quinta-feira, 8 0aio 2014
É
sabido que Marx popularizou a ideia de que os capitalistas exploram os
trabalhadores apropriando-se de uma parte de seu trabalho. O argumento, quando despido de toda o seu linguajar
pomposo, é relativamente simples: segundo Marx, as mercadorias produzidas pelos
trabalhadores são vendidas por um valor que é igual ao tempo de trabalho
socialmente necessário para produzi-las; sendo assim, em um mundo justo, cada
trabalhador deveria ganhar um salário equivalente ao fruto integral de seu
trabalho, isto é, equivalente ao valor exato da mercadoria que ele produziu.
Consequentemente,
o capitalista, que não efetua trabalho físico, retém para si uma parte do
valor desses bens que os trabalhadores produziram, e ele consegue fazer isso
graças ao seu monopólio dos meios de produção (os quais, vale dizer, são bens
complementares indispensáveis ao trabalhador, sem os quais os trabalhadores
nada conseguiriam produzir).
Falando
mais especificamente, o capitalista remunera o trabalho com $100 (D), esse
trabalho gera mercadorias (M), e essas mercadorias são vendidas por $120
(D'). Segundo Marx, isso só é possível
de ocorrer porque há uma parte do trabalho que não foi remunerada pelo
capitalista (D'-D), mas que de fato produziu mercadorias com um valor de troca.
Essa
diferença é justamente a mais-valia, que é a mensuração exata da "exploração
laboral" — ou seja, o trabalhador prestou um serviço para o capitalista e não
obteve a devida remuneração.
A
solução de Marx? Confiscar os meios de
produção da burguesia e repassá-los aos trabalhadores para que estes possam
reter o produto integral do seu trabalho sem que haja intermediários
capitalistas que se apropriam de parte do suor de seu rosto.
Há
vários problemas com essa teoria marxista.
Em primeiro lugar, ela parte do princípio de que todo o valor de troca
de uma mercadoria depende exclusivamente do trabalho incorrido em sua produção,
e não de sua utilidade marginal; o fato de que o valor de um bem é totalmente
subjetivo é ignorado pela teoria. Há
também uma questão ainda mais problemática, que é a natureza distorcida que
Marx atribui ao capital: Marx assume que o valor do capital (por exemplo, o
valor de uma máquina utilizada na produção de uma mercadoria) também é
determinado pelo trabalho que foi incorrido em sua produção, e que o valor
desse capital se transforma, em função de sua depreciação, no valor da
mercadoria final; trata-se de uma espécie de contabilidade de custos que se dá
de acordo com o tempo de trabalho utilizado.
Eis
um exemplo dessa teoria. Se uma
impressora de livros tem um preço de 100 onças de ouro (porque o tempo de
trabalho necessário para fabricá-la foi equivalente a 100 onças de ouro), e
supondo-se que ela possa imprimir 1.000 livros, então o valor que ela irá
imputar a cada livro será, segundo a teoria, de 0,1 onça de ouro.
No entanto, na prática, as coisas funcionam exatamente ao contrário: é
justamente porque os consumidores estão dispostos a pagar pelo menos 0,1 onça
de ouro por cada livro, que a impressora poderá ter um valor de mercado de 100
onças de ouro. Se, no entanto, os
consumidores passarem a desejar menos livros impressos e passarem a desejar mais
livros eletrônicos, então essa mesma impressora — ainda que o tempo de
trabalho socialmente necessário para fabricá-la seja o mesmo, e ainda que os
consumidores sigam demandando livros impressos (só que agora em menor
quantidade) — irá se depreciar
enormemente.
Estabelecida
a correta relação entre o preço dos bens de consumo e o preço dos bens de
capital, a questão seguinte passa a ser: dado que uma impressora pode imprimir
durante os próximos dez anos 1.000 livros com um valor de mercado de 0,1 onça
de ouro cada um, por que então a impressora jamais custará 100 onças de ouro,
mas sim muito menos?
Ignoremos
os eventuais custos subjacentes, pois não é aí que está a dificuldade, e
concentremo-nos na questão principal: por que ninguém pagaria hoje 100 onças de
ouro por um ativo apenas para receber de volta, ao longo dos próximos dez anos,
essas mesmas 100 onças?
