O
segundo milênio terminou com um século abominável. Os três homens mais
frequentemente citados como "Pessoa do Século" — Franklin Roosevelt,
Winston Churchill e Albert
Einstein — foram defensores, aliados e admiradores de um dos homens mais
sanguinários do milênio: Joseph Stalin. É como se os três homens mais
ilustres da Idade Média tivessem sido amigos de Genghis Khan.
Até
mesmo a frase "Pessoa do Século" é uma relíquia do arcaico pensamento
feminista do século XX. O mais influente indivíduo de qualquer século
provavelmente será um homem, porém já no final do século XX era uma quebra de
etiqueta — um código de maneiras ideológico — reconhecer tal fato.
O
século XX foi marcado pela presunçosa crença de sua superioridade sobre todas
as épocas anteriores. Decidiu-se que os tradicionais costumes e padrões
de ética da humanidade deveriam ser alterados — como se isso sequer fosse
possível. Consequentemente, o estado passou a ser o instrumento para a
"construção de uma nova sociedade" por meio da força, da propaganda e
da dependência econômica. Tirania se tornou "libertação"; degeneração
se tornou "progresso"; assistencialismo se tornou "riqueza";
imoralidade se tornou "governança".
Os "direitos
civis", cujo significado é o aumento do poder do estado em ditar normas de
associação entre indivíduos, não produziram nem liberdade nem igualdade racial,
mas apenas mais tirania e ressentimento. Longe de gerar uma sociedade
"sem preconceitos", o que temos hoje é uma sociedade obcecada com
raças e preferências sexuais, uma sociedade obcecada com "subclasses",
direitos e privilégios.
O
estado assistencialista, que prometeu tirar as pessoas da pobreza, logrou
apenas habituá-las à pobreza, ao mesmo tempo em que eleva o fardo sobre a
população geral. "Ações afirmativas" mostraram apenas que,
quando você promete justiça para todos, tudo o que consegue é fazer com que
todos se sintam discriminados. Diferenças raciais, sejam elas inerentes
ou culturais, comprovaram-se teimosamente irremovíveis. No entanto, a
ideologia progressista nos ensinou que os resultados dessas diferenças decorrem
apenas do "racismo" e devem ser remediados dando-se ao estado ainda
mais poder para regular as relações voluntárias entre indivíduos e a
propriedade privada.
A
nova missão do estado é cortar todas aquelas raízes do passado que podem fazer
com que seus súditos resistam a ser assimilados a essa Nova Sociedade.
Aqueles que resistem e conseguem manter suas raízes são acusados de reacionários,
racistas, supersticiosos, anti-patriotas e odientos. O estado clama ser
"científico". Ele age em nome do "oprimido", "do
povo", "do proletariado", "das massas", "das
minorias", "das mulheres" e até mesmo dos depravados (que são
meras "vítimas" do código moral tradicional).
Pecados
antigos como fornicação, sodomia e aborto se tornaram novos
"direitos". Ao mesmo tempo, direitos tradicionais como
propriedade privada e liberdade de associação e de contrato foram severamente
restringidos. Por meio do estado, com seu ilimitado poder de tributação,
algumas pessoas passaram a poder viver à custa da energia produtiva dos
outros. Isso passou a ser chamado de "justiça social". O
estado se tornou obcecado em preservar o meio ambiente ao mesmo tempo em que segue
destruindo o ambiente cultural, moral e espiritual herdado da cultura ocidental.
Artistas,
intelectuais e filósofos se tornaram entusiastas da Nova Sociedade, hostis à
"burguesia" e à "classe média" — como são desdenhosamente
chamados os remanescentes da sociedade tradicional. Obscenidade e
obscuridade, desarmonia e feiura se tornaram a característica distintiva da
arte. A arte popular, ainda pautada pelo mercado, descobriu que a
obscenidade é mais lucrativa que a obscuridade — mas raramente desafia as premissas
da Nova Sociedade.
A
educação, controlada pelo estado, se tornou um mero instrumento de propaganda
— chamado de "conscientização do cidadão" —, concebido para tornar
as crianças meras unidades obedientes à Nova Sociedade. A ideia da
"evolução" foi adaptada para ensinar às crianças que a Nova Sociedade
era o inevitável destino da história humana. O "intelectual"
das massas (o oposto do erudito tradicional e independente) se tornou um novo
tipo social, dedicado a difundir as fantasias da Nova Sociedade, as quais são
chamadas de "ideais".
