quarta-feira, 25 jun 2014
"Estamos indo na direção errada. Uma
expansão da influência do estado não tem lugar num mundo globalizado. Ainda
assim, conceitos nacionalistas e socialistas sobreviveram em quase todos os estados.
Devemos dar adeus às ideias nacionalistas e socialistas, na medida do possível,
e transferir mais responsabilidade para os cidadãos. Não precisamos de mais,
mas de consideravelmente menos estado. Devemos fortalecer a vontade de exercer
a solidariedade privada e fortalecer as famílias enquanto fundação da
sociedade. "
-S.A.R. Príncipe Soberano Hans-Adam II de Liechtenstein, numa entrevista
para a edição de janeiro/fevereiro de 2007 do Handelszeitung
Numa era de superestados em ascensão e uma crescente centralização, ou,
usando outras palavras, nestes tempos de um conflito cada vez mais intenso
entre as agendas nacionalistas e socialistas, sempre onipresentes, é normal se
esquecer — ou, na realidade, nem sequer ficar sabendo — dos poucos lugares no
mundo onde a liberdade individual supera estes conceitos.
Liechtenstein é um destes lugares, e ainda que seu território se estenda
somente por um trecho de aproximadamente 96 km² de terreno montanhoso na Europa
Central, suas ideias radicais acerca dos limites do aparato estatal estão ganhando
um destaque cada vez maior no resto do mundo. Mas como, e por que, Liechtenstein
está se afastando das tendências estatistas que atormentam o resto do mundo em
maior ou menor escala? Para obter uma resposta, é importante primeiro entender
os sistemas políticos fundamentais que estão fornecendo as bases para a
ascensão da liberdade deste principado.
Além de sua vizinha, a Suíça, Liechtenstein é o único estado no qual a
democracia direta está totalmente desenvolvida, e a mobilização de metade de
seus 35.000 cidadãos é suficiente para passar ou abolir qualquer lei,
regulamentação ou até mesmo uma constituição. Também há um elemento de
democracia indireta, através de oligarcas eleitos democraticamente, que
pertencem a partidos políticos (tal como, infelizmente, o cerne de todas as
democracias ocidentais), que partilham, de maneira mais ou menos equivalente, o
poder governamental com a Casa Real, financiada pelo setor privado. No entanto,
estes setores do meio político de Liechtenstein (o parlamento e a monarquia),
podem ser removidos através de um ato de democracia direta; iniciativas
populares precisam de 1.000 assinaturas (5% do eleitorado) ou a aprovação de
três municípios para colocar em efeito um voto popular, no que diz respeito a
leis. Se a iniciativa tiver como meta a alteração da constituição, são
necessárias 1.500 assinaturas ou a aprovação de quatro municípios.
"Naturalmente, um anarquista
poderia alegar que um monarca de uma família que reinou por séculos não teria
como apoiar a abolição do estado. Em resposta a isso, gostaria de ressaltar que
os Príncipes de Liechstenstein não recebem o pagamento por suas funções como
chefe de estado dos contribuintes ou do próprio estado. O custo total de nossa
monarquia, ao contrário de quase todas as outras monarquias, é coberto pelos
fundos privados do Príncipe ou da Casa Real.."
-S.A.R. Príncipe Soberano Hans-Adam II de Liechtenstein, The State in
the Third Millennium, Introdução (Página 3)
Além disso, existem 11 municípios autônomos em Liechtenstein, e cada um
deles tem também sistemas individuais de democracia direta regional, sistemas
esses protegidos constitucionalmente pelo estado de Liechtenstein e que
incluem, de acordo com a reforma constitucional de 2003, o direito de votar
pela secessão (a ser abordado posteriormente). Isso significa que, se
aproximadamente 183 dos 366 cidadãos do município de Plancken se reunissem
amanhã para votar pela secessão de Plancken de Liechtenstein, para se juntar a
outro país ou até mesmo formar uma entidade soberana ou anárquica, eles teriam
a garantia constitucional de fazê-lo.
"O estado deve tratar seus cidadãos como uma
empresa trata os seus clientes. Para que isto funcione, o estado também precisa
de concorrência. Apoiamos, portanto, o direito de autodeterminação a nível
municipal, para pôr um fim ao monopólio do estado sobre o seu território."
-S.A.R. Príncipe Soberano Hans-Adam II de Liechtenstein
À primeira vista, nada disso parece ter muito a ver com o libertarianismo;
afinal, existe muita coisa errada com a possibilidade de um ataque de 51% (é só
perguntar à comunidade Bitcoin), e existem algumas comparações muito específicas
a serem feitas entre a democracia e o estupro coletivo, mas, no contexto de uma
comunidade tão unida e integrada como Liechtenstein, ela acaba criando um senso
de segurança contra a natureza expansionista do governo; uma relação com o estado
semelhante à de uma entidade comercial privada, na qual a concorrência existe
numa escala satisfatória, ainda que os 'clientes', nesse caso, sejam grupos de
366 a 5811 pessoas (isto é, a população nos municípios menos e mais densamente
povoados).