Ou
ainda mais completo: por que ninguém pagaria hoje 100 onças de ouro por um
ativo apenas para receber de volta (ou
talvez nem mesmo receber nada), ao longo dos próximos dez anos, essas
mesmas 100 onças?
A
resposta é simples: porque 100 onças de ouro hoje não têm o mesmo valor que 100
onças de ouro no futuro. As 100 onças de
ouro que você já possui hoje são
muito mais valiosas do que 100 onças de ouro que você talvez venha a ter no futuro.
As
onças de ouro em sua posse hoje representam uma capacidade de satisfazer
imediatamente eventuais necessidades que possam surgir, ao passo que as onças
de ouro a serem eventualmente recebidas apenas no futuro (e há a chance de que
isso nem ocorra) não conferem essa mesma segurança e nem muito menos essa mesma
capacidade.
Uma
coisa é gastar 100 onças de ouro hoje adquirindo bens de consumo; outra coisa,
completamente distinta, é gastar essas mesmas 100 onças em um investimento que
nos permitirá recuperá-las apenas ao longo dos anos. Sendo assim, o lógico é que compremos a
impressora hoje por, digamos, 90 onças de ouro com o intuito de receber 100
onças ao longo dos próximos dez anos — sempre correndo o risco de que tal
retorno pode não se concretizar.
No
entanto, se o capitalista compra por 90 para receber 100, então ele está
obtendo mais-valia. Só que esta
mais-valia não está vinculada à exploração do trabalhador, mas sim ao tempo que
o capitalista tem de esperar para auferir essa receita e ao risco que ele tem
de assumir ao incorrer nesse processo produtivo. Dito de outra maneira, assim como a
mão-de-obra é um fator de produção, o tempo e o risco também o são (se não
estamos dispostos a esperar e a assumir riscos, não há como haver produção, por
maior que seja a quantidade de trabalho abstrato em que incorramos).
Dado
que o capital que é adiantado na forma de salários e na forma de maquinário
para os trabalhadores supõe também uma espera e uma assunção de riscos para o
capitalista, não seria mais correto dizer que a "mais-valia" do capitalista
advém não de um assalto ao trabalhador, mas sim da remuneração desses fatores
de produção (tempo e risco)?
Ademais,
segundo Marx, bens que requerem o mesmo tempo de trabalho — seja o tempo de
trabalho prestado diretamente pelo trabalhador ou o tempo de trabalho incorrido
na fabricação dos meios de produção utilizados — para serem produzidos deverão
possuir o mesmo valor de troca, e, portanto, o mesmo preço. (Vale notar que, na teoria de Marx, preço e
valor de troca só coincidem quando os trabalhadores são donos dos meios de
produção.) Mas isso simplesmente não faz
nenhum sentido.
Suponha
que, para se produzir 100.000 toneladas de trigo são necessários 50 anos de
trabalho, e que para se construir uma casa também são necessários 50 anos de
trabalho. Segundo Marx,
desconsiderando-se oscilações de curto prazo, ambos os produtos deveriam ter o mesmo preço — por
exemplo, 1.000 onças de ouro.
Logo,
se um trabalhador tem 100.000 toneladas de trigo, e outro trabalhador tem uma
casa, ambos poderão trocar estes bens entre si.
No entanto, a questão essencial é outra: será que devemos supor que o
trabalhador em posse das 100.000 toneladas de trigo está disposto a trocá-las
pelo direito de receber uma casa daqui a
50 anos?
(Lembre-se
que, segundo Marx, a transação é idêntica: o que está sendo trocado são apenas tempos de trabalho. No entanto, em um caso, o fruto de trabalho
de 50 anos já está disponível (100.000 toneladas de trigo); no outro, a pessoa
terá de esperar 50 anos para receber seu bem.)
A
resposta é um óbvio não. Uma coisa é uma
casa já produzida ser trocada por 100.000 toneladas de trigo também já
produzidas. Isso pode perfeitamente
ocorrer. Outra coisa, completamente
distinta, é imaginar que essas 100.000 toneladas de trigo serão trocadas hoje por
uma casa que só estará disponível daqui a 50 anos. Tal troca não irá ocorrer simplesmente porque
ter uma casa hoje não tem o mesmo valor do que ter uma casa somente daqui a 50
anos.
