: "Não quero ter de esperar
até que meu restaurante favorito decida voluntariamente banir o cigarro."
Ânsia de poder: "Restaurantes que não
querem proibir fumantes devem ser obrigados a fazê-lo."
Alienação: "Não estou nem aí. Odeio
cigarro e não quero nem pensar na hipótese de sentir seu cheiro, mesmo que o
dono do restaurante crie uma seção isolada para fumantes."
Se
você pensar bem, cada um desses argumentos pode ser utilizado — e, de fato, eles
sempre são utilizados — para justificar a imposição de intoleráveis limitações
às liberdades do indivíduo. Se há algo
que já deveríamos ter aprendido com a história dos governos é que, sempre que
você dá a mão, eles arrancam o braço; e fazem isso apelando aos instintos mais
fracos da população.
O
desafio é fazer as pessoas entenderem que a liberdade sempre é tolhida gradualmente,
um pouco de cada vez; ela não é destruída repentinamente, de uma só vez. E que lutar e resistir à destruição da
liberdade em coisas pequenas é uma postura muito mais racional e sensata do que
ceder e apenas desejar que batalhas maiores não serão travadas mais tarde.
Ilusão, paternalismo, dependência, miopia,
impaciência, ânsia de poder e alienação: todas elas são razões por que as
pessoas sucumbem a impulsos estatizantes.
Elas também são vestígios de um pensamento infantil. Quando crianças ou adolescentes, nossa
compreensão de como o mundo funciona é, na melhor das hipóteses,
simplória. Esperamos que adultos nos
provenham e nos sustentem, e não ligamos muito para como eles irão fazer
isso. E queremos tudo para agora.
Somente
nos tornarmos "adultos" quando aprendemos que há limites que restringem nosso
comportamento; quando começamos a pensar no longo prazo e em todas as outras
pessoas, e não apenas em nós mesmos e no aqui e agora; quando fazemos o máximo
de esforço para nos tornarmos independentes na medida em que nossas capacidades
mentais e físicas nos permitam; quando deixamos os outros em paz, a menos que
eles nos ameacem; e quando pacientemente satisfazemos nossos desejos por meios
pacíficos, e não recorrendo a porretes.
Nós
nos tornamos "adultos" quando aceitamos a responsabilidade pessoal e
respondemos por nossos próprios atos. E
voltamos a ser crianças quando transferimos nossas responsabilidades e nosso
controle para terceiros, especialmente para o governo.
No
entanto, apenas olhe ao seu redor e veja o nível do debate público e de todas
as políticas recomendadas. Não há
limites para as demandas pela coerção do estado. Todos exigem que o estado "faça algo". Tribute mais aquele sujeito porque ele é mais
rico do que eu. Subsidie a cultura.
Imponha uma tarifa para que eu não sofra a concorrência de importados. Dê mais dinheiro para essa indústria. Pague por minha faculdade. Pague por minha saúde. Proíba a posse de armas. Desaproprie aquele lugar e construa um
hospital ali. Facilite minha vida
obrigando os outros a me sustentar. Corrija
esse problema para mim, e faça isso já. Diga
àquele cara que é dono do restaurante que ele está proibido de atender quem
quer fumar.
A
impressão é que nossa sociedade se tornou um imenso berçário repleto de bebês
chorões que veem o estado como uma babá amorosa. A vontade que tenho é a de gritar "cresçam!"
Sociedades
prosperam e entram em decadência de acordo com a civilidade de seus
cidadãos. Quanto mais eles se respeitam
e se associam voluntariamente, mais prósperos e seguros eles se tornam. Quanto mais eles demandam força e coerção —
legitimadas ou não —, mais dóceis e maleáveis eles se tornam nas mãos de
demagogos e tiranos.
Portanto,
resistir ao impulso estatizante não é algo trivial. Resistir a esse impulso nada mais é do que a
postura genuinamente adulta a ser tomada.