Mas quem é responsável por criar este modelo de estado? Será Liechtenstein
um país de sábios que, através de algum tipo de iluminação divina, se viram
capazes de proteger suas liberdades enquanto nós perdemos cada vez mais a
nossa? Dificilmente, e, na realidade, uma olhada rápida na rica história do
principado mostra uma onda de nacionalismo e socialismo equivalente à que
atingiu todos os países vizinhos nos séculos XIX e XX.
No entanto, uma coisa fez com que Liechtenstein se tornasse um tanto
singular: a incrível sabedoria de seus monarcas, originada de sua capacidade de
refletir desinteressadamente sobre a história e aprender com ela. Isto se
tornou muito claro no livro do Príncipe Hans-Adam II, The State in the
Third Millennium (pode ser encomendado na Amazon — ou
diretamente de sua editora),
que é, nas palavras do próprio Hans-Adam, 'um
livro de receitas políticas, reunidas ao longo dos séculos por meus ancestrais
e das décadas por mim mesmo'. Este livro é uma leitura muito interessante tanto
para minarquistas quanto para anarcocapitalistas, pois ainda que o príncipe
rejeite a 'anarquia' em si (ou, pelo menos, a sua visão dela), o seu
reconhecimento do estado como 'uma ameaça
real à vida e à liberdade dos indivíduos' faz com que ele clame por uma
surpreendente redefinição libertária do estado.
"Gostaria de expor neste livro os motivos pelo
qual o estado tradicional, enquanto empreendimento monopolístico, não somente é
um empreendimento ineficiente com uma péssima relação entre preço e
performance, mas, o que é mais importante, se torna um perigo cada vez maior
para a humanidade quanto mais ele dura."
-S.A.R. Príncipe Soberano Hans-Adam II de Liechtenstein, The State in
the Third Millennium, Introdução (Página 2)
Tentarei expor a visão de Hans-Adam para o estado do amanhã de uma maneira
concisa que terá uma atração especial para os leitores de Rothbard ou outros
libertários modernos. Para isso, imaginemos que ocorra uma revolução anarcocapitalista
nos Estados Unidos; o IRS (Receita Federal) teria suas atividades encerradas,
bem como a NSA, a CIA, o DEA, e todas as outras instituições governamentais que
fundamentam suas próprias existências no uso da força e da violação do
princípio de não-agressão. Todos os outros setores do governo passam então a
ficar sem fundos, pois os impostos deixam de existir.
A questão que Hans-Adam II parece nos perguntar nesta situação é a seguinte:
será que todas estas instituições,
agora falidas, desaparecerão, ou algumas delas poderão sobreviver como parte de
uma empresa grande, privada, de multisserviço, que segue uma constituição que
também é aceita pelos clientes da empresa (isto é, essencialmente, o que ele
chama de "estado" ao longo de The State in the Third Millennium)? Em
outras palavras, a Constituição dos Estados Unidos deveria ser rasgada e
esquecida, ou poderia sobreviver na forma de um contrato voluntário? Não tenho,
pessoalmente, uma resposta, porém a opinião de Hans-Adam é que, uma vez que
determinarmos que os estados não mais podem exercer o seu domínio através da
coerção, esta solução de um governo voluntário seria preferível, inicialmente;
afinal, os seres humanos são criaturas de hábitos, e já fomos expostos a mais
de três milênios de estatismo — dito isso, ele também reconhece que
"Para alguns, os passos deste
livro parecerão muito grandes; para outros, pequenos demais. No entanto, quiçá
no quarto milênio, a humanidade possa fazer a pergunta: 'Por que precisamos de
um estado?'" .
"Criemos um país no qual, na medida
do possível, os próprios indivíduos, e não o estado, tomem as decisões de cada
indivíduo, e decidam a respeito de suas necessidades"
-S.A.R. Príncipe Alois, Príncipe Herdeiro de Liechtenstein; 16 de agosto de
2005
Mas se o Príncipe está tão entusiasmado com os direitos individuais, por que
diabos os indivíduos de Liechtenstein não têm a liberdade de se separar de seu
país, e por que é necessário que eles tenham o esforço de persuadir metade de
seus municípios para abandonar o governo compulsório? Uma investigação mais
aprofundada da reforma constitucional de 2003 rende informações fascinantes a
esse respeito, e parece que Hans-Adam inicialmente teria feito uma petição pelo
direito de autodeterminação não só a nível municipal, mas também a nível
individual, o que teria permitido aos cidadãos que se separassem não só a si
próprios, mas também sua propriedade privada, do país, transformando numa possibilidade
legal o conceito de "cidadãos soberanos".