Somente
estaremos dispostos a comprar a promessa
de entrega da moradia se obtivermos um desconto muito grande em seu
preço. Por exemplo, se uma casa já
construída vale 1.000 onças de ouro, uma casa a ser entregue somente daqui a 50
anos valerá, digamos, 200 onças de ouro.
Essa mais-valia (pagar 200 hoje para receber 1.000 em 50 anos) é
exatamente a taxa de juros (matematicamente, equivale a uma taxa anual média de
2,8%).
Utilizando
esse mesmo raciocínio, podemos concluir que os capitalistas adiantam bens presentes (salários) aos
trabalhadores em troca de receber, quando o processo de produção estiver
finalizado, bens futuros. Existe
necessariamente uma diferença de valor entre os bens presentes dos quais os
capitalistas abrem mão e os bens futuros que eles receberão (se é que receberão). E essa diferença de valor é a
mais-valia. A mais-valia, portanto, não
é a apropriação de um tempo de trabalho não-remunerado, mas sim o juro derivado
do tempo de espera e do risco assumido até que o processo produtivo esteja
concluído.
São
muitas as pessoas que não entendem corretamente esse conceito de que os
capitalistas adiantam bens presentes para receber, após muito tempo, bens
futuros. No entanto, basta verificar os
balancetes de qualquer empresa para verificar esse fenômeno. Por exemplo, a General Electric investiu
(adiantou) US$685 bilhões para recuperar, na forma de fluxo de caixa anual, aproximadamente US$35
bilhões. Ou seja, os capitalistas da GE
abriram mão de US$685 bilhões (e seu equivalente em bens de consumo que eles
poderiam ter adquirido no presente) para receber, anualmente, uma receita de
US$35 bilhões. Nesse ritmo, serão
necessários 20 anos apenas para recuperar todo o capital adiantado.
A
pergunta é: os capitalistas que adiantam $685 bilhões — que se abstêm de
consumi-los e que incorrem em risco para recuperá-los — não deveriam receber
nenhuma remuneração por isso? Será que
durante os próximos 20 ou 30 anos eles deveriam se contentar apenas em
recuperar — isso se tudo der certo — tão-somente os $685 bilhões de que
abriram mão, sem receber nenhuma remuneração pelo seu tempo de espera e pelo
risco em que incorreram?
Em
suma, você realmente acredita que ter $1.000 hoje é o mesmo que ter $1.000
apenas daqui a 500 anos (e assumindo zero de inflação de preços), mesmo que
ambos os valores contenham o mesmo tempo de trabalho?
Pois
é exatamente esse o raciocínio por trás de toda a análise marxista da
exploração. O que há de errado,
portanto, com a teoria da exploração de Marx é que ele não compreende o
fenômeno da preferência temporal como uma categoria universal da ação humana.
Os
capitalistas, ao adiantarem seu capital e sua poupança para todos os seus
fatores de produção (pagando os salários da mão-de-obra e comprando maquinário), esperam ser remunerados pelo
tempo de espera e pelo risco que assumem.
Por outro lado, os trabalhadores, ao receberem seu salário no presente, estão
trocando a incerteza do futuro pelo conforto da certeza do presente.
O
fato de o trabalhador não receber o "valor total" da produção futura não tem
nada a ver com exploração; simplesmente reflete o fato de que é impossível o
homem trocar bens futuros por bens presentes sem que haja um desconto. O
pagamento salarial representa bens presentes, ao passo que os serviços de sua
mão-de-obra representam apenas bens futuros.
A
relação trabalhista, longe de ser uma situação de exploração, é apenas uma
relação de troca entre bens presentes (o capital do capitalista) por bens
futuros (os bens que serão produzidos pelos trabalhadores e pelo maquinário
utilizado, e que só estarão disponíveis no futuro).
Böhm-Bawerk
expressou tudo isso de maneira bem mais resumida: "Parece-me justo que os
trabalhadores cobrem o valor integral dos frutos futuros do seu trabalho; mas
não é justo eles cobrarem a totalidade desse valor futuro agora."
____________________________________
Leia também:
A teoria marxista da
exploração e a realidade
Por que a ideia de que o capitalista explora o trabalhador é
inerentemente falsa
Capitalistas e
empreendedores não exploram nenhum trabalhador
As falhas, incoerências e
falácias do arcabouço intelectual de Karl Marx