A
natureza intrinsecamente violenta do governo
De
todos os dizeres apócrifos atribuídos aos Pais Fundadores dos EUA, meu favorito
é um atribuído a George Washington: "O governo não é razão. O
governo não é persuasão. O governo é força bruta." Se ele
nunca disse isso, deveria ter dito.
Qualquer
um que acredite em uma ordem moral deveria ponderar essas quinze
palavras. O governo de fato é força bruta, uma força que reivindica
justificação, e seu exercício ao menos requer alguma séria racionalidade.
Essa
é uma verdade da qual as pessoas se esqueceram totalmente. Frequentemente
travo discussões com um velho amigo meu — que, embora progressista, é um homem
muito decente e modesto demais para impor suas vontades sobre qualquer ser
humano —, que implicitamente assume que o governo tem a autoridade de decretar
legislações de "direitos civis" e restringir a liberdade de
associação e os direitos de propriedade.
Esse
meu amigo não é nenhum bobo. Ele é inteligente e eloquente, e eu sempre
aprendo algo com ele nessas nossas intermináveis discussões. Porém, um
pensamento — uma verdade autoevidente que eu esperava ocorrer a qualquer
pessoa racional — aparentemente nunca passou pela sua cabeça: o governo é
força bruta. Assim como muitas pessoas, ele assume, sem qualquer
reflexão, que se alguma suposta condição social parece ser desejável, então o
governo deveria tentar promovê-la. Ele admite algumas dificuldades
práticas nesse processo, mas, para ele, o governo incorpora todas as aspirações
e desejos que as pessoas sensatas têm em comum e que somente pessoas insensatas
poderiam rejeitar.
É
por isso que estremeço ao ouvir a palavra "idealista". Ideais
são fantasias, a maioria das quais jamais pode ser estabelecida. Se o governo
tentar materializá-las, poderá fazê-lo apenas aplicando a força e restringindo
a liberdade. E muitas pessoas veem esse empreendimento como algo nobre,
mesmo que ele fracasse; o custo da liberdade raramente entra em seus cálculos.
Na
famosa observação do filósofo inglês Michael Oakeshott,
para algumas pessoas o governo é "um vasto reservatório de poder" que
as inspira a sonhar com os usos que podem ser feitos dele, normalmente a
serviço daquilo que elas consideram ser propósitos benignos, para o bem da
"humanidade". Entretanto, tais pessoas tipicamente esquivam-se
do elemento 'poder', o qual, afinal, não é apenas uma mera propriedade do
governo, mas sim a sua genuína essência. A acepção que elas têm do poder,
assim como a do meu amigo, é bastante mística, como se os reais feitos do
governo não fossem nada mais do que a manifestação de um (na frase dele)
"consenso emergente". Porém, se os objetivos desejados fossem
uma questão de consenso, então por que eles deveriam ser implementados à força,
por decreto, ou mesmo pela guerra?
Não
são somente os progressistas que pensam assim. Alguns conservadores
também, como quando eles alardeiam que o governo deve fazer cumprir aquilo que
eles chamam de "valores". Eu geralmente prefiro
"valores" conservadores a "ideais" progressistas, uma vez
que eles estão mais próximos daquilo em que realmente creio: as comprovadas
normas da natureza humana. Uma sociedade com direitos de propriedade, por
exemplo, é normal; nós sabemos que ela pode existir. Uma sociedade na
qual a riqueza é igualmente distribuída pelo estado é meramente uma fantasia;
ela nunca poderá existir, e a tentativa de criá-la vai acarretar violência sem
propósito.
Como
disse o poeta católico francês Charles Peguy no início do século XX:
"Jamais saberemos quantos atos de covardia foram motivados pelo simples
medo de parecer não suficientemente progressista."
Meu
amigo odeia violência. Mas ele é incapaz de perceber — e não há nada que
eu diga que o faça perceber — que, quando ele clama por algo do governo, ele
está na verdade clamando pela força, que nada mais é que a violência ou a
ameaça de violência. Seus ideais dependem de um mal e da obediência
baseada no temor degradante desse mal. Idealismo? Eu chamaria isso
de escravidão.
"Eu
tenho um sonho", proclamou Martin Luther King Jr., cujo "sonho"
foi inspirado em sua leitura de Marx e de outros profetas progressistas.
Assim como inúmeros visionários, King ficou alheio à advertência de Oakeshott:
"A combinação entre poder e sonho gera tirania."
Essa
frase pode servir de epitáfio para o nosso atual século, em que a liberdade
deixou de ser um direito nato e passou a significar "qualquer coisa que você
porventura ainda tenha permissão para fazer".
A
humanidade ainda vai levar tempo para se recuperar dos tempos atuais.