Em The State in the Third Millennium, o Príncipe Hans-Adam
II declara:
"Nós, da Casa Real, estamos convencidos de que a monarquia de
Liechtenstein é uma parceria entre o povo e a Casa Real, uma parceria que deve
ser voluntária e baseada no respeito mútuo. Enquanto nós, da Casa Real,
estivermos convencidos de que a monarquia pode contribuir positivamente para o
país e seu povo, de que uma maioria do povo assim o deseja, e de que certas
condições são satisfeitas, tais como a autonomia de nossa família tal como
estabelecida pelas leis de nossa casa, forneceremos de bom grado o chefe de estado."
Devemos também, no entanto, nos lembrar de que a Casa Real tem o poder de
vetar qualquer projeto de lei proposto pelo parlamento, e que o contrário
também pode acontecer. Neste caso, o parlamento ameaçou vetar a emenda
constitucional proposta por Sua Serena Alteza afirmando que esta nova
possibilidade legal poderia ser abusada de maneira imprevisível e gerar o caos,
de modo que esta proposta foi reduzida para secessão apenas a nível municipal,
tal como ela vigora hoje em dia. Tudo isso é explicado detalhadamente nas
páginas 283-284 de Freedom
and Prosperity in Liechtenstein: A Hoppean Analysis, de Andrew Young,
do Journal of Libertarian Studies, vol.
22, um grande texto reminiscente dos argumentos de Hans-Hermann Hoppe a favor
da monarquia sobre a democracia, que nos fornece nossa primeira ligação entre
Liechtenstein e a Economia Austríaca.
A ligação, no entanto, não para por aí; imaginem minha surpresa quando
descobri que muitos membros da Casa Real estão envolvidos com um think-tank de Economia Austríaca, o
ECAEF. Eles acreditam tanto na economia de livre-mercado que sentiram a
necessidade de apoiar pessoalmente a causa da Economia Austríaca, uma escola
econômica que, de outra maneira, não teria qualquer representação entre os
chefes de estado.
"Existe desigualdade em todas as formas
sociais, e sempre existirá."
"A redistribuição [forçada] não
pode ser a solução, [atráves disso] a economia se enfraquece."
-S.A.R. Príncipe Michael Von Liechtenstein, presidente do ECAEF — European Center of Austrian Economics
Foundation — durante uma entrevista em janeiro de 2013. O príncipe Michael
também citou Ludwig von Mises nesta ocasião, dizendo:
"As riquezas dos ricos não são a
causa da pobreza de alguém,"
A fundação é, obviamente, totalmente financiada pelo setor privado, assim
como a Casa Real. Entre outras atividades, o ECAEF
sedia uma conferência anual e uma competição de ensaios (o tópico deste ano: "Confiar
o nosso Dinheiro a Políticos é como Deixar um Gato Tomando Conta de um Pote de
Creme de Leite"). Ela também é responsável por uma série de press releases, incluindo artigos que
por vezes são publicados em jornais de Liechtenstein, e tem laços com a
equivalente europeia dos Estudantes pela Liberdade.
"As elites políticas e suas
burocracias sempre tentaram restringir as liberdades civis." "Afinal,
o conhecimento das circunstâncias do indivíduo propicia possibilidades para o
abuso e, assim, a capacidade de restringir a liberdade individual através de
maiores controles governamentais. Um ciclo vicioso, um círculo vicioso sem fim."
-S. A. R. Príncipe Michael Von Liechtenstein, presidente do ECAEF, sobre a
expansão do Estado de Vigilância (uma alusão à NSA e outras agências de
espionagem) na 41ª edição (28 de maio de 2014) do Finanz und Wirtschaft
Convido os leitores deste artigo a tirarem suas próprias conclusões sobre
Liechtenstein, sua família soberana, e se ele é ou não um exemplo dos valores
libertários que nos são tão caros; mas, pessoalmente, não preciso mais ser
convencido — perdi a conta de quantas vezes me mandaram me mudar para a
Somália desde que adotei o rótulo de "anarquista", e, honestamente, isto não me
incomoda tanto, uma vez que derrubar a falácia de que "Somália = Anarquia
Libertária" não representa mais um desafio tão grande. Mas este argumento
frequentemente vem com o questionamento sobre a existência (e a suposta
viabilidade) de um país libertário. Tenho vontade de agradecer a Liechtenstein; agora podemos provar que a liberdade funciona.