Então
você é um sujeito decente e de bom coração, que não fala mal dos outros pelas
costas nem falta com respeito aos mais velhos. Logo, o mundo lhe deve uma vida
de prosperidade e realizações, certo?
Aqui
vai um segredo. Independente do que você pensa que a sociedade lhe deve pelo
fato de você ser gente boa, a verdade é que o sustento da sua vida vai depender
da sua capacidade de produzir ou de aproveitar os frutos da produção de alguém.
Seja
sincero, quantas vezes você sustentou pessoas desconhecidas pelo mero fato de elas
serem gente boa (não gente boa com você, mas gente boa assim em abstrato)?
"A
sociedade está cheia de pessoas que precisam de coisas," escancara
essa citação
improvável de David Wong,
Elas
precisam de casas para morar, comida para se alimentar, elas precisam de
entretenimento e de relações sexuais satisfatórias… Ou você começa a
atender essas necessidades aprendendo algum tipo específico de
habilidade, ou o mundo irá lhe rejeitar, não importa o quão gentil,
bondoso e educado você seja. Você acabará pobre, solitário, e jogado no frio.
Produzir
é criar valor a partir da combinação e realocação de recursos escassos em bens
ou serviços. Como regra, toda pessoa depende da urgência da produção para que
seja possível desfrutar do consumo essencial à vida e à felicidade humana. O
mais relevante fator de produção é o trabalho, por sua utilidade não ser
específica a determinado fim. "O trabalho humano é ao mesmo tempo apropriado e
indispensável", dizia
Ludwig von Mises, "para a realização de todos os modos de produção e processos
imagináveis."
Dizem
que o trabalho dignifica o homem. Mas não é qualquer trabalho. O trabalho de um
ladrão pode envolver muito esforço e técnica. Mas subtrair valor de uma vítima
não enobrece o criminoso. É o trabalho produtivo que dignifica o produtor.
Transferências
de renda podem aliviar a miséria, mas não têm sido capazes de fazer com que
seus recipientes sejam criadores de valor. Ninguém quer ser um recipiente onde
se jogam esmolas. Não queremos ser um passivo para a sociedade. Queremos ter
consciência de que nosso trabalho está gerando valor, de que nossa sociedade
seria um lugar mais pobre sem a nossa presença. Quando produzimos, tornamo-nos
um ativo social. Tornamo-nos dignos.
A
miséria envergonha. Calouros universitários acham bonitinho pintar a cara e
pedir trocado no sinal. Mas pessoas realmente pobres sentem vergonha ao pedir
esmola. Depender de caridade coloca o pedinte numa posição inferior a quem se
pede.
Há
quem ache que a solução é exaltar a pobreza, tratar a pobreza com respeito,
dignidade e fotografias do Sebastião
Salgado. Mas não devemos dignificar a pobreza (até porque não resolve,
como revela
essa matéria). Devemos dignificar o pobre. Devemos exigir reformas
políticas que diminuam o custo do trabalho, permitindo que os pobres produzam
mais do que consomem, que sejam ativos sociais.
Há
muito chão a percorrer. Segundo relatório
da FGV, só os obstáculos da legislação trabalhista brasileira custam de 17%
a 48% do salário do trabalhador.
Ao
incluir [itens como gastos com treinamento e capacitação e despesas gerenciais
e administrativas] o gasto total com um trabalhador fica aproximadamente
183% maior do que o salário em carteira em um contrato de trabalho que
dure 12 meses.
Para
dificultar ainda mais a produtividade do pobre,
O
atual modelo de acesso ao FGTS com multa de 40%, além do aviso prévio
indenizado, o seguro-desemprego e a possibilidade de manter-se um tempo
trabalhando na informalidade, os trabalhadores têm incentivos em manter
alta rotatividade entre empregos, criando menos investimentos em qualificação
e afetando negativamente a produtividade total da economia.
Se
fosse possível abolir a pobreza involuntária por decreto, eu assinaria esse
decreto. Mas a pobreza não pode ser revogada com uma assinatura. Ela precisa
ser superada. O melhor que o governo pode fazer é preparar um ambiente em que
as forças produtivas dos indivíduos possam atuar, que as barreiras para o
emprego sejam diminuídas, que a abertura de empresas seja facilitada e, não
podemos esquecer, que a propriedade que o pobre produziu seja dele.
Sempre
haverá os que são improdutivos involuntariamente e a esses devemos direcionar
nossa compaixão e caridade. Mas se tratarmos o sujeito que se recusa a produzir
da mesma forma que tratamos o que acorda cedo para suar a camisa, estaremos
diminuindo o valor do suor, do esforço, da produção.
O
ócio empobrece. A esmola (caridosa ou coercitiva) ameniza a pobreza. Mas só a
produtividade verdadeiramente enriquece e dignifica.