Paul Johnson demonstrou magistralmente, em
seu extraordinário livro "
Tempos Modernos",
já no primeiro capítulo, intitulado "
Um
mundo relativista", que o maior mal de nossos tempos — que começou a se
desenvolver em fins do século XIX, ganhou força no século passado e persiste
até os nossos dias, é a crença nas chamadas "soluções políticas". Johnson argumenta com boa fundamentação
que essa praga tem como causa a "morte de Deus", decretada por "medida
provisória" baixada por Nietzsche (que, paradoxalmente, foi um defensor do
livre mercado) e que deixou o ocidente a descoberto, com um vazio de poder que
acabou sendo preenchido pelo mito da "vontade política". Ainda naquele capítulo ele mostra que a
relativização do mundo foi encorpada por
intelectuais que se seguiram a Nietzsche: em 1915, quase ninguém entendeu o que
Einstein — que nunca foi um relativista moral! — queria dizer com sua teoria
da relatividade e, matreira e solertemente, levaram a coisa para o lado moral.
Pronto! Passava a não existir mais o certo e o errado, porque, afinal, "tudo é
relativo". Johnson cita a psicanálise de Freud e a economia de Keynes como
resultados dessa relativização moral.
Não
pretendo aqui discutir religião, mas tão somente ressaltar que foi a partir
dessa gênese relativista que os valores morais até então inquestionáveis e
aceitos voluntariamente durante séculos em nossas sociedades passaram a ser
"relativizados": assim, valores fundamentais, como a propriedade privada e as
liberdades individuais começaram não apenas a ser questionados sob o ponto de
vista moral ou jurídico, mas atacados sob o pretexto de que caberia aos estados
(isto é, a pessoas exatamente iguais às demais) tomarem as decisões mais
importantes em todos os campos da existência humana, já que os iluminados do
governo saberiam o que era melhor para todos, para o coletivo, para o
formigueiro humano, para o "social".
Você
já parou para pensar no mal que isso representou e continua representando para
a humanidade? Se ainda não o fez, convença-se de que as maiores barbaridades do
século XX — a saber, o comunismo e o nazismo — foram consequências diretas
desse vácuo de poder, de que se aproveitaram verdadeiros monstros como Hitler,
Lenin e dezenas de outros. Já que não existiria mais uma verdade absoluta,
tradicional e consagrada há séculos e que forjou toda a civilização ocidental,
então tudo, praticamente tudo, poderia ser relativizado. Muitos milhões de
assassinados pagaram o preço dessa maluquice, ou porque se opunham às ideias
dos ditadores ou porque pertenciam a "classes" ou "raças" tidas por eles como
lesivas ou prejudiciais aos interesses dos mandatários. Foi a fase — e, por
incrível que pareça, ainda não saímos dela, basta olharmos para alguns dos
atuais governos da América do Sul — do poder pelo poder.
Em
outro soberbo livro, Os Intelectuais,
Paul Johnson mostra como muitos deles, sem terem jamais se dado sequer ao
trabalho de pegar em um martelo para pregar um quadro em uma parede, passaram a
ditar, sentados em mesas de bares, o que era bom e o que era ruim, sempre de
acordo com o seu ponto de vista, considerado obviamente como superior ao do
homem comum, que é aquele que faz o mundo real funcionar. Goebbels e Antonio Gramsci (especialmente o
segundo), Sartre e outros — todos festejados como "mentes brilhantes" — deram
o toque final a esse processo de imbecilização coletiva fantasiada de boas
intenções, e ai de quem se opunha ou — ainda! — se opõe a essa horda de
barbarismo revestida de "modernidade". A última manifestação dessa endemia que
se transformou em epidemia e depois em pandemia é a chamada "ditadura do
politicamente correto".
Assim,
se Fulano roubou alguém, a culpa não foi dele, mas da "sociedade"; se Beltrano
estuprou uma mulher, a culpa foi do "sistema"; se alguém fuma um cigarro em um
estádio de futebol é visto como um pária; se um zagueiro comete uma falta
violenta contra um adversário e imediatamente levanta os braços para fazer ver
ao árbitro que não fez nada demais, isso é visto como natural, pois todos fazem
assim; se um deputado desviou recursos públicos para sua conta pessoal, o
culpado é o "capitalismo" que endeusa o dinheiro; se magistrados colocam
parentes em empregos públicos ganhando altíssimos salários, é claro que não
deve haver qualquer culpa envolvida nisso, pois, afinal, é tudo natural; o que
vale é o momento, é o prazer, o hedonismo, os ganhos fáceis, a vida da cigarra,
já que as formigas são tremendamente "conservadoras e otárias" porque valorizam
o trabalho árduo e a poupança. Sim, as formigas são as mais antigas neocons de que se tem notícia...
Quem
ainda não ouviu algum comentário do tipo "ih, não se meta nisso, porque foi uma
"decisão política" da direção da empresa"? Ou, na universidade, "não questione
essa decisão, porque ela é apoiada pelo reitor", ou, ainda, "tal medida foi uma
decisão política do ministro"? Já pararam para pensar nesses absurdos aceitos
ou como verdades inquestionáveis ou como meras ordens a serem cumpridas? Já
refletiram que isso vai — como foi e vem acontecendo — minando a capacidade
de raciocinar das pessoas, ou seja, vai desumanizando o homem?
Eis
a verdade, meus amigos, clara como a água mais cristalina, mas que a imensa
maioria não consegue enxergar, porque foi habituada, ensinada, doutrinada,
bombardeada para agir como bois ao som do berrante do boiadeiro: estamos
vivendo em uma sociedade que a cada dia se torna mais desumanizada, em que a
dignidade da pessoa humana de pouco ou nada vale. Essa crença cega nas
pretensas "soluções políticas" foi sendo inoculada nas pessoas passo a passo,
vagarosa e calculadamente e se alastrou pelos corpos das sociedades como um
veneno mortal.
É
urgente combater o relativismo moral e suas "soluções políticas", a começar
pelo resgate da família e seus valores, da importância da formação moral das
crianças por parte dos pais (e não dos professores de História inteiramente
embriagados de marxismo) e da imprescindibilidade da liberdade responsável, que
é aquela liberdade de escolher sabendo o que é certo e o que não é certo.
Já
pensaram também por que nosso povo está indo às ruas para protestar? Estão
pretendendo o quê com os protestos: mais "soluções políticas"? É o que parece.
Na
economia, desde que Keynes, em outra "medida provisória", estabeleceu a máxima,
tida por quase todos os economistas como inquestionável, a de que poupar faz
mal à saúde da economia e gastar faz bem, uma tremenda e gigantesca guinada nos
fundamentos morais da ciência econômica, as "soluções políticas" passaram a
substituir as decisões individuais voluntárias, os mercados passaram a ser
vistos como um perigo para os pobres e os ministros da Fazenda e presidentes
dos bancos centrais como grandes iluminados salvadores de suas pátrias. O
resultado dessa imoralidade representada pelo keynesianismo pode ser visto facilmente, como um relâmpago em uma
noite escura: déficits orçamentários crescentes, endividamento público maior do
que o "tamanho da economia", inflação, desemprego, crises em cima de crises e gerações
de jovens que não encontram empregos, como vem sucedendo na Europa, antes
badalada como um paraíso da social democracia.
James
Buchanan e Gordon Tullock, os dois principais autores da Public Choice School, mostraram
claramente que Keynes, um imoralista assumido, politizou a teoria econômica e
seu trabalho foi justamente fazer o oposto: levaram os princípios básicos da
teoria econômica para analisar o processo político, mostraram como isto pode
ser feito e concluíram que os chamados "homens públicos", tal como os mortais comuns,
agem de acordo com seus próprios interesses e não tendo em vista o chamado bem comum. Ou seja, os políticos agem —
para usarmos o jargão econômico convencional — com o intuito de "maximizar a
sua utilidade" e não a dos seus eleitores.
E,
desde seus primórdios com os pós-escolásticos, passando por seu fundador Menger
e por Mises, Hayek, Rothbard, Kirzner e praticamente todos os seus economistas,
a Escola Austríaca de Economia sempre se posicionou contra a falsa panaceia das
"soluções políticas", porque sempre entendeu com muito maior clareza — e com
uma metodologia bastante superior à das escolas rivais —, que os mercados são
processos de intercâmbio voluntário que jamais puderam, podem ou poderão ser
substituídos por pretensas "soluções", que de soluções nada têm. Hayek, em
especial, mostrou, especialmente em seu famoso artigo O uso do conhecimento na
sociedade que o conhecimento, em termos de assuntos sociais, é sempre
insuficiente e se apresenta de forma dispersa. E que os planejadores dos
governos não são super-homens que se situem acima desse fato elementar.
Portanto,
nada melhor do que os próprios envolvidos nas situações concretas para
resolverem os seus problemas concretos. As "soluções políticas" já nascem
fadadas ao fracasso. Na verdade, elas são, por si mesmas, sinônimos de
fracassos. A Escola Austríaca de Economia é moralmente superior às demais
porque respeita os princípios, valores e instituições de uma sociedade livre e
virtuosa. O texto de Hayek, claramente, é uma defesa do conhecido Princípio da Subsidiariedade, que se baseia
na ideia de que é moralmente errado retirar-se a autoridade e a responsabilidade
inerentes à pessoa humana para entregá-la a um grupo, porque nada pode ser
feito de melhor por uma organização maior e mais complexa do que pode ser
conseguido pelas organizações ou indivíduos envolvidos diretamente com os
problemas. A subsidiariedade decorre
de três importantes aspectos da própria existência humana: a dignidade da
pessoa humana, a limitação do conhecimento enfatizada por Hayek e a
solidariedade.
Por
tudo isso e como estou farto de dizer e escrever, temos uma tarefa gigantesca
pela frente, que é a de fazer as pessoas voltarem ter noção de que há atos
moralmente certos e atos moralmente errados, tanto no campo da economia, como
no das relações pessoais, no da atividade política, na prática dos esportes,
enfim, em todas as nossas ações. Obviamente, há ações que podem ser chamados de
moralmente neutras, como, por exemplo, a de chupar um picolé, mas a maioria de
nossas escolhas reflete os valores morais que recebemos desde muito cedo e que
desenvolvemos com o passar dos anos. Muitos dos que estão indo às ruas
protestar contra este ou aquele político corrupto, será que não agiriam de
maneira parecida caso estivessem no lugar do mesmo?
Essa
tarefa enorme e hercúlea que temos pela frente, a meu ver, transcende rótulos
de qualquer natureza. Não me agradam esses rótulos. Nunca me agradaram, porque
são superficiais. Em termos de filosofia moral, sou um "conservador", mas em
termos de teoria econômica, sou um "libertário". E aí, como é que fica? De
forma semelhante, alguém pode ser um "progressista" em termos morais, mas um
"conservador" em termos políticos. E aí? Rótulos rútilos só servem ou para
xingar alguém ou para confundir incautos...
Acima
dos rótulos, temos que lutar contra a panaceia das "soluções políticas", que
nos ronda como urubus sobre a carniça. Se mostrarmos que estamos vivos, nos
mexendo, lutando, poremos os urubus para correrem, ou melhor, para voarem para
outras plagas. E se quisermos saber qual é o ninho os corvos, veremos que é o
relativismo